Assim como os tipos de vestimenta e os modos de falar são expressões culturais, os hábitos alimentares também dão pistas sobre características de uma sociedade. O ritmo de vida que impera em uma metrópole como São Paulo, por exemplo, tem relação intrínseca com a alimentação dos seus habitantes.
“Vivemos correndo, sem tempo, percorrendo longas distâncias. Isso gera, obrigatoriamente, uma nova forma de se alimentar”, diz a antropóloga Paula Pinto e Silva, professora de Antropologia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “A postura de você sair para trabalhar, num contexto contemporâneo, pressupõe que não voltará para casa para almoçar. Claro que o trânsito atrapalha, mas em geral as pessoas já estão com esse pressuposto na cabeça.”
A história do paulistano com a alimentação fora de casa, especialmente a associada ao universo do trabalho, não vem de hoje. Alguns fatores ajudam explicar esse fenômeno. A urbanização e o crescimento desordenado da capital desestimularam o trabalhador a retornar para sua moradia na hora do almoço, por uma questão de tempo e dinheiro. Além disso, a entrada da mulher no mercado de trabalho, em meados do século 20, tirou-lhe a prioridade dos serviços domésticos – como a tarefa de cozinhar para o marido diariamente.
“Com isso, comer fora casa passa a ser parte integrante da jornada de trabalho. É nesse contexto que se deve compreender o aparecimento de diferentes tipos de estabelecimentos fornecedores de comida, como restaurantes, bares e padarias”, afirma a historiadora Wanessa Asfora – doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e correspondente do periódico científico Food & History (Comida e História), do Institut Européen d’Histoire et Cultures de l’Alimentation (Instituto Europeu de História e Cultura da Alimentação), localizado na França.
Mais recentemente, o costume de se alimentar na rua tem crescido. “Isso se deve ao aumento de renda das classes C e D e ao vale-alimentação, subsidiado pelo empregador”, explica o sociólogo Carlos Alberto Dória, professor de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor do livro A Formação da Culinária Brasileira (Publifolha, 2009). Segundo o sociólogo, hoje mais de 20% do gasto médio com alimentação é feito em refeições fora de casa.
E as opções para o almoço são das mais variadas, já que a cidade é considerada uma das capitais mundiais da gastronomia. De acordo com dados da São Paulo Turismo – empresa oficial da prefeitura do município –, são 12.500 restaurantes, 52 tipos de cozinha, 15 mil bares, mais de 3 mil padarias, 500 churrascarias e 250 restaurantes japoneses. No entanto, à medida que a variedade aumenta, multiplicam-se também os critérios na hora da decisão: preço, localidade, serviço rápido, comida boa e cada vez mais saudável – tanto do ponto de vista nutricional quanto do da higiene na preparação dos alimentos.
Liberdade de escolha
O restaurante self-service – o famoso “por quilo” – é um sucesso entre as pessoas interessadas em alimentos semelhantes à comida feita em casa e que precisam voltar logo ao trabalho. Outro atrativo é o amplo cardápio. As opções para montar o prato vão do arroz com feijão ao macarrão, da alface à batata frita, do peixe grelhado ao pastel, da salada de frutas ao musse de chocolate…
Portanto, pode ser tanto uma boa pedida para quem se preocupa com uma alimentação mais sadia quanto uma tentação à gula e a combinações com desequilíbrio nutricional. “Tem um lado interessante porque possibilita que você pegue o quanto precisa comer. Porém, também estimula o consumo daquilo que nem sempre é mais saudável”, adverte a nutricionista Rosana Freire, professora do Centro Universitário São Camilo e da Universidade Anhembi Morumbi.
A dura realidade dos excessos é comprovada por alguns estudos que indicam que o brasileiro anda exagerando na ingestão de proteínas e gorduras – vindas do excesso de carnes e frituras. Por outro lado, o consumo de verduras, legumes e frutas é menor do que o recomendável. É o que afirma a nutricionista do Instituto Nutra e Viva Cristina Rubim.
Esse tipo de alimentação pode levar à obesidade, à hipertensão e a doenças cardiovasculares. “Até pelos próprios restaurantes por quilo, as pessoas fazem o cálculo de que para comer arroz e feijão seria caro. Então, elas acabam optando por preparações menos saudáveis, com excedente de carnes gordas, como a picanha”, assegura Cristina.
Embora cada pessoa tenha determinada necessidade nutricional, Cristina e Rosana dão algumas dicas interessantes que podem ajudar em uma alimentação balanceada e saudável: capriche na salada e nos legumes, preferencialmente crus, montando um prato bem colorido, com verde, vermelho e amarelo, por exemplo. Isso porque essa variedade de tons indica uma diversidade de nutrientes. O ideal é não abrir mão do feijão e do arroz, melhor o integral. Dê preferência às carnes brancas, como peixe e frango. “Para facilitar, costumamos indicar uma porção de carne do tamanho da palma de sua mão, sem contar os dedos”, ensina Cristina.
Comida vapt-vupt
O estilo de vida apressado de quem trabalha em São Paulo acaba estimulando muitos de seus habitantes a comer o chamado fast-food, refeições rápidas e muitas vezes não tão saudáveis. Pelas ruas da cidade, é comum encontrar barracas e carros que vendem sanduíches. Por causa do preço baixo, esses lanches costumam atrair uma parcela dos paulistanos.
Um dos perigos é a intoxicação alimentar, pois nem sempre os ingredientes são conservados na temperatura adequada. “É muito difícil que um ambulante consiga garantir o cumprimento de toda a legislação sanitária”, alerta Rosana.
Apesar de serem, em geral, mais higiênicas que o comércio ambulante, as redes de lanchonete também têm seu menu baseado em alimentos com alto teor de gordura, sódio e açúcar – como hambúrguer, cachorro-quente, batata frita, refrigerante e sorvete.
“Isso tem feito a população apresentar aumento de diabetes e problemas de excesso de colesterol, que pode acarretar doenças cardiovasculares”, avisa Rosana. No entanto, algumas cadeias de fast-food têm percebido o anseio das pessoas por comidas mais saudáveis. “Então, oferecem a opção de trocar a batata pela salada, de incluir a possibilidade da maçã. Tem uma tendência de mudança de cardápio para atender essa demanda”, analisa Cristina.
Fogão cosmopolita
Afinal de contas, quais são as características da gastronomia paulistana? De todo o Brasil, São Paulo é sem dúvida a cidade que mais oferece diversidade gastronômica. Isso porque a capital abraça a culinária de outros estados brasileiros e de ?outros países. Tem comida árabe, mineira, japonesa, baiana, italiana, e por aí vai.
“É uma cozinha cosmopolita, que recebe e que incorpora elementos de outras culturas de forma muito rápida”, exemplifica o professor e pesquisador do Centro Universitário Senac Marcelo Traldi, editor da revista Contextos da Alimentação. Entre os novos hábitos, ocorre a proliferação das temakerias. “Nunca vi fora do Brasil um lugar como a temakeria – que é, na verdade, um restaurante japonês com um cardápio mais enxuto, mais rápido e um pouco mais barato.”
Embora ainda falte oferta, os restaurantes vegetarianos e vegans – que não utilizam nenhum produto derivado de animais – são cada vez mais comuns. “Dependendo da região, fica meio complicado almoçar. Mas perto de onde trabalho tem um restaurante vegetariano e dois naturais”, conta o editor de vídeo Felipe Madureira, um dos organizadores da Verdurada, um evento vegan regado a shows de punk e hardcore. “Nesses naturais é meio trabalhoso, porque eles não identificam o que tem leite e ovo. Num deles, só vou de vez em quando porque tem umas misturas que acho ruins, como salada com batata palha.”
Mas São Paulo também é um lugar que preza por suas tradições. Exemplo claro disso é o prato feito, o famoso PF, servido na maioria dos botecos e em muitas padarias. Cada dia da semana tem uma comida definida de antemão. Por exemplo, na segunda-feira é virado à paulista; na quarta-feira, feijoada. “Brinco que a primeira coisa que faço quando chego numa cidade é ver qual o prato do dia, para saber como funciona essa estrutura.
Aqui em São Paulo, não comemos rabada com agrião, e lá no Rio é o prato específico da terça-feira”, revela a antropóloga Paula Pinto. Para Carlos Dória, o PF é fundamental em nossa cultura e representa a estrutura básica da alimentação brasileira, não só da paulistana. No entanto, ressalta que toda forma de alimentação baseia-se em uma geografia econômica. “Na região dos Jardins [bairro nobre da capital paulista], não é tão importante, dada a oferta de restaurantes [cujo público-alvo é das classes] A e B”, indica o sociólogo.
Cuidados com a saúde
Quando o assunto é qualidade de vida, a conversa começa pela alimentação. Porque é a partir dela que obtemos quase todos os ingredientes necessários para um bom funcionamento do organismo. Aliado à prática de exercícios físicos, o consumo alimentar em quantidade correta previne o sobrepeso e a obesidade. Além disso, alguns alimentos têm aspectos protetores, que evitam o desenvolvimento de doenças. A cenoura, por exemplo, ajuda a prevenir a chamada cegueira noturna.
Para evitar intoxicações, que podem levar até a morte, é importante estar ligado se os estabelecimentos estão em dia com a higiene. É direito do consumidor, por exemplo, conhecer a cozinha do restaurante. Observe se o ambiente está limpo.
Veja se há lavatório onde os clientes podem lavar as mãos. O toalete não pode ter comunicação direta com a área de preparação de alimentos nem com a de serviço. “Normalmente existe um biombo ou uma parede espelho que evita que o fluxo de ar saia do banheiro e caia direto no salão”, ressalta Rosana. Os pegadores devem ter cabos longos para garantir que a mão não entre em contato com os ingredientes. Além disso, atente para a limpeza da mesa – incluindo copos, talheres e pratos. Dadas essas informações, tenha um bom apetite.
Menu saudável
Para um almoço mais equilibrado e nutritivo,a dica é montar um prato ?que privilegie saladas, legumes e frutas
Sugestão 1:
• Salada de alface crespa com rúcula, raspas de cenoura e beterraba, manga em cubinhos, salpicados com linhaça moída
• Peixe ao forno ao molho de ervas
• Arroz integral e feijão
• Suflê de espinafre
• Melancia com raspas de limão siciliano
Sugestão 2:
• Salada de rúcula com tomate, pepino fatiado, cubos de beterraba e pimentão cru
• Macarrão integral ao molho sugo
• Peito de frango grelhado com quiabo
• Compota de goiaba
Fonte: nutricionistas Cristina Rubim e Rosana Freire
Bom e Barato
Sesc São Paulo oferece refeições saudáveis, com preços acessíveis e que destacam a culinária brasileira
O programa de alimentação do Sesc São Paulo é uma de suas ações mais antigas. Apenas um ano depois de seu surgimento, a instituição já inaugurou seu primeiro restaurante, em outubro de 1947. O estabelecimento ficava localizado na rua Riachuelo, centro da capital paulista, e tinha o intuito de servir os comerciários que trabalhavam na região.
De lá para cá, permanece o compromisso de proporcionar uma alimentação saudável, do ponto de vista nutricional e higiênico-sanitário, com baixo custo financeiro ao consumidor. Além disso, um dos objetivos é difundir os aspectos culturais da culinária. “O elemento educativo está inserido no nosso trabalho”, diz a gerente adjunta da Gerência de Saúde e Alimentação (GSAL) do Sesc São Paulo Márcia Bonetti.
“Buscamos oferecer alimentos com ingredientes brasileiros, valorizamos aquilo que é nosso.” Embora enalteça as características da cozinha nacional, também contempla as de outras culturas. Afinal de contas, nesse caldeirão chamado Brasil, ferve a miscigenação cultural que nos alimenta. E é com esse tempero que o Sesc faz comidas contemporâneas, que exaltam o sabor e a gastronomia.
Os locais destinados à alimentação propiciam a interação dos convivas, em ambientes que convidam ao prazer de comer sem pressa. Essa é uma das intenções das chamadas comedorias, nome dado aos espaços que abrigam num mesmo lugar restaurante e cafeteria. A primeira unidade a inaugurar uma comedoria foi a de Pinheiros, em 2006. Diariamente, serve até 1.400 refeições.
“De terça a sexta, a maior parte do público é de pessoas que trabalham aqui na região. Aos sábados e domingos, muda completamente. Tem mais crianças e famílias. E essas pessoas ficam mais tempo, para poder aproveitar, curtir e ter um almoço propriamente dito”, conta a gastrônoma Adriana Iervolino da Cunha, coordenadora da área de alimentação da unidade.
A comedoria do Belenzinho tem uma média de 1.500 refeições oferecidas durante os dias úteis. Aos finais de semana, os pais levam a criançada para almoçar e o número de pratos servidos chega a 2.300. “Diariamente, temos cinco tipos de salada; três pratos principais – sempre um bovino ou suíno, ave e peixe; duas guarnições, uma à base de carboidrato e outra à base de legumes e vegetais; e três tipos de sobremesa”, afirma a nutricionista Alessandra Machado Fialho, coordenadora da área de alimentação do Belenzinho.
Entre as opções do cardápio, mix de folhas com alface, escarola e rúcula; filé de cação ao molho de abóbora e alho-poró; panqueca com recheio de ricota e espinafre; e gelatina.Tanto Pinheiros quanto Belenzinho oferecem refeições por peso, diferentemente do Carmo (foto), que trabalha com porções. São dois restaurantes. Num deles, os frequentadores têm a opção de escolher como querem montar seu prato, com até oito itens diferentes. São eles: salada, arroz, feijão, carne, guarnição, sobremesa, suco e pão. Pelo menu completo, os comerciários pagam sete reais e visitantes, 13 reais.
No outro restaurante, chamado Prato Expresso, o cardápio é fechado e inclui arroz, feijão, carne, sobremesa e suco. Isso torna o atendimento mais rápido e barato. O preço varia entre 4 e 8 reais. “No restaurante com sistema ‘porcionado’, servimos em torno de 2 mil refeições diárias. No outro restaurante, cerca de 900. E no jantar atendemos cerca de 500 pessoas”, explica a nutricionista Mariana Meirelles Ruocco, coordenadora da área de alimentação do Carmo. A unidade ainda presta serviço para uma empresa da região, fornecendo-lhe 900 pratos diariamente. Como boa parte do comerciário do centro está de folga durante o final de semana, o Carmo não abre aos sábados e domingos. Para proporcionar mais de 4 mil refeições por dia, 50 pessoas trabalham em sua cozinha.
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