Aconteceu no Sesc Itaquera: Residência Leste 2023

17/05/2024

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Entre os meses de outubro e dezembro do ano passado, o Sesc Itaquera recebeu quatro artistas de diferentes partes da cidade de São Paulo para o programa Residência Leste – uma imersão em criação artística.

Foto de Rodrigo Losano. Artistas residentes segurando a faixa realizada por Bruna Kim.

Com sua base de operações no ETA – Espaço de Tecnologias e Artes do Sesc Itaquera, cada um dos artistas convidados teve a oportunidade de desenvolver um trabalho autoral inédito junto aos frequentadores, durante o dia-a-dia da unidade. Durante quase dois meses, os artistas puderam vivenciar as alamedas, praças, refeitórios e espaços de convivência… e até mesmo nos cantinhos mais escondidos da unidade, como a horta, o pomar e o viveiro. Aliás, você já esteve em algum deles?

Às quintas-feiras, os artistas convidados ainda dividiram o ETA com os demais frequentadores do Ateliê Aberto, programação permanente que convida o público a desenvolver seus próprios projetos de tecnologias e artes com os recursos disponíveis. Durante a Residência Leste, quem esteve no Ateliê Aberto pồde também conhecer mais e experimentar as técnicas e poéticas dos artistas residentes, até mesmo participando da elaboração e desenvolvimento desses processos.

Foto: Luiz Falcão. O Ateliê Aberto acontece todas as quinta-feiras no ETA a partir das 10h. Programação convida os frequentadores a trazerem seus próprios projetos e demandas para realização no espaço com mediação dos educadores.

Você sabe o que é uma Residência Artística?

“Uma Residência Artística, resumidamente, consiste em habitar um espaço diferente, trocar experiências e se dedicar aos processos do desenvolvimento do trabalho artístico, envolto nessa atmosfera criativa.”

Bruna Kim, artista residente na Residência Leste 2023

Muito populares sobretudo a partir dos anos 1980, as Residências Artísticas existem hoje nos mais diversos formatos e se consolidaram como parte do ecossistema das artes e da cultura.

A Residência Leste no Sesc Itaquera
Criada em 2015 para promover o contato do público com variados processos de criação artística, o programa chegará a sua décima edição em 2024. Nessa trajetória, a Residência Leste já recebeu artistas das mais variadas formas de expressão, da pintura, escultura e gravura até a dança, performance, histórias em quadrinhos… Abaixo, uma linha do tempo com todos os artistas que já passaram pelo programa.

Perfis
A Residência Leste, por acontecer no ETA – Espaço de Tecnologias e Artes, um espaço por excelência de trabalho, aprendizagem e troca de saberes, ano após ano traz junto com a seleção de artistas um olhar especial para processos educativos em artes. Os quatro artistas convidados para a edição de 2023 tem como parte de suas trajetórias, além de seus trabalhos práticos em suas linguagens poéticas, o fazer educativo – e de cuidado!

Bruna Kim
Artista visual, marceneira e gravurista. É também educadora tanto no ensino informal quanto com aulas complementares em instituições de ensino formal. Na Residência Leste, Bruna montou um ateliê de gravura, com prensa calcográfica, tinta, papel e o trabalho cotidiano de gravurista – assim, ela poderia apresentar ao público um tipo de trabalho tradicional que vem sofrendo várias formas apagamento no cenário cultural.

Jonas Teodoro
Artista cênico, visual e da palavra. Mora em São Paulo e dá aula na rede pública de ensino em Diadema. Jonas se propôs a fazer uma pesquisa mais ligada ao campo das artes visuais, com objetos relacionais que pudessem ser brincados pelo público da Residência. No início do processo, descobriu um problema de saúde na coluna que acabou dando a tônica de muitas dessas criações.

Natália Vaz
Bonequeira, cenógrafa, aderecista, maqueteira e animadora, Natallia trabalhou na Residência Leste com a construção de relicários – pequenas miniaturas feitas com muito esmero e tratadas como um tesouro. A artista diz que a experiência da maternidade e do cuidado atravessa todos os minutos de sua existência. “Construir relicários que cultuem práticas e valores (não imagens) que preservam a vida.” O amor, para ela, é mais que um sentimento, é uma ética. Os relicários seriam um monumento mínimo a essa ética do cuidado, da não-violência, inspirados pela natureza.

Fábio Lopes
Artista visual da Zona Leste e educador da rede pública de SP, Fabio trabalha com a linguagem do desenho, especialmente no registro do preto sobre o branco. Ele conta que cresceu na Zona Leste de São Paulo entre os anos de 1990 e 2000 e que era frequentador do Sesc Itaquera. Retornar ao Sesc foi também um reencontro com essas memórias e sensações que acabaram por alimentar o trabalho.

“Um espaço voltado à imaginação, uma grande oficina de livre experimentação com sua infinidade de ferramentas.”

Fabio Lopes, artista residente na Residência Leste 2023

Para Bruna Kim, “a Residência Leste possui uma característica especial: a interação com o público que passa por ali. Tal como uma exposição em progresso, onde o diálogo com o público era guiada da maneira mais interessante possível: através da curiosidade e presencialmente. Esse tipo de interação direta eu somente imaginei durante faculdade de artes, 15 anos atrás, e havia me esquecido.”

O artista Jonas Teodoro destaca que o foco do programa em convidar artistas-educadores “permite um processo de experimentação e criação artística, tanto entre os quatro artistas convidados, quanto entre os artistas e o público espontâneo do Sesc Itaquera.”

Ao longo dos encontros, cada artista pode mergulhar em seus próprios processos, sempre em diálogo com os demais, com o público e com o espaço.

Jonas Teodoro criou objetos relacionais – algo entre um brinquedo e uma obra de arte. Ele conta como suas memórias de infância e experiências mais recentes, como a perda da mãe e o descobrimento de um problema de saúde na coluna, o influenciaram na criação dessas peças interativas. Também destaca a participação do público no processo. Apesar de eventualmente se parecerem com brinquedos conhecidos (como a mola maluca e o quebra-cabeças de deslizar), os objetos não vinham acompanhados por regras: era o público quem, na relação com os próprios objetos, preenchia a experiência estética com suas impressões, intenções e expectativas. “A maioria das pessoas que interagia com o objeto perguntava sobre as regras. Essa necessidade de padrões e organizações é um dos questionamentos desse objeto que, sempre “incompleto”, provoca quem interage a pensar em outras formas de brincar”, conta o artista.

Bruna Kim desde o princípio queria trazer um olhar sobre os espaços naturais e o paisagismo do Sesc Itaquera. Em suas várias expedições, acabou conhecendo mais a fundo a história da Unidade e também os trabalhadores e ferramentas que atuam na manutenção e conservação do parque. “Meu trabalho poético-gráfico tem girado em torno de ferramentas, mãos e fazer manual” conta a gravurista, que já tinha dado aulas no ETA como marceneira. “A cessão de espaço, as conversas, as pesquisas, o contexto, esses elementos todos propiciaram um contexto muito estimulante e criativo. Acredito que é importante conhecer o lugar onde estamos atuando, e que isso é possível andando e conversando, ou muitas vezes apenas observando.” Durante o período da Residência, Bruna fez também muitos registros de seu processo e de seus colegas de ateliê. Alguns deles ajudam a ilustrar essa matéria.

“Não houve outra ocasião em que pude me dedicar de forma intensa, com recursos e totalmente livre na sua forma de execução” conta Fábio Lopes. Ele diz que partiu de duas premissas. A primeira, a ampliação da escala do desenho, porque quanto maior o desenho, mais corpo ele demanda no processo – primeiro os dedos, depois as mãos, até o cotovelo, então os braços e por fim o corpo todo. A segunda, as nuances da cor preta sobre vários materiais. Durante a residência, no entanto, teve vontade que os desenhos refletissem as impressões do espaço: as lembranças, a preservação da mata, o espaço de refletir e do fazer. Em dado momento, Fabio acompanhou Bruna para uma de suas expedições, no Viveiro. “Dentre as espécies, encontramos uma que se parecia com uma fruta mas que descobri que se trata de um pseudobulbo de orquídea. Me chamou atenção a forma ‘amassada’ desses bulbos e esse foi o ponto de partida para o desenho”.

Natália Vaz conta que já há bastante tempo imaginava fazer uma série de relicários e que a proposta de criar em diálogo com o Sesc Itaquera, seu público e seu entorno veio ao encontro desse desejo. “Um espaço que é cercado de mata, de natureza. Considero a natureza a nossa grande mestra. E a partir de sua observação sensível extraio lições profundas de humanidade e ética”. Ela foi buscar na natureza do parque as matérias primas que usou em seu trabalho. Cipós, galhos e flores, bem pequenininhos. E um conjunto de sementes voadoras que veio até ela trazida pelo vento enquanto caminhava até a lanchonete. O primeiro relicário, Cuidado, foi criado com muita paciência e esmero, usando muito da técnica do bordado, que ela observava sua avó fazer quando era criança e que ela diz ter uma beleza muito profunda “como uma nuvem de vagalumes e a água da chuva na superfície do mar”.

No último dia da Residência Leste, em 2 de dezembro, o ETA promoveu uma pequena mostra dos trabalhos e um bate-papo com o público. No encerramento, além de apresentarem os resultados de sua pesquisa poética, os artistas contaram como foi o processo de dividir o ateliê uns com os outros, como as interações com os frequentadores da unidade transformaram e compuseram seus projetos e como as dinâmicas do ETA e do Sesc Itaquera como um todo integraram suas criações. 

Para Natallia Vaz, a Residência Leste foi “um espaço de cuidado, sem pressa, sem pressão, a criação de um ambiente fértil para que ideias brotem, para que quem ali está possa manifestar a sua beleza e seus pensamentos sobre a vida. Uma janela para um ambiente gigante preenchido pelo infinito das possibilidades, um pouco como o próprio Sesc.” 

Este ano, a Residência Leste acontece mais cedo. O primeiro encontro dos artistas será no dia 16 de maio, durante o Ateliê Aberto e eles seguirão se reunindo e trabalhando até o final de junho.

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Os convidados desse ano são a artista da cena, figurinista e mascareira Helo Cardoso, que deu aula por 34 anos na Unicamp e hoje segue com seus trabalhos autorais, que a acompanham por toda a vida; o artista plástico Ariel Spadari, que já morou no japão, expôs na Bienal de Veneza e hoje está de volta ao Brasil dando aulas para ensino fundamental e médio; e o ilustrador, figurinista e drag queen Cés Augusto que é residente da Zona Leste e nos últimos 9 anos tem se dedicado especialmente ao teatro e figurino.

Além deles, Gabriela Ribeiro, ilustradora e artista gráfica e editorial, que participou como artista residente na edição de 2021, volta para a Residência Leste dessa vez para fazer registros dos processos.

Residência Leste 2024
Com Ariel Spadari, César Augusto e Helo Cardoso
De 16/05 a 29/06
Quinta e Sábado das 10h às 16h

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