Samba: a gramática da diversidade

05/07/2024

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Por Maitê Freitas
Pesquisadora

Se você já pesquisou pela verbete “Samba” no dicionário da língua portuguesa, verá que a definição estabelece como “substantivo masculino”, cuja designação principal no oráculo das palavras afirma “Dança popular brasileira, de origem africana, derivada do batuque, com variedades urbana e rural, e coreografias diversas, acompanhada de melodia em compasso binário e ritmo sincopado, que se tornou dança de salão universalmente conhecida e adotada.”

Das verbetes e definições encontradas, adoto para compreender, mobilizar e articular o pensamento com o mestre Nei Lopes, que trará menção à etimologia quimbundo de Samba e suas derivações ancestrais: semba, dissembas, massemba, umbigo, encontro.

As duas verbetes se conversam, se complementam, se encruzam e nos dão esteio para uma compreensão e dimensão expansiva do que este substantivo – gênero musical tem sido capaz de fazer e mobilizar na nossa história e organização de nossos afetos.

Como tudo no mundo, convencionou-se compreender samba como substantivo masculino. No entanto, se ao longo da história social, Samba passou a ser conjugado no masculino “o samba”, sabemos que as mulheres foram fundantes e fundamentais na manutenção e preservação desse espaço sagrado de nossa sociabilidade. Para este texto, opto por deslocar o entendimento dessa flexão imperativa, patriarcal. Reposiciono Samba esse corpo-substantivo fundante de nosso imaginário sociocultural, em uma área epicena ou, até mesmo, centrada na flexão feminina: a Samba: sendo este espaço de liberdade e sociabilidade gerido e sustentando nos quintais de mulheres negras.

É com o samba, em roda, em comunidade, que a popular negra desde a travessia atlântica tem encontrado formas de construir e circular as narrativas. No batuque dos tambores sacros das religiosidades de matrizes africanas, que se faz invisível a fronteira entre sagrado e profano, traço este que se dissipa e se torna desnecessário de ser feito, ao compreendermos que Samba é a expressão maior da contra-colonialidade brasileira.

Ainda que por vezes cooptado e apropriado pela branquitude. Samba nunca deixará de ser negro, de ser feiticeiro. É com o batuque, na roda, nas vozes cantadas em coro, na palma da mão, no suor dos corpos e no rebolar dos quadris que mora a base do feitiço que fazemos – nós, comunidade preta – em busca da liberdade.

Quando nos deparamos com a programação Na Batucada dos Sambas nos defrontamos com uma minuciosa curadoria que compreende esse amálgama, essa constelação ancestral de diferentes campos lexicais propostos e manifestos a partir dessa ancestralidade que baseia e fundamenta um modo afro-brasileiro de existir no mundo.

Em tempos nos quais a diversidade e a promoção dela se torna um valor ético para um futuro possível de reafirmação da vida e das existências, ao trazermos para o centro os Batuques, Sambas e suas diferentes formas de expressão e experimentação das linguagens (cinema, teatro, artes plásticas, conversas e música), possibilitamos nos conectar com uma tecnologia social que aponta e nos ensina uma nova gramática que nos coloca em estado de alegria, sonho, liberdade e luta.

Luta por território. Luta por memória. Luta pelo protagonismo preto. Luta por sustentabilidade. Luta pela soberania alimentar. Luta pela igualdade nas relações. Luta pelo direito de ocupar as ruas. Luta pelo direito de seguir contando-cantando sua história.

É Na Batucada dos Sambas que podemos reafirmar nosso compromisso quanto indivíduos de co-existirmos aquilombados na intransigência que os batuques-samba vem nos ensinando desde os nossos quintais, nossos territórios-afetivos e familiares. Está dito e escrito que mais do que célula rítmica, nosso samba nos ensina a semântica para nos organizar, ler e enxergar o mundo, confluir nos afetos e sobretudo: existir e resistir e celebrar.

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