Mário Manga revive sua experiência como um “passarinho” no Castelo Rá-Tim-Bum, onde músicos, como aves coloridas, encantavam crianças ao som de diferentes instrumentos
Mário Manga é compositor, arranjador e multi-instrumentista brasileiro, formado em Composição pela ECA-USP. Fundador do Premeditando o Breque e do trio Música Ligeira, produziu artistas como Ivan Lins, Rita Benedito e Ná Ozzetti. Atua com Arrigo Barnabé, Luiz Tatit e outros, além de compor trilhas e dar aulas. Também apresenta o programa O Bom e Velho com Ana Deriggi no YouTube.
Ilustrações por Bia Prado — Bacharel em Desenho Industrial com habilitação em programação Visual pela universidade Mackenzie. Desde 2003, trabalha com criação para diferentes tipos de projetos gráfico, desde o desenvolvimento da ideia principal até a finalização da arte envolvendo diagramação e criação.
Ou foi no final de 1992 ou no comecinho de 1993, mas foi. O Hélio Ziskind, meu querido amigo e ex-colega do Departamento de Musica da ECA-USP, fez o convite.
Ele, juntamente com André Abujamra, Luiz Macedo, Wandi Doratiotto, Renato Lemos e Arnaldo Antunes, entre outros, foi convidado para fazer a trilha sonora do novo programa infantil que a TV Cultura lançaria com o nome de Castelo Rá-Tim-Bum. Cada um deles ficaria encarregado de um ou mais quadros dentro do seriado.
Ao Helinho coube, além das aventuras do ratinho e da abertura, os episódios dos passarinhos.
E o que eram os passarinhos? Eram músicos fantasiados de pássaros que apresentavam, a cada programa, as características, qualidades e curiosidades de seus instrumentos. Muito didático e divertido. Uma maneira lúdica e prática de mostrar os diferentes timbres e sons que saíam daqueles “aparelhos”, estranhos ainda para muitos dos pequenos telespectadores atentos ao Castelo.
Foi um sucesso. Além dos músicos havia a participação de duas “Passarinhas”, Dilma Campos e Ciça Meireles, que dançavam, cantavam e conseguiam tirar dos instrumentistas gestos e movimentos ao som de sua própria música. Coisa difícil, aliás.
A imagem era surreal: Uma árvore no meio de um castelo e nessa árvore um ninho parecido com aqueles que o joão-de-barro faz. Zoom no ninho e dentro dele surgia nosso amigo pássaro com seu instrumento.
“As passarinhas que cantavam não eram as mesmas que dançavam.”
Havia um tema musical, criado pelo Hélio, que introduzia o quadro e o passarinho-músico e seu instrumento:
“Passarinho, que som é esse?” cantavam as passarinhas e logo depois o músico seguia nesse tema, mostrando as possibilidades sonoras possíveis e pertinentes ao seu instrumento.
Foram muitos músicos e muitos instrumentos.
Swami Jr no baixo elétrico, Duda News na bateria, Toninho Carrasqueira na flauta, Alberto Marcicano na cítara, Rodrigo Rodrigues na gaita, Gilson Barbosa no oboé, Toninho Ferragutti na sanfona, Carlos Tarcha no vibrafone, Ed Cortes no sax, Denise Garcia no piano, Ana Cristina Rocha na flauta doce, entre muitos.
Eu fui passarinho quatro vezes. Quatro instrumentos: guitarra elétrica, violoncelo, bandolim e violão. Só faltou voar. Por essas e outras, vou tentar puxar da memória essa minha “experiência ornitológica”.
O áudio era gravado antes no estúdio do Hélio e depois gravávamos o vídeo na TV Cultura. O vídeo era feito em função do áudio. Era uma dublagem.
As passarinhas que cantavam não eram as mesmas que dançavam. As vozes eram de Maria Aparecida de Souza, Sueli Gondim, Rita Kfouri e Tania Lenke.
Não lembro exatamente quanto tempo gastamos criando e gravando os áudios dos quatro instrumentos, mas é quase certeza que levou mais de uma sessão de seis horas.
“A ideia básica: apresentar ao público o instrumento e muitas das suas possibilidades.”
E escrevi “criando” pois, apesar de já existir um tema pronto, o Helinho queria tirar o máximo de cada instrumento. Seu timbre e suas peculiaridades. Ficávamos no seu estúdio testando frases e efeitos do instrumento, até conseguir o melhor resultado sonoro que seria assistido por milhares de crianças pela primeira vez. Coisa séria!
Assistindo aos diferentes episódios, esse cuidado fica claro.
No meu caso, por exemplo, quando gravei a guitarra elétrica, pegamos a guitarra do rock como base. Toquei minha guitarra Fender Stratocaster 1979 que me acompanha desde 1982. Utilizei alguns pedais de efeito como compressor, overdrive e delay para encorpar o som e aumentar a duração das notas.
“Se tratando de uma dublagem, a sincronia entre o áudio e a imagem deveria ser, no mínimo, muito boa.”
Usei muito o “bend” palavra inglesa, cujo significado “entortar” ou “curvar”, é o que acontece musicalmente quando o dedo levanta ou abaixa a corda fazendo com que a nota tocada suba para a nota subsequente ou até mais. Esse efeito é muito característico da guitarra, não são todos os instrumentos que podem faze-lo confirmando assim a ideia básica, apresentar ao público o instrumento e muitas das suas possibilidades.
No caso do bandolim, fizemos a citação de dois choros famosos: “Noites Cariocas” de Jacob Bittencourt, o Jacob do Bandolim e “Brasileirinho” de Waldir Azevedo, pelo fato do bandolim estar diretamente ligado ao choro.
Com o violoncelo misturamos as frases do tema com escalas ascendentes e descendentes, fazendo contrapontos que pudessem remeter ao naipe de violoncelos de uma orquestra. Até a dança das passarinhas lembra um ballet clássico.
Finalmente o violão, que nesse caso, tendeu mais para um estilo country/rural, usando a palheta tanto para as frases como para o acompanhamento (harmonia). Usei um violão Yamaha com cordas de aço.
Uma vez gravado o áudio, o próximo passo era a gravação do vídeo. Isso foi feito nos estúdios da TV Cultura.
Em um dia – manhã e tarde – gravamos os quatro episódios: guitarra, cello, violão e bandolim. Difícil lembrar em que ordem foram gravados, mas, em todos, a primeira coisa a fazer, antes de começar o ensaio para a filmagem, era relembrar tudo que havia sido gravado em áudio antes, pois se tratando de uma dublagem, a sincronia entre o áudio e a imagem deveria ser, no mínimo, muito boa.
E ainda tinha a coreografia das passarinhas interagindo com o passarinho músico. E o peso do figurino.
Mas o mais divertido foi o pedido da maquiadora para não tirar o bico do passarinho entre as sessões da manhã e da tarde pois poderia machucar a pele e dificultar seu trabalho. E lá fui eu almoçar no restaurante da TV com o bico grudado. Um pequeno mico, mas engraçado. Todos rindo daquele ser estranho, meio homem, meio pássaro comendo seu alpiste diário no refeitório da TV Cultura.
E até hoje, quando alguém descobre que eu fui um “Passarinho Rá-Tim-Bum”, as pessoas fazem um alvoroço, se emocionam e me falam como gostavam desse momento musical dentro do programa.
Muitos pensam que só havia um ator interpretando o passarinho e eu explico que isso seria bem difícil, pois, se assim fosse, esse ator deveria saber tocar um pouco de cada instrumento apresentado. Haja talento!!!
E pra finalizar, qual não foi minha surpresa ao consultar minha participação nos vídeos do Castelo Rá-Tim-Bum para escrever esse texto e descobrir no YouTube mais de um vídeo/aula ensinando como tocar a guitarra que eu gravei lá atras em 92 ou 93 para o quadro dos Passarinhos do Castelo Rá-Tim-Bum.
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.