Kaja’a – Jara da Água

18/10/2024

Compartilhe:

Com referências do muralismo latino-americano e valorização das etnias indígenas, a artista indígena Juliana Gomes – Jaguatirika – e a artista araraquarense Mahara unem-se para a criação de uma intervenção visual poética que traz reflexões sobre preservação ambiental e mudanças climáticas. Na obra “Kaja’a – Jara da Água”, elas apresentam o elemento água a partir da cosmologia Guarani e Kaiowá. 

A arte carrega a reprodução de fauna e flora locais, e a representação de Kaja’a – Jara da Água na forma de trickster humana-peixe. Agachada na margem, com feição contemplativa, sua mão percorre a correnteza e dela partem os elementos da água, peixes e animais.

Para os Guarani Kaiowá/Paĩ-Tavyterã, os Jara são os guardiões de elementos específicos daquilo que os não-indígenas chamam de natureza. No entanto, para essa etnia e muitas outras, esse conceito vai muito além de uma mera definição de “natural”. Os Jara são responsáveis por manter uma relação de troca recíproca entre os seres humanos e o ambiente, conforme entendido pela perspectiva indígena.


Kaja’a é a entidade guardiã da água na cosmologia Guarani e Kaiowá/Paĩ-Tavyterã, como relatado pelo antropólogo Levi Marques Pereira:
“Os xamãs explicam a importância de recitar as preces corretas para se comunicar com o ‘dono’, guardião ou protetor da floresta – ka’aguy jara -, dos animais caçados pelos humanos – so’o jara – e da água – kaja’a. Na concepção kaiowá, o universo está dividido em vários domínios, cada um com seu jara específico. Ao recitar suas preces, o xamã apazigua a propensão à agressividade inerente a esses seres chamados genericamente de jara, pois são zelosos dos espaços e seres sob sua guarda, inclinados a agredir os humanos, os predadores por excelência de suas criaturas. Um xamã da reserva de Dourados expressa claramente esse princípio: ¿quando o rezador chega (à presença desses ¿guardiões’), ele já se comunica corretamente, pede licença, ele é bravo, mas fica calmo, então não há mais perigo, eles já se entendem’.”

(PEREIRA, 2016, p.53/p.54).


Pode-se observar uma distinção na relação entre a sociedade capitalista e a água entre essa etnia e outras. Nas sociedades indígenas, a ideologia da reciprocidade e da humanização dos elementos da “natureza” está presente, levando à noção de que os animais, plantas, pedras, água, entre outros, possuem alma, estabelecendo uma relação de não-predação, de reciprocidade e equilíbrio com esses elementos e seres. Para os ocidentais, esses elementos se convertem em meras mercadorias. Mesmo a água, essencial à todas as formas de vida, pode ser precificada, engarrafada, poluída e usada indiscriminadamente na produção de commodities, sendo também contaminada com agrotóxicos e metais pesados, tornando-se destino final de grande parte dos resíduos da sociedade capitalista. Assim, mesmo em um país com abundância de água, muitos povos indígenas e populações da classe trabalhadora vivem sem acesso à água potável e saneamento básico.

Resgatar o entendimento e a relação dos povos indígenas com o mundo é uma forma de repensar a sociedade e a interação dos humanos entre si e com o ambiente natural, transcendendo as limitações da sociedade capitalista.

Mahara é ilustradora, pintora, tatuadora e muralista. Nativa de Araraquara-SP, graduada em Ciências Sociais na UNESP-FCLAr, busca relacionar em sua arte elementos da interação entre natureza e cultura, não apenas com caráter contemplativo, mas crítico. Aborda na arte problemáticas sociais e movimentos de transformação social do Brasil e América do Sul.

Juliana Gomes é palestrante e artista visual autodidata. Graduanda em história na Universidade Federal Fluminense, co-fundadora e integrante do Coletivo dos Estudantes Indígenas da UFF, além de coordenadora da pasta de questões indígenas do DCE Fernando Santa Cruz. Assina seus trabalhos como Jaguatirika, apelido pelo qual seu avô a chamava.
Começou seu trabalho de ilustradora com livros indígenas independentes produzidos para a arrecadação para aldeias em vulnerabilidade por conta da pandemia. Nascida no interior de Goiás, mora atualmente em Niterói, no estado do Rio de Janeiro e já teve trabalhos expostos em festivais, mostras e museus nacionais e também no Carrousel Du Louvre (Paris), além de realizar trabalhos de identidade visual, ilustração e animação.

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.