Erika Berenguer e a dinâmica do fogo na Amazônia 

01/11/2024

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*Por Paulina Chamorro

Há 15 anos, Erika Berenguer chegou à Amazônia e não saiu mais. E nem a Amazônia saiu dela. Trata-se de uma conexão que na verdade começou em seus primeiros anos de vida, com a ajuda de alguns livros que pertenciam aos seus pais e que relatavam as famosas expedições de Jacques Cousteau pela Amazônia. A pesquisadora das Universidade de Oxford e Lancaster, no Reino Unido, trabalha analisando os impactos antrópicos e o efeito das mudanças climáticas na Floresta Amazônica. “Para trabalhar na Amazônia, minha fonte de inspiração, minha referência é a própria floresta que, para mim, tem energia feminina”, ela diz. 

Entre agosto e setembro de 2024, mais da metade do território brasileiro foi tomado por fumaça. Os biomas Pantanal e Cerrado estão em chamas. E principalmente a Amazônia. É na maior floresta tropical do planeta que trabalha a cientista climática Erika Berenguer, que atua para entender a dinâmica do fogo. Foi na Floresta Nacional do Tapajós (FLONA Tapajós), no Pará, que encontramos a pesquisadora, entre áreas recém-queimadas, com o chão cheio de cinzas, às margens da resistente FLONA.  

Erika está doente de tanto inalar fuligem e fumaça durante dias seguidos.  

Seu trabalho de pesquisa estuda a dinâmica do fogo em áreas onde antes era floresta. Ela analisa como funciona a recuperação e também as influências climáticas. Acompanhamos o censo de mortalidade de árvores, em um lugar que lembra um campo pós-guerra, onde se vê quem perdeu: a própria floresta. 

Imagem colorida e retangular de uma mulher com cabelos presos, segurando uma prancheta vermelha e uma folha e com a mão tapando a boca. Ela está em meio à floresta repleta de folhas secas.

“Estamos sendo envenenados pela morte da Amazônia”

Assim, Erika resume a situação depois de uma contagem de árvores que não estão mais no local. 

Foto: João Marco Rosa

Há 15 anos, Dra. Erika Berenguer entrou na Amazônia e não saiu mais. E nem a Amazônia saiu dela. Trata-se de uma conexão que na verdade começou em seus primeiros anos de vida, com a ajuda de alguns livros que pertenciam aos seus pais. 

“Era algo antigo, mas então a Amazônia ocupava esse espaço no meu imaginário, de um lugar quase mítico, mágico. Mas ao mesmo tempo não era algo que víamos nos livros, era de verdade! Eu não conseguia compreender e até hoje não compreendo que é real. Não é ficção. E isso me gerou um encantamento e a vontade de ir lá, ver, conhecer, entender e amar de outras formas. Não amar por ser mítico, mas amar por eu estar tão próxima”, diz. 

O primeiro trabalho em campo na região amazônica foi somente em 2008, quando tinha terminado a graduação e se ofereceu para ajudar em campo outro pesquisador, que prontamente aceitou. Era em Mato Grosso, em uma área fragmentada que apelidaram de “Falsa Floresta”.  

#PraCegoVer Imagem retangular e colorida de uma floresta vista de cima com grande parte da vegetação queimada.
Foto: João Marco Rosa

“E foi assim que vim parar aqui. Foi um choque! Era uma região altamente fragmentada, uma fronteira do agronegócio. Mas foi aí que comecei a aprender muito não só sobre a floresta, mas sobre o Brasil, sobre meu povo, sobre o processo de colonização desta região que é 60% do país e que a gente nem entende como se deu”, ela conta. 

O fogo entrou na vida de Erika depois do doutorado. Mesmo após ter trabalhado em áreas já degradadas, foi em 2015, ao integrar a Rede Amazônia Sustentável – RAS, que ela viu o fogo em ação. “Eu estava trabalhando, desenvolvendo minhas análises, quando o fogo entrou nas minhas áreas de pesquisa e foi matando tudo. O que sobrou depois foi a floresta arrasada e uma sensação de impotência muito grande. E aquilo me deu um desespero de dizer: ‘isso aqui é uma coisa muito importante e a gente precisa ter mecanismos para prevenir esses incêndios florestais, para que não aconteça o que estou vendo. Isso não pode acontecer com a maior floresta tropical do planeta’”, diz. 

Fazer “ciência que não seja ingênua” parece ser a determinação da pesquisadora. Erika reforça que a realidade amazônica precisa ser encarada para se enxergar o futuro da maior floresta tropical do mundo.  

Duas pessoas com balaclavas, óculos e bonés olham para um equipamento. Ambos estão em meio à floresta e cercados por fumaça.
Belterra_PA, 22 de outubro de 2023 – Foto: JOAO MARCOS ROSA/NITRO

Hoje a dinâmica da Floresta Amazônica mudou profundamente, segundo a pesquisadora. O que antes raramente pegava fogo dentro da floresta verde, nos últimos cinco anos tem queimado, como estamos vendo acontecer. “A Amazônia, em algumas regiões, virou uma caixinha de fósforo”, a pesquisadora comenta. 

Historicamente, a Amazônia é úmida demais para pegar fogo. Porém, agora há problemas agindo conjuntamente. Primeiro, mudanças climáticas. Dos anos 1970 até agora, a Amazônia já aqueceu 1,5º C. O segundo problema, relata a pesquisadora, é o El Niño que, com o aquecimento das águas do Pacífico, afeta a Amazônia, deixando a floresta com menos chuva. Por último, a região é uma área que já teve extração de madeira, o que causa uma série de clareiras, abertas após as madeiras de valor terem sido retiradas. E isso muda o microclima da floresta. Ou seja, a temperatura e a umidade em certas partes estão diferentes. “Temperatura mais alta, umidade mais baixa e tudo isso se junta, colocando a floresta em risco”, explica Erika Berenguer. 

Apesar de ter uma rotina incessante e quente, cheia de campos destruídos ocupando o espaço onde antes era floresta, a pesquisadora também encontra esperança, ao visitar áreas ainda conservadas, como o coração da Floresta Nacional do Tapajós, totalmente cercada de áreas desmatadas pela monocultura. E é do alto de uma torre de pesquisa, no meio da FLONA, que Erika resgata a força e o propósito que a motivaram a se dedicar mais de uma década a conhecer a Amazônia, para poder conservá-la. 

“Percebi que estava em luto, mas não sabia que podia estar em luto pela floresta. Por um bioma. Não conseguia entender isso. E este ano tenho sentido isso de novo. Eu fico oscilando entre mau humor, tristeza e raiva, mas nunca desistência. Porque no momento que eu desistir, várias pessoas vão continuar, mas não é gente suficiente para conseguir lidar com o tamanho do problema”. 

Erika Berenguer

“Me dá alegria, paz e reconexão com meu trabalho e minha pessoa estar aqui. Daqui vemos várias espécies diferentes de árvores, pássaros diferentes, sons. Aqui é a Amazônia superlativa, tudo ao mesmo tempo, aqui e agora. Para trabalhar na Amazônia, minha fonte de inspiração, minha referência é a própria floresta que, para mim, tem energia feminina”, diz. 

Ao final da conversa, observando um grupo de aves voando pelas copas que ainda resistem e o sol se pondo ao longe, por alguns momentos nos esquecemos que a terra arde. 

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