Silvio Essinger apresenta Grandes Sucessos de Rita Lee e Roberto
Silvio Essinger é jornalista, roteirista e pesquisador musical. Já publicou os livros “Punk: Anarquia Planetária e a Cena Brasileira” (1999), “Batidão — Uma História do Funk” (2005) e “O Baú do Raul Revirado” (2008). Atualmente é crítico musical do Jornal O Globo.
Em 10 de janeiro de 1989, a banda americana de thrash metal Metallica, até então avessa a videoclipes, lançou na MTV a sua estreia naquela mídia: um devastador filmete em preto e branco sonorizado pela música One, um épico antimilitarista do álbum …And Justice for All, do ano anterior. Gente que jamais tinha ouvido o Metallica parou para ouvir, e assim um dos mais bem guardados segredos da garotada deslocada naquele mundo Dirty Dancing finalmente veio a público. O garoto não sabia, mas tudo mudaria ainda mais — e mais rápido — do que ele imaginava. Até que os americanos lançassem seu álbum seguinte, Metallica (de 1991, também conhecido como Álbum Preto), e arruinassem o ícone do metal que existia em sua cabeça, ele teria que passar pelo doloroso processo de virar um adulto emocional. E quem viria para salvar a sua alma? Rita Lee.
Dezoito anos de idade, sem renda, sem namorada, sem parentes importantes e recém-atirado em uma universidade que logo frustrou suas expectativas — não sobrava muito para fazer naquele começo de 1989 que não esfalfar os miolos nos livros para não perder a bolsa de estudos e, nas horas vagas, se jogar nos discos. Os LPs do metal criavam barreiras sólidas que o mantinham isolado em suas próprias ideias — e a mais genial delas era a de que, mais dia menos dia, alguma garota sensível seria instigada a romper aquela casca grossa e descobrir toda a ternura no coração do universitário com as camisetas pretas e cabelos fora de controle, coisa que só poderia acontecer em filmes de high school californiana que ainda não tinham sido rodados. E que efetivamente não aconteceu em 1989 na vida daquele rapaz latino-americano.
Mas era possível comprar discos, o que era um evento sempre agradável que, naquela época, dependia de uma combinação de curiosidade, desejo, disponibilidade financeira e a sorte em encontrar pechinchas. Numa dessas, aquela coletânea de Rita Lee com capa bonita que surgiu numa prateleira das Lojas Americanas pareceu uma boa opção. Ela foi um dos primeiros amores do menino, e não porque fosse rock — mas justamente porque era muito pop. Suas ambições como músico (ou quase isso, como baixista de uma banda de rock que ele idealizava eclética no sentido da Faith No More) autorizavam a compra do disco da Rita. Havia ali — pensava ele — boas linhas de baixo para aprender a tocar. Só que o garoto não se aventuraria em nenhuma delas.
O LP abria com Ovelha Negra, uma canção folk do começo da carreira solo de Rita, época em que ela fazia de tudo para provar que não era só a menina no meio dos Mutantes. Naquele ano de 1989, década e tanto depois de ter sido lançada, a música — que ele não conhecia — fez mais estragos na vida do garoto do que qualquer coisa do Metallica. Ele se via perfeitamente ali, naquela letra em que a moça confessava ao pai ser uma desencaixada na vida. E entorpecia-se nas harmonias e no arranjo da canção, que traziam uma espécie de conforto na melancolia de universotário, como que uma nesga safada de sol após a tempestade. O seu mundo íntimo não precisa ser tão brutal para ganhar força, parecia aconselhar a ele Ovelha Negra. Rita, ela mesma, talvez dissesse: “Deixa de ser bobo, menino!”
Junto com uma coletânea de Jorge Ben da mesma série (mas esse é outro capítulo), aquele disco de Rita Lee virou o trunfo do garoto nas festinhas de 1989, com um punhado de canções que serviam para tudo, tudo mesmo. Eram rock, eram dançantes, eram românticas, eram engraçadas e o ajudavam a comunicar aquilo que ele jamais conseguiria dizer sozinho. “Solos de guitarra não vão me conquistar”, cantava uma das mais queridas discípulas de Rita, a Paula Toller do Kid Abelha. O Metallica Boy deveria ter prestado atenção, bem antes, nesta pérola de sabedoria que o LP de Rita Lee dos seus 18 anos só fez confirmar.
Observação: Se bem que, cá para nós, aquele solo de guitarra do Luiz Carlini em Ovelha Negra tem um borogodó capaz de seduzir até freiras, padres e alienígenas.
A1 Ovelha Negra 4:40
A2 Esse tal de Roque Enrow 3:53
A3 Jardins da Babilônia 3:07
A4 Chega Mais 3:30
A5 Doce Vampiro 3:34
A6 Mania de Você 3:50
A7 Flagra 3:50
B1 Lança Perfume 5:11
B2 Baila Comigo 4:37
B3 Saúde 4:19
B4 Cor de Rosa Choque 2:31
B5 Banho de Espuma 3:13
B6 Desculpe o Auê 2:45
B7 On the Rocks 2:48
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