Num país ONDE 35% das infecções e intoxicações alimentares OCORREM eM casa, dar atenção à segurança do que se come é essencial à integridade da saúde
Leia a edição de abril/23 da Revista E na íntegra
Por Luna D’Alama
Você sabia que um alimento aparentemente em perfeitas condições pode conter microrganismos capazes de adoecer e até matar? Especialistas estimam que 90% dos surtos de gastroenterite no país, por exemplo, ocorram pelo consumo de água e alimentos contaminados por microrganismos patógenos (bactérias, vírus e fungos) e que não são perceptíveis a olho nu, ou seja, não deterioram visivelmente o alimento.
Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, uma em cada dez pessoas no mundo é intoxicada, todos os anos, após consumir água ou alimentos contaminados. Os casos incluem sintomas como diarreia, vômito, febre, desidratação e outras complicações mais severas. E o mais grave: 420 mil pessoas morrem anualmente em decorrência da ingestão de produtos nocivos para o consumo, principalmente crianças menores de 5 anos.
Dados da última década levantados pela Vigilância Epidemiológica de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA), ligada ao Ministério da Saúde, apontam que, no Brasil, 35% dessas enfermidades partem das residências – e poderiam ser prevenidas. “A gente não costuma pensar que adoeceu porque comeu ou bebeu algo impróprio dentro de casa. Geralmente acha que foi algo diferente, consumido em um restaurante, bar ou padaria. Além disso, é preciso entender a água como um alimento, pois, quando não potável nem tratada, ela se torna uma das principais fontes de contaminação”, explica Elke Stedefeldt, nutricionista e professora doutora de Segurança dos Alimentos na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Segundo a profissional, também há uma diferença semântica entre segurança alimentar e a segurança dos alimentos. O primeiro termo vem do inglês food security e está relacionado ao direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente para suprir as demandas nutricionais individuais, de forma que a pessoa não passe fome. Já a expressão “segurança dos alimentos” (do inglês food safety) se refere a uma série de medidas adotadas para garantir a qualidade dos alimentos e evitar danos à saúde. “Esses princípios gerais de higiene estão contidos no Codex Alimentarius, uma coletânea de padrões, condutas e recomendações internacionais estabelecida na década de 1960 pela OMS, em conjunto com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)”, destaca a especialista.
Falar em segurança dos alimentos, portanto, é de suma importância para evitar doenças transmitidas por água e alimentos no ambiente doméstico. E isso se torna possível com a adoção de medidas simples na rotina diária, antes, durante e depois do preparo: entre elas, lavar e manter as mãos sempre limpas, trocar as esponjas de louça toda semana – ou quando estiverem danificadas [veja mais dicas no boxe Cozinha limpa, comida segura] e seguir o prazo de validade dos alimentos. “Os microrganismos adoram temperatura ambiente, alimentos e água, por isso a cozinha é o lugar ideal para eles”, alerta a nutricionista Ana Carolina Rovai, da Gerência de Alimentação e Segurança Alimentar (Geasa) do Sesc São Paulo. Ela aponta que, além de limpar e higienizar bem os alimentos, é preciso estender essa preocupação aos utensílios domésticos e ao espaço físico. “Consideramos limpeza quando se remove apenas a sujeira visível, a terra e eventuais insetos. Já a higienização inclui a desinfecção por produto químico (como cloro ou álcool) ou por temperatura (cocção, água fervente ou micro-ondas). Isso é o que, de fato, mata bactérias, fungos e vírus”, diferencia a nutricionista.
TEMPO E TEMPERATURA
Entre os principais critérios usados para a segurança dos alimentos está o controle da temperatura e do tempo de exposição da comida. “O patamar de temperatura considerado seguro, do ponto de vista microbiológico, é abaixo dos 5° C e acima dos 60° C, ou seja, quando o alimento está na geladeira (ou congelado) ou sob o calor do fogão/forno. No intervalo entre 5° C e 60° C é que ocorrem os problemas. É por isso que a comida de delivery precisa chegar rapidamente: não só para vir ainda quente, mas segura”, esclarece o biomédico microbiologista Eneo Alves Silva Jr., doutor na área pela Universidade de São Paulo (USP).
Em relação ao tempo de exposição, o ideal é que um alimento, ao ser servido à mesa, não fique em temperatura ambiente por mais de uma hora. “A legislação estabelece padrões, mas são as boas práticas e os sistemas de controle que que os mantêm – que podem ser aplicados não só na indústria, mas também em casa. Isso envolve a escolha e a manipulação dos alimentos, a higiene das mãos, das superfícies e das frutas/vegetais, o cozimento a pelo menos 75° C e o armazenamento adequado. Essas medidas podem prevenir desde diarreias causadas por bactérias [como Escherichia coli e Staphylococcus aureus] até doenças mais graves, a exemplo de hepatite A, botulismo, cólera, salmonelose e febre tifoide”, cita Silva Jr.
Na visão do especialista, é importante conscientizar-se de que, assim como escovar os dentes e tomar banho, essas práticas precisam ser diárias – mesmo com a rotina corrida –, e lembra que a responsabilidade é inteiramente nossa. “A todo momento, há bactérias emergentes, vivenciamos novos surtos. Por isso, não podemos relaxar nunca no controle e nos cuidados básicos”, reforça o microbiologista.
5 CHAVES DA OMS
Para auxiliar profissionais de saúde e demais cidadãos a se alimentarem com mais qualidade e segurança, a OMS publicou, em 2006, o manual Cinco Chaves para uma Alimentação Mais Segura. São elas: manter a limpeza, separar alimentos crus dos cozidos (inclusive dentro da geladeira, para evitar contaminações cruzadas), cozinhar bem os alimentos, mantê-los em temperaturas adequadas e usar água e matérias-primas seguras. “Apesar de gostosos, ovos molinhos e carnes malpassadas oferecem maior risco do que quando bem cozidos”, compara a nutricionista Ana Carolina Rovai.
De acordo com Ana Carolina, as famílias (principalmente as pequenas ou pessoas que moram sozinhas) devem fazer um planejamento de compra e preparo, calculando o quanto cozinhar e para quanto tempo. “Isso evita o desperdício e que as comidas estraguem. É recomendado porcionar o conteúdo das panelas em potes e congelar o que não for consumir logo. Mas nem tudo fica bom congelado, como folhas [alface, rúcula e agrião] e batata”, avalia a nutricionista. É importante, ainda, que a graduação da temperatura da geladeira acompanhe o volume guardado dentro dela: quanto mais cheia, mais fria. “Não há comprovação científica de que ocorra economia de energia com a geladeira no mínimo”, completa a nutricionista Elke Stedefeldt.
O que se sabe, com certeza, é que as DTHA são um problema sério de saúde pública, lotam emergências e hospitais e, muitas vezes, são subnotificadas ou nem chegam a entrar nos registros oficiais. “No fim, tudo se transforma em virose. O Brasil é um dos países com critérios sanitários mais exigentes do mundo, mas as regras precisam ser cumpridas e fiscalizadas. Por isso, esse assunto é fundamental, inclusive porque boa parte dos casos – que poderiam ser evitados – tem origem doméstica”, reforça a nutricionista do Sesc São Paulo.
Especialistas dão dicas do que fazer em casa antes, durante e depois do preparo dos alimentos
ANTES
DURANTE
DEPOIS
Comedorias do Sesc São Paulo priorizam qualidade e segurança dos alimentos com processos desde a escolha de fornecedores até o pós-consumo
Quem almoça ou toma um café nas unidades do Sesc São Paulo talvez não faça ideia do que acontece nos bastidores para que os alimentos e a água servidos ao público tenham qualidade e sejam seguros, tanto do ponto de vista nutricional, quanto microbiológico. Há uma preocupação constante que se traduz em práticas e procedimentos rigorosos para que as Comedorias (restaurantes, cafeterias e outros espaços de alimentação) sirvam sempre os melhores produtos aos frequentadores.
Esse processo começa desde a escolha dos fornecedores, passa pelo recebimento dos alimentos, pelo armazenamento, pela arquitetura dos espaços (planejados de forma a evitar contaminações entre itens crus e cozidos ou limpos e sujos, por exemplo), pelas áreas de produção (com a definição dos cardápios e elaboração dos pratos), e chega à distribuição para o cliente nos restaurantes e cafeterias. Esse cuidado termina no pós-consumo, com a limpeza e desinfecção dos locais e itens utilizados.
“Também fazemos um controle microbiológico, coletando todos os dias amostras de alimentos e enviando-as, periodicamente, para análise laboratorial, com o objetivo de avaliar e melhorar nossos processos internos. A água fornecida também passa por uma análise mensal, e as caixas d’água são higienizadas a cada seis meses”, conta a nutricionista Ana Carolina Rovai, da Gerência de Alimentação e Segurança Alimentar do Sesc São Paulo (Geasa). A especialista informa, ainda, que o programa de alimentação da rede se sustenta no tripé de comida saudável, brasileira e contemporânea.
Segundo Márcia Aparecida Bonetti Agostinho Sumares, gerente da Geasa, todas as unidades da instituição adotam, em sua rotina, técnicas e processos criteriosos para promover a segurança dos alimentos servidos nas Comedorias. “Do planejamento dos espaços à higienização dos utensílios, tudo é realizado com base em legislações e protocolos, de forma a garantir que o que é servido não ofereça riscos à saúde. Contamos com profissionais nutricionistas e suas respectivas equipes para assegurar que os alimentos estejam sempre atraentes, saborosos e seguros”, destaca.
PARA VER NO SESC
Sesc.Digital
Websérie Sem Título – Conversas no Acervo Sesc de Arte
No episódio Alimento, o músico e apresentador João Gordo e a chef de cozinha Irina Cordeiro lançam seus olhares sobre obras de arte para discutir o tema da alimentação.
Guia alimentar para a população brasileira
Princípios e recomendações para uma alimentação saudável e consciente.
Receitas com aproveitamento integral de alimentos
Passo a passo com preparos conduzidos por culinaristas e cozinheiras de instituições sociais atendidas pelo Programa Mesa Brasil do Sesc São Paulo.
SescTV
Programa Contraplano
No episódio Comida em Cena, o filósofo Celso Favaretto e o poeta Geraldo Carneiro analisam a poética por trás dos alimentos retratada nos filmes Como Água para Chocolate (1992) e Estômago (2007) entre outros.
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