A importância documental e artística de Wagner Celestino para a história da fotografia e a preservação da cultura afro-brasileira
POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
FOTOS WAGNER CELESTINO
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Paulistano da zona leste, Wagner Celestino nasceu em 1952, e aos sete anos de idade, no auge do Carnaval da Vila Esperança, um dos festejos de rua mais populares da região, encantou-se pelos desfiles da Nenê de Vila Matilde. A partir daquele momento, seu olhar voltou-se para os desfiles de escolas de samba da cidade, como Vai-Vai, Camisa Verde e Branco, Mocidade Alegre, Rosas de Ouro, Peruche e outras agremiações. Da Ala das Baianas à Velha Guarda, o pequeno folião aprimorou um talento: registrar em fotografia e ser o guardião de imagens que aprenderia a captar para preservar a história de protagonistas e manifestações da cultura popular afro-brasileira.
Fotógrafo autodidata, Celestino desenvolveu aptidões necessárias para a revelação e ampliação de imagens, mas, principalmente, para a descoberta sobre a sua própria linguagem estética. Ao fazer um estágio no Museu Lasar Segall, na segunda metade da década de 1970, ele teve a oportunidade de usar o laboratório do espaço, o que lhe deu confiança e autonomia para se lançar no ofício. Aliás, também foi nesse ambiente que as obras expressionistas de Lasar Segall (1889-1957), artista lituano radicado no Brasil, inspiraram o olhar de Celestino, assim como a fotografia do brasileiro Walter Firmo e do estadunidense Gordon Parks (1912-2006). Somam-se, ainda, o fotojornalismo do Jornal da Tarde e da Revista Realidade. De lá para cá, a câmera analógica de Celestino vem focando diferentes manifestações culturais afro-brasileiras em comunidades da capital e do interior de São Paulo.
Na exposição Constelação Celestina – primeira exibição solo do artista –, que marca o início das atividades do Sesc 14 Bis [Leia mais em Estrelas urbanas], o público poderá apreciar alguns registros da trajetória desse artista notável por transitar entre o artístico e o documentário investigativo. Com curadoria de Claudinei Roberto, a exposição reúne obras que percorrem décadas de atuação de Celestino, propondo um passeio por grandes projetos organizados pelo fotógrafo. Um desses exemplos é o conjunto de imagens feitas no final da década de 1980 sobre a vida nos cortiços da cidade, resultando no livro Os Cortiços – A realidade que ninguém vê, com prefácio de dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016). “Nessa ocasião, Celestino fez uma série de fotos do que eu chamo de ‘madonas negras’. São mães e seus filhos, que ele fez com uma sensibilidade muito aflorada e conseguiu trazer à tona a dignidade e a inteireza dessas famílias. Isso porque ele conhece a realidade que fotografa, ele participa dela, é um membro da comunidade que fotografa, por isso a gente percebe essa densidade política nessas fotos”, analisa Roberto.
Nas palavras do próprio fotógrafo, “atrás do visor da câmera existe uma pessoa com sua formação intelectual própria, com seus conhecimentos e posicionamentos ideológicos e culturais, consequentemente, estes ideais se refletem no fazer e ações fotográficas”. Ao que Celestino complementa: “espero que o meu trabalho fotográfico possa contribuir concreta e positivamente nesta luta constante contra o racismo e para ressaltar a relevância da nossa cultura popular afro-brasileira”.
Exposição Constelação Celestina marca início das atividades do Sesc 14 Bis, reunindo imagens de moradores do Bixiga e da Velha Guarda do samba paulistano
A partir deste mês, a exposição Constelação Celestina recebe o público no início das atividades do Sesc 14 Bis, nova unidade do Sesc São Paulo, situada na Bela Vista, região central da cidade. A mostra reúne um acervo de 29 fotografias produzidas pelo veterano Wagner Celestino desde a década de 1980, além de novas imagens que ele captou recentemente, registrando moradores e espaços culturais do Bixiga, bem como da Velha Guarda do samba.
Sob curadoria de Claudinei Roberto, a mostra não pretende fazer uma retrospectiva, mas, sim, jogar luz ao trabalho de Wagner Celestino. Para isso, ela se divide em dois núcleos. “Um deles é dedicado à memória dos patriarcas e matriarcas da Velha Guarda do samba de São Paulo” [projeto realizado em 2003]. Já o segundo núcleo, descreve o curador, “dedica-se à salvaguarda da memória de tradições e festejos que acontecem pelo interior de São Paulo, a exemplo da Festa de São Benedito e de outros festejos onde a presença negra tenha se estabelecido, e que são, em certo sentido, resultado de uma organização que surge a partir de fraternidades e irmandades”, explica Claudinei.
Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo, acredita que a exposição de Wagner Celestino “recorre a uma obra que, ao se voltar a personagens, melodias, cadências e enredos vinculados à negritude, permite o vislumbre da dignidade particular ao cruzamento de olhares, entre fotógrafo e pessoas retratadas, que perfaz a carreira do artista”. Tendo em vista o caráter educativo do Sesc, complementa Miranda, “incitar e desdobrar reflexões acerca dos vínculos entre o passado e o presente – sobretudo por meio das artes – trata-se de compromisso basilar de sua ação institucional, além de reconhecer as riquezas de nosso território, seus relevos, fluxos, rostos e timbres”.
14 BIS
Constelação Celestina
Exposição fotográfica de Wagner Celestino, com curadoria de Claudinei Roberto
De 6 de outubro de 2023 a 7 de abril de 2024. Terça a sábado, das 10h30 às 20h30. Domingos e feriados, das 10h30 às 18h30. GRÁTIS.
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