A presença feminina nos festivais brasileiros de 2019

17/07/2020

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Thabata Arruda é pesquisadora musical e criadora de conteúdo. Acumula 16 anos na música. Inicialmente como coralista e mais tarde transitando para as áreas de produção cultural, executiva e pesquisa. Há dois anos dedica-se à curadoria e pesquisa com foco em mercado, comportamento, hábito e identidade musical. Já falou sobre esses temas no Memorial da Penha (SP) e em eventos como Música Mundo (BH), Mostra Integradas de Artes (Poços de Caldas), SP Tech Week (SP), FEBRE (Sorocaba) e FIMS (Curitiba). Sua última investigação sobre representatividade feminina em festivais de música foi publicada pela Zumbido (Selo Sesc). Atualmente, cria conteúdo e estratégias para as redes sociais do canal Foras de Série e escreve sobre entretenimento no blog da Moving Girls, maior comunidade sobre empreendedorismo feminino do país.

Em 2019, realizei um primeiro diagnóstico para dar luz aos números da baixa representatividade feminina nos palcos de festivais brasileiros. Através deste primeiro levantamento, foi possível identificar em que lugar estamos e para onde mirar. Um ano depois, os números mudaram e materializam ainda mais a urgência para que mudanças aconteçam.

Nesta atualização adotei a mesma metodologia da publicação anterior e o foco ficou nas edições que aconteceram em 2019, quando não sabíamos que os festivais e suas dinâmicas mudariam para sempre. Portanto, cabe olhar para esta pesquisa e refletir o significam estes dados e, principalmente, que eles são um recorte de toda uma indústria desigual.

O Coco de Umbigada se apresentou no Abril Pro Rock. O festival pernambucano reúne as principais bandas brasileiras e internacionais | Foto: Pei Fon/ Rock Meeting

Crescimento tímido

Para esta versão, mantive os festivais analisados anteriormente, exceto o Festival de Verão de Salvador, Cena Cerrado e o Vento Festival, que não tiveram edições em 2019. Foram 844 atrações presentes nas programações de 24 festivais.

Identifiquei o número de mulheres e homens, que estavam nas programações oficiais, individualmente e dentro de seus projetos musicais. Separei os dados dentro das categorias: mista – projetos musicais compostos por no mínimo uma integrante mulher, mulheres – número de artistas solistas e bandas compostas somente por mulheres e homens – número de artistas solistas e bandas compostas somente por homens.

Colhi também os dados referentes a presença da mulher negra dentro da programação destes mesmos festivais.

Em 2018, a taxa de participação feminina nestes festivais foi de 20% e ano passado este número foi para 23,5%, representando um crescimento de 3,5% de artistas solistas. Contudo, as bandas majoritariamente femininas representam apenas 3,2% desses line ups.

Entre os cinco festivais com menos mulheres solistas em 2018, o Abril Pro Rock teve o crescimento mais significativo. Sua programação em 2019 saiu de 0% e foi para 20,8% de mulheres solistas. O aumento é fruto de uma edição dedicada ao empoderamento feminino. Para celebrar, a organização dedicou um dia somente aos 20,8% de artistas mulheres. Além disso, uma edição comemorativa de uma cachaça foi criada para o evento, levando em sua embalagem uma ilustração para elevar o poder das mulheres, que não estavam no palco nos outros dias do festival.

Goiania Noise também saiu dos 0% e foi para 4,1%, diferente do Porão do Rock, que de 2% caiu para 0% de mulheres solistas em sua programação. Vaca Amarela também teve uma queda, de 6% foi para 5,4%.

João Rock aparece no ranking com 4%. Esta porcentagem foi alcançada devido à presença da cantora e compositora Pitty. Mais uma vez, a artista foi a única mulher em toda a programação do evento.

Olhando para o outro lado, é possível notar os esforços de alguns festivais na busca pela diversidade em seus palcos. O Festival BR 135, em São Luiz (MA), foi o único a atingir o 50/50 em sua programação. Além disso, diferente de curadorias que atingem porcentagens interessantes, mas não destacam as mulheres, o BR 135, trouxe Xênia França e Céu como headliners do evento.

Outro crescimento que vale ressaltar é do Coala Festival. Em 2018, o festival não passou dos 30% de representatividade feminina, mas ano passado este número saltou para 47,1%.

Guitarrada das Manas no Festival BR 135, o único a atingir o 50/50 em sua programação | Foto: Antonio Wagner Fotografia

O tradicional Festival de Inverno de Garanhuns e o Se Rasgum, não chegaram aos 40% de representatividade feminina. Porém, a diversidade de gênero, racial e etária, foram pontos fortes em suas programações.

O crescimento merece celebração, mas está muito longe do ideal. Quando estas 844 atrações são analisadas individualmente, outras desigualdades são reveladas. Ano passado, a proporção de presença feminina foi de 1 mulher para cada 4,1 homens. No recorte racial, a proporção foi de 1 mulher negra para cada 14,1 homens (brancos e negros) e 1 artista negra para cada 2,4 artistas mulheres brancas.

Em 2019, a brasileira com maior destaque no Lollapalooza Brasil foi Marisa Monte, que estava sob o nome d’Os Tribalistas. Desse modo, as únicas solistas na programação foram as compositoras e cantoras Duda Beat e Luiza Lian.

Patrocinado por marcas de alcance global, o festival atingiu um público de 246 mil pessoas em três dias de evento. E coloca em cheque a responsabilidade das mesmas em apoiar eventos com grande impacto de audiência, mas pouca representatividade.

Uma marca de salgadinhos, por exemplo, também é patrocinadora da Parada do Orgulho LGBT e apoia diversas iniciativas pautando a diversidade. Entretanto, o Lollapalooza, no ano passado, para cada 1 mulher em sua programação haviam 11,2 homens, e para cada 1 negro, entre homens ou mulheres solistas brancos, haviam 8,6 artistas brancos.

Neste contexto, refletir sobre qual palco e marca consumimos ou, agora, lives que dedicamos nosso tempo, precisa ser exercitado.

Futuro

Os números aqui levantados falam sobre espaços que jamais serão os mesmos, pois a indústria fonográfica e do entretenimento estão expostas e buscando modelos para manter relevância neste mundo que se revela diferente todos os dias. Por isso, falar a respeito do futuro é tatear a incerteza.

Portanto, olhar essa pesquisa como diagnóstico pode ser importante ao esmiuçarmos as raízes que nos fizeram chegar em 2020 com festivais altamente consumidos e sem a presença de mulher alguma em suas programações. A partir desse lugar, conseguimos aprofundar ainda mais as conversas e criar ações práticas.

O presente é usar o digital a nosso favor, incluir e criar nossos próprios palcos.

*Metodologia

Foram selecionados 24 festivais de diferentes portes e públicos. Os festivais multigênero foram prioridades. Foi feito o possível para analisar os mesmos festivais, porém alguns não foram realizados em 2019.

Os lineups foram retirados das redes dos festivais e também informe de imprensa. As 844 atrações foram divididos em três categorias:mista: projetos musicais compostos por no mínimo uma integrante mulher; mulheres: número de artistas solistas e bandas compostas somente por mulheres; e homens: número de artistas solistas e bandas compostas somente por homens. Também foram retirados o número de artistas homens e mulheres negros.

Com estes dados foram calculadas as porcentagens de participação feminina por festival, categoria e ano. Foram considerados todos os horários dos festivais e não somente palcos ou horários principais. Dentro desse estudo foram contabilizados somente artistas da música. Outras linguagens artísticas não foram consideradas.

As classificações de gênero foram feitas a partir de como cada artista se identifica e se comunica em suas redes oficiais. Ainda que este recurso não seja critério para determinar tal coisa, foi feito o possível para se respeitar ao máximo as identidades de gêneros (artistas trans foram consideradas mulheres).

Não foram considerados grupos artísticos identificados como: bloco, maracatus, coco, ou qualquer outro que não tenha sido possível identificar os integrantes através de sites, redes, etc.

Lista dos festivais

2019: Abril Pro Rock, Bananada, Coala Festival, Coolritiba, FEBRE, Feira Noise Festival, Festival BR 135, CoMa, Festival de Inverno de Garanhuns, Festival Do Sol, Festival Forró da Lua Cheia, Goiania Noise, João Rock, Lollapalooza Brasil, Mada, Morrostock, No Ar Coquetel Molotov, Planeta Atlântida, Popload Festival, Porão do Rock, Psicodália, Rec Beat, Se Rasgum e Vaca Amarela: 24.


Leia também: A presença feminina nos festivais brasileiros de 2016 a 2018


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