A Relação dos Municípios Gaúchos com as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI)*

09/08/2024

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Priscila Nunes 
Secretária de assistência social do município de Santo Antônio das Missões e gestora do Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas/RS). assistenciasocial@santoantoniodasmissoes.rs.gov.br

Elisete Ribeiro Lopes 
Assessora técnica da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). elisete@famurs.com.br 

Priscilla Lunardelli 
Docente da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (ESP/ RS) e discente da Escola do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). priscilla-lunardelli@saude.rs.gov.br 

* Relato parcial da Pesquisa da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (ESP/RS), realizada em parceria com a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e o Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas/RS)

Resumo 

O presente artigo tem por objetivo apresentar parcialmente a pesquisa intitulada A Relação dos Municípios Gaúchos com as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), que foi realizada no estado do Rio Grande do Sul por meio de uma parceria entre três instituições. O objetivo da pesquisa foi mapear estratégias públicas ou conveniadas ao ente público municipal, organizadas para a garantia do acolhimento institucional de pessoas idosas em situação de vulnerabilidade e risco social no Rio Grande do Sul. A pesquisa transversal teve caráter quanti-qualitativo exploratório e foi realizada com a coleta de dados por meio de formulário eletrônico específico, enviado via e-mail para as Secretarias Municipais de Assistência Social após ampla divulgação. Os achados indicam problemas diversificados para a consecução adequada e regular da política pública de acolhimento institucional de pessoas idosas no estado. 

Introdução 

A institucionalização de pessoas idosas no Brasil é prevista na política de seguridade social como medida excepcional, conforme a Lei nº 14.423, também conhecida como Estatuto da Pessoa Idosa, entretanto, frente à agudização da pauperização da população idosa e de suas famílias, a referida excepcionalidade torna-se necessidade premente, observada diuturnamente na execução das políticas públicas de saúde e assistência social. Para conhecer de que maneira os municípios gaúchos têm operacionalizado a política de acolhimento institucional para pessoas idosas, a Federação das Associações Municipais do Rio Grande do Sul (Famurs), o Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social (Coegemas/RS) e a Escola de Saúde Pública (ESP/RS) realizaram um estudo transversal sobre esta temática. Todos os 497 municípios do Rio Grande do Sul foram convidados a responder a um formulário eletrônico, hospedado em meio virtual pela gerência de pesquisa da Famurs, sobre a temática estudada, sendo que efetivamente 298 municípios participaram como respondentes do estudo. O tratamento estatístico da amostra evidenciou perfil heterogêneo, confiança dos achados maior que 90% e baixa margem de erro (menor que 3,5 pp). 

Revisão Teórica 

O município não está organizado para atender esta demanda do acolhimento de pessoas idosas. 

As Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) vêm aos poucos ganhando espaço nas discussões teóricas e acadêmicas diante do fato de que a procura por esse tipo de serviço vem crescendo diuturnamente. Segundo Camarano e Kanso (2010), no surgimento das ILPI prevalecia apenas o caráter assistencial de garantir moradia para aqueles que não dispunham de condições financeiras de subsistência, mas com o aumento da população idosa e a alta prevalência de doenças crônico-degenerativas, surge para as ILPI uma nova função social relacionada ao suporte para pessoas idosas com problemas de saúde e perdas funcionais em geral. 

O termo ILPI, convém destacar, foi proposto pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) em substituição ao uso da palavra “asilo”. Para a SBGG, as ILPI são: 

(…) estabelecimentos que prestam atendimento integral institucional para pessoas com 60 anos ou mais, dependentes ou independentes, que não dispõem de condições para permanecer em seu domicílio ou com a família. São estabelecimentos que devem proporcionar serviços na área social, médica, de psicologia, de enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, odontologia e outras, a depender das necessidades do perfil dos pacientes. 

Hoje, este tipo de estabelecimento/instituição é fiscalizado pela vigilância sanitária municipal e regulamentado pela Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa (RDC) nº 502, de maio de 2021, que dispõe sobre o funcionamento de ILPI no Brasil. Mas nem sempre foi assim, há duas décadas inexistiam normativas para o funcionamento desse tipo de instituição prestadora de serviços socialmente relevantes. 

Para Camarano e Kanso (2010): 

(…) entende-se ILPI como uma residência coletiva, que atende tanto idosos independentes em situação de carência de renda e/ou de família quanto aqueles com dificuldades para o desempenho das atividades diárias, que necessitem de cuidados prolongados. 

Debert (1994) aponta corretamente que a transformação do envelhecimento e da velhice em problemática social não pode ser compreendida unicamente como um resultado mecânico de modificações demográficas, pois um problema social é, antes de mais nada, uma construção social. Desta forma, devemos supor que existem mais variáveis que contribuíram no processo de transformação da velhice em um problema de visibilidade pública do que puramente o aumento do número de pessoas idosas na população. 

A velhice, enquanto construção social, projeta-se como uma teia complexa que envolve aspectos relacionados ao envelhecimento da população, às políticas públicas existentes ou não e aos estereótipos e preconceitos relacionados à idade, entre outras questões. 

É um fenômeno que ocorre em todo o mundo devido aos avanços na área da saúde, às melhores condições de vida e à queda na taxa de natalidade. Isso significa que cada vez mais pessoas estão vivendo por mais tempo, o que demanda uma reflexão sobre como a sociedade está preparada para lidar com essa realidade. Destacamos que as políticas públicas voltadas para a velhice são fundamentais para garantir os direitos e o bem-estar das pessoas idosas, e devem contemplar áreas como saúde, 

moradia, transporte, lazer, previdência social e inclusão social. Além disso, é importante que essas políticas sejam inclusivas e participativas, considerando a diversidade e as especificidades das pessoas idosas. Em verdade, a velhice deve ser encarada como uma fase da vida que traz desafios, mas também oportunidades. É preciso um compromisso para promover uma cultura que valorize a experiência e o conhecimento das pessoas idosas, inclusive das que vivem em ILPI, estimulando a participação e a autonomia, oferecendo oportunidades para que o acolhimento institucional da pessoa idosa não seja um fim em si mesmo. 

Caracterização da Pesquisa 

Objetivo 

Mapear estratégias públicas ou conveniadas ao ente público municipal organizadas para a garantia do acolhimento institucional de pessoas idosas em situação de vulnerabilidade e risco social no Rio Grande do Sul. 

Metodologia 

O Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social do Rio Grande do Sul (Coegemas/RS) é o órgão de integração, representação e apoio aos municípios em assuntos da assistência social e está vinculado à Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). O Coegemas se reúne mensalmente com a participação de representantes das 28 associações regionais que integram a Famurs para discutir as demandas relativas à política pública de assistência social que são trazidas pelas regiões, de acordo com a realidade dos municípios gaúchos. 

A importância de realizar amplo debate sobre as ILPI é histórica e ganhou centralidade no debate do Coegemas/RS diante do aumento expressivo de pessoas idosas precisando de acolhimento em face às dificuldades financeiras das famílias em custear vagas nessas instituições pelo modo de compra de vaga direta. Cotidianamente, são os municípios que têm assumido os custos de institucionalização de pessoas idosas, sem coparticipação dos demais entes públicos, como estado e União. 

Destacamos que o estado do Rio Grande do Sul, ainda em 2020, passou a ter mais pessoas idosas do que crianças de 0 a 14 anos, sendo um dos estados mais envelhecidos do país. 

Poucos são os estudos brasileiros em relação à proteção social da pessoa idosa, especialmente sobre a política pública de acolhimento institucional, antigamente denominada abrigamento/asilamento. Deste modo, a investida teórica nessa temática decorre de múltiplos fatores construídos no cotidiano laboral das secretarias municipais de assistência social gaúchas e fatores acadêmicos, tendo em vista que o Grupo de Trabalho das ILPI do Coegemas/RS convidou a Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (ESP/RS) para participar de suas ações de trabalho. 

Deste contexto surge a necessidade de realizar o estudo que ora apresentamos, cujo objetivo principal foi mapear a relação dos municípios do estado do Rio Grande do Sul com as ILPI a fim de apoiar a formulação de parâmetros adequados para o acolhimento institucional de pessoas idosas junto à política de proteção social especial. 

A pesquisa transversal teve caráter quanti-qualitativo exploratório e foi realizada com a coleta de dados por meio de formulário eletrônico específico, enviado via e-mail para as Secretarias Municipais de Assistência Social, após ampla divulgação da pesquisa em reuniões do Coegemas/RS. Todos os 497 municípios do Rio Grande do Sul foram convidados a responder a um formulário eletrônico, hospedado em meio virtual pela gerência de pesquisa da Famurs sobre a temática estudada. 

As variáveis coletadas na pesquisa estão sistematizadas e apresentadas na tabela abaixo: 

Resultados 

Os dados da pesquisa foram coletados entre 15 de junho e 15 de agosto de 2022 e foram considerados respondentes 298 municípios (59,96%) dos 497 municípios do Rio Grande do Sul. Destes, utilizando metodologia referencial do IBGE 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 229 municípios (76,85%) são de pequeno porte I, 42 municípios (14,09%) são de pequeno porte II, 14 municípios (4,70%) são de médio porte e 13 municípios (4,36%) são de grande porte. 

Quanto à qualificação da pessoa física que respondeu a pesquisa, observamos que o questionário foi respondido por cinco prefeitos, nove secretários de saúde, 15 secretários de saúde e assistência social, 28 secretários de assistência social e habitação, 225 secretários de assistência social ou desenvolvimento social (ou departamentos correlatos), cinco secretários de trabalho e assistência social e 11 secretários de outras políticas públicas. Os dados mostram que, na maioria dos casos, a assistência social está organizada administrativamente nos munícipios gaúchos, compartilhando sua pasta com outra política setorial (saúde, habitação, direitos humanos, entre outras). 

Apresentado o arrazoado inicial sobre as fontes das informações coletadas na pesquisa, passamos agora a descrever as informações relacionadas à implantação e à gestão da oferta de acolhimento institucional para pessoas idosas nos municípios gaúchos respondentes do estudo. Assim, a primeira pergunta direcionada aos municípios participantes foi: “Qual o número de idosos residentes no município?”. 

Os municípios respondentes contemplaram aproximadamente 890.903 (oitocentos e noventa mil e novecentos e três) pessoas idosas residentes (n= 212), 71,14% dos municípios souberam responder sobre a população idosa residente em suas municipalidades. Cerca de um terço dos municípios (28,86%), entretanto, não soube responder sobre a quantidade de idosos residentes em seu território e 3,69% dos municípios informaram um número de pessoas idosas residentes em seus territórios abaixo da expectativa média, estimada em 25% da população total local. 

De acordo com dados do IBGE, a estimativa de pessoas idosas (com 60 anos ou mais) no Rio Grande do Sul em 2021 foi de aproximadamente 2,9 milhões de pessoas, o que representa cerca de 25% da população total do estado.

O segundo bloco de perguntas dirigidas aos munícipios referiu-se à existência de ILPI sediadas na localidade pesquisada. A distribuição dos municípios está apresentada no gráfico 1: 

Dentre os respondentes, 94 municípios (31,54%) pesquisados informaram que possuem ILPI em sua sede territorial. Para os municípios que responderam que sim, existe ILPI em seu território, foi perguntado qual o número de ILPI sediadas na municipalidade. Nas respostas fornecidas observamos que o número de ILPI na sede está diretamente relacionado ao porte populacional do município respondente. Majoritariamente (78% dos respondentes), os municípios possuem apenas entre uma e cinco ILPI em sua sede e apenas 9% possuem de 21 até 50 ILPI. 

Quanto a regularidade documental2 das ILPI sediadas nos munícipios respondentes, observamos o resultado apresentado na tabela abaixo: 

Em relação à compra ou ao custeio por parte da prefeitura do município respondente de vagas em ILPI para acolhimento de idosos munícipes, apenas 32,2% dos participantes responderam validamente à pergunta do questionário, sendo que 21,1% informaram possuir convênio/parceria com entidades privadas com ou sem fins lucrativos; 10,1% não possuírem nenhum tipo de convênio; e 68,8% não responderam ou não souberam responder à questão. Esse resultado indica que o acolhimento de pessoas idosas em ILPI enquanto política pública de corresponsabilidade das áreas setoriais de saúde e assistência social não parece estar efetivado no Rio Grande do Sul de modo pleno. 

Quanto à natureza jurídica das ILPI conveniadas e parceirizadas, é importante ressaltar que mais de 75% dos respondentes não souberam informar a natureza jurídica das instituições conveniadas pelo município. 

Em relação ao número de vagas compradas pelos municípios junto às ILPI, seja por convênio ou termo de parceria, dos 298 municípios participantes da pesquisa apenas 62 municípios (20,81%) informaram sua situação em relação à compra das vagas. Deste total, oito municípios (12,9%) referem que compram vagas conforme a demanda e que não há compra permanente conveniada/parceirizada e um município (1,61%) informou que não compra vagas porque realiza um repasse financeiro mensal às famílias de baixa renda destinado a apoiar o provimento de cuidados da pessoa idosa. A experiência descrita por esse munícipio pode ser interessante e inspiradora para locais menores e/ ou que não tem ILPI no território municipal. 

Um bloco de 49 municípios (16,44% do total de respondentes; 79,03% dos que responderam a esta questão) informou que foram compradas 962 vagas em variadas ILPI para o acolhimento de pessoas idosas adscritas em suas municipalidades em 2022. Para 32 municípios (51,61%), as vagas compradas são suficientes para atender à demanda por acolhimento de pessoas idosas que necessitam e para 30 municípios (48,39%) as vagas compradas são insuficientes, o que demonstra estabilidade na distribuição das respostas por parte dos municípios e indica que as realidades dos munícipios gaúchos são amplamente variadas. 

No que se refere ao cofinanciamento das vagas compradas pelos municípios junto às ILPI, 89% dos municípios que compram vagas informaram que não recebem valores de coparticipação do estado ou da União para custeio das vagas adquiridas. Três municípios informaram que recebem cofinanciamento federal através do Piso de Alta Complexidade do Sistema Único de Assistência Social (Suas) no valor aproximado de R$ 590,00 por pessoa idosa acolhida. Esses poucos municípios, referem que o recurso que recebem é importante para o financiamento do Acolhimento Institucional de Pessoas Idosas, mas que vem sendo repassado com atraso pelo governo federal e de modo incompleto, especialmente nos últimos dois anos (2020-2021). Adicionalmente, verificamos que nenhum município declarou receber cofinanciamento estadual para executar essa política pública. 

O valor médio pago pelas prefeituras municipais pelas vagas conveniadas/parceirizadas nas ILPI foi de R$ 4.225,00 por pessoa idosa em 2022. Três prefeituras municipais informaram fazer um convênio de valor anual, independentemente da ocupação de vagas. Nesse caso, os valores pagos às ILPI, em parcela única anual variaram de R$ 60.000,00 a R$ 160.000,00 na amostra desta pesquisa. 

Do total de prefeituras pesquisadas, 50 municípios (16,78%) utilizam recursos financeiros da política de Assistência Social para custear o acolhimento institucional de pessoas idosas, quatro municípios (1,34%) utilizam recursos “próprios livres” para o pagamento das vagas e um município (0,03%) utiliza recursos provenientes do Sistema Único de Saúde/Recurso da Saúde Pública. Registramos que 55% dos municípios pesquisados referiram que não custeiam todas as vagas que são solicitadas pela sua rede de saúde e assistência social.

Já sobre como ocorrem os encaminhamentos para acolhimento das pessoas idosas, 64 municípios (21,48%) responderam. A distribuição percentual está apresentada no gráfico 5: 

Dos respondentes, 27 municípios (42,19%) informaram ser através do Creas4; 12 municípios (18,75%) através do Cras5; 16 municípios (25%) informaram ser por determinação judicial; um município (1,56%) por busca ativa da família; e sete municípios (10,84%) através de outros encaminhamentos, tais como Unidade de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde. 

Em relação aos critérios que o município utiliza para selecionar as famílias com pessoa idosa que terão prioridade de acolhimento, estes são os dados: 34 municípios (53,13%) indicaram fluxos de acesso à vaga via Suas, considerando as normativas legais vigentes do Suas, sendo avaliados e encaminhados pelo Cras ou Creas. Dez municípios informaram fluxo de acesso à vaga por encaminhamento e determinação judicial, ou seja, apenas em casos judiciais; dois municípios por encaminhamento da política pública de saúde (SUS); um município informou que é a família que se responsabiliza pelo custeio da vaga do acolhimento; um município informou que não fornece acesso a acolhimento institucional para pessoas idosas; um município informou que tem lei própria municipal sobre acesso e relação jurídica com as ILPI; e três municípios informaram que o fluxo de acesso à vaga é feito pela família e/ou pela própria pessoa idosa que não dispõem de condições financeiras para tal, mas não informou a qual órgão ou setor da prefeitura os cidadãos devem se dirigir para efetivar o pedido da vaga. 

As municipalidades pesquisadas destacaram uma diversidade de motivos pelos quais as famílias ou as próprias pessoas idosas buscam a vaga para acolhimento, seja por necessidade de abrigar quando a família não consegue atender às necessidades de cuidado da pessoa idosa ou se ela se encontra em situação de vulnerabilidade social. Já um município destacou que não seleciona famílias ou analisa os casos, apenas atende determinação judicial sem registro ou avaliação da motivação do acolhimento. 

Evidenciamos que a maioria dos municípios pesquisados informou que o acolhimento institucional depende da realização de Avaliação Psicossocial pelos técnicos do Cras ou Creas (assistente social e/ou psicóloga), considerando as condições de vulnerabilidade social da pessoa 

a ser acolhida e sua família, em conformidade com a lei do Suas. Destacamos, ainda, que algumas leis municipais preveem um modelo de “benefício eventual”, que operacionaliza o pagamento das despesas de acolhimento, via Secretaria de Assistência Social. 

Após o acolhimento da pessoa idosa, em vaga custeada pelo poder público municipal, é necessário saber de que maneira é feito o acompanhamento desse acolhimento/abrigamento pelos municípios. Destacamos que o acolhimento não pode ser tratado como o fim de um processo, mas sim como uma parte da política pública de proteção às pessoas idosas. 

Nesse sentido, perguntou-se aos municípios gaúchos se depois de o(a) idoso(a) ser abrigado(a)/acolhido(a) em vaga municipal, o município realiza algum acompanhamento deste acolhimento. Apenas três (1%) municípios informaram que mantêm acompanhamento da pessoa idosa após ingresso nas ILPI, o que demonstra que o abrigamento ainda é considerado como um fim em si mesmo. Para dois municípios do grupo de três respondentes, o acompanhamento é realizado por profissionais da política de assistência social, já para um município a equipe de saúde, vinculada ao SUS, mantém o acompanhamento da pessoa acolhida. 

Nos três casos respondentes, o acompanhamento pós-acolhimento, é realizado de forma presencial (visitas regulares) e remota (telefonemas e e-mails). Dois municípios que referiram realizar o acompanhamento após abrigamento da pessoa idosa compraram uma vaga em outra cidade, localizada entre 50 km e 100 km de sua sede. O fato de realizarem monitoramento e acompanhamento dos abrigamentos em outra localidade denota o compromisso de manter o atendimento da pessoa idosa em situação de acolhimento em ILPI. 

Das cidades participantes deste estudo, 48 (16%), além de comprarem vagas, mantêm também o custeio de outros itens para o atendimento da pessoa idosa acolhida, principalmente de medicamentos e fraldas, que são fornecidos majoritariamente através das secretarias municipais de saúde. 

Perguntamos especificamente aos municípios que não compram vagas em ILPI como fazem quando existe a necessidade de abrigamento de uma pessoa idosa, já que não mantêm convênios ou similares com ILPI. As respostas apresentadas estão contidas na figura:

Observa-se, que uma grande parte das municipalidades realiza compra de “vaga determinada” por tomada de preço, o que é uma alternativa bastante interessante para comunidades pequenas e com pouca demanda por acolhimento/abrigamento de pessoas idosas. Alguns municípios têm utilizado o trabalho com as famílias visando que elas assumam o suporte que a pessoa idosa precisa. Não foi informado o que acontece nos casos em que a família não seja suficiente para atender a pessoa idosa. 

Alguns municípios referem orientar que a família/responsável judicialize o pedido, tendo em vista não existir acesso administrativo às vagas em ILPI. Outra parcela de municípios conta com atendimento filantrópico (destacamos que filantrópico não significa gratuidade, embora tenha sido resposta informada por um respondente) ou pela renda da própria pessoa idosa. Em todo caso, deve-se observar que o disposto no Estatuto da Pessoa Idosa limita a 70% do valor recebido em aposentadoria/pensão ou similar pela pessoa idosa. Em um município respondente, é o prefeito quem resolve pessoalmente a situação de acolhimento quando ela é necessária/demandada. 

Considerações 

Os dados coletados evidenciam a responsabilidade da política de assistência social em relação aos direitos das pessoas idosas. Um dos objetivos desta política pública é a proteção social “que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção de incidência de riscos, especialmente: a proteção à família, à maternidade, à adolescência e à velhice” (Lei nº 8.742/1993, alterada pela Lei nº 12.435/2011, art. 2º). 

Nesse sentido, é importante considerar os níveis de complexidade da política de assistência social, destacando que o acolhimento em ILPI está assentado licitamente na Proteção Social Especial (PSE) de Alta Complexidade. Frisamos alguns aspectos da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (Resolução CNAS nº 109/2009), que padroniza a oferta dos serviços, no que diz respeito ao Serviço de Acolhimento Institucional: 

Para idosos, com 60 anos ou mais, de ambos os sexos, independentes e/ ou com diversos graus de dependência. A natureza do acolhimento deverá ser provisória e, excepcionalmente, de longa permanência quando esgotadas todas as possibilidades de autossustento e convívio com os familiares. É previsto para idosos que não dispõem de condições para permanecer com a família, com vivência de situações de violência e negligência, em situação de rua e de abandono, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos (p. 45 e 46). 

Isso demonstra que o acolhimento ofertado pela assistência social deve ser destinado para as pessoas idosas que não têm condições financeiras de subsistência ou de permanecer junto à família de origem, principalmente porque tiveram seus direitos violados. 

Esta pesquisa possibilitou conhecer de que maneira os municípios gaúchos vêm construindo diuturnamente a política pública de acolhimento institucional/abrigamento para pessoas idosas. A demanda é referida como crescente e as estratégias públicas organizadas para atendimento da demanda são insuficientes, juridicamente instáveis e com pouco ou nenhuma participação dos demais entes públicos (estado e União), além do município. Ademais, é comum ouvir queixas dos gestores municipais acerca da judicialização em relação ao acolhimento institucional de pessoas idosas, mas foi corriqueiro ler relatos dos próprios municípios orientando seus demandantes para esse tipo de serviço ao buscarem justiça para encaminhar a situação, o que caracteriza um grande paradoxo. 

É importante ressaltar que o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população têm gerado uma demanda crescente por serviços de cuidados de longa duração e fica evidente que em alguns municípios – especialmente em regiões com maior concentração populacional – a compra desses serviços varia entre 50 e 200 vagas, gerando dificuldade para encontrar um local único com cuidados e serviços qualificados. Em alguns casos a demanda é tão grande que gera uma lista de espera, e essa escassez de instituições também impacta na judicialização existente para acesso às vagas de acolhimento institucional descritas pelos municípios como uma realidade regional. 

Destaca-se a presença de relatos familistas com relação ao provimento de cuidados para as pessoas idosas em detrimento do reconhecimento de que a política pública é pouco estruturada, quando não ausente, e não se sabe ao certo a que agentes públicos compete fazer cumprir a implantação de política pública adequada, parametrizada e financiada de acolhimento institucional para pessoas idosas. Os municípios têm estado sozinhos na operacionalização de uma política pública que não existe na estrutura do estado do Rio Grande do Sul e da União. 

A professora Yeda Duarte, da Universidade de São Paulo (USP), refere que: 

Tradicionalmente, na América Latina de um modo geral, nós temos uma coisa chamada familismo, nós damos à família a completa e total responsabilidade pelo cuidado das pessoas mais dependentes e, dentre elas, você coloca as pessoas idosas também. E as pessoas esquecem que é constitucional que a responsabilidade pelo cuidado das pessoas mais dependentes, incluindo crianças doentes, idosos, etc. é da família, da sociedade e do Estado. Mas só a família é criminalizada se não acontecer, então se o idoso está residindo sozinho alguém faz uma denúncia e vão atrás de um parente que ele não vê há 30 anos, essa pessoa vai ser acionada judicialmente para cuidar daquele que ele mal conhece, porque não conviveu com ele. Então o Estado passa para a família a responsabilidade absoluta por cuidar dos idosos e, quando isto não acontece, a única penalizada é a própria família. Ninguém penaliza o Estado por não ter política pública para os idosos, ninguém penaliza a sociedade porque não ajudou os idosos durante a pandemia, por exemplo (EPSJV/Fiocruz, 28 jan. 2022). 

No Brasil, as políticas públicas foram construídas não por uma lógica garantista e sim por uma lógica extremamente dessemelhante. Existem vários grupos sociais e populacionais bastante vulneráveis, mas é tácito que a assistência e solidariedade recebidas por alguns grupos é invariavelmente distinta da recebida por outros, e na matéria de acolhimento institucional as pessoas idosas pertencem ao grupo que não recebe a necessária atenção pública. 

Ainda que o ente público (União, estados e municípios) deva melhorar sua participação, gestão e financiamento do acolhimento institucional de pessoas idosas, ele precisa ser instado a fazê-lo. Isso pode ocorrer, inclusive, com algumas medidas triviais como, por exemplo, estruturando protocolos e diretrizes de Estado para acolhimento e pós-acolhimento de pessoas idosas em ILPI mediante financiamento público. Ainda assim seguiremos absolutamente distantes, nesse momento sócio-histórico, de responder a uma das questões centrais deste estudo “quem é a pessoa idosa, residente e domiciliada no Rio Grande do Sul, que tem direito a acessar uma vaga em ILPI através de financiamento público”?

Outra questão que também precisará ser respondida nos próximos anos pelos entes públicos é: “Em qual(is) política(s) está(ão) a responsabilidade pelo financiamento do acolhimento às pessoas idosas”? Se, por um lado, a responsabilidade do acolhimento às pessoas idosas que não têm condições financeiras de subsistência ou que tiveram seus direitos violados está na política de assistência social, a responsabilidade de custeio e investimento, que demanda serviços de atendimento da política de saúde, no que se refere aos graus de dependência, não está clara no pacto federativo. Isso não tem levado em consideração que historicamente a assistência social não possui percentual definido em lei para oferta de serviços e que a demanda é crescente. Nesse sentido, como podemos implantar uma responsabilidade conjunta de ambas as políticas públicas no que se refere ao serviço de acolhimento institucional da pessoa idosa? 

Assim, de forma geral, a leitura que fazemos após a análise da pesquisa é que os municípios têm “feito o que podem” com a pouca ajuda estrutural que dispõem e são hoje o ente governamental que se responsabiliza técnica e financeiramente pelos acolhimentos das pessoas idosas que necessitam no Rio Grande do Sul. Mas “o que podem” não corresponde ao atendimento integral e universal das necessidades das pessoas idosas que demandam cuidados institucionais e que é preconizado inclusive legalmente. 

referências 

BRASIL. Estatuto do Idoso: Lei Federal n. 10.741, de 1. de outubro de 2003. Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004. 

BRASIL. Lei n. 12.435, de 6 de julho de 2011. Altera a Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Diário Oficial da União, 2011. 

BRASIL. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Resolução CNAS n. 109, de 11 de novembro de 2009. Disponível em https://www.mds.gov.br/ webarquivos/public/resolucao_CNAS_N109_%202009.pdf 109-2009-tipificacaonacional-de-servicos-socioassistenciais. Acesso em: 18 mar. 2024. 

CAMARANO, Ana Amélia; KANSO, Solange. As Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil. Revista Brasileira de Estudos de Populações, v. 27, p. 232-235, 2010. 

CAMARANO, Ana Amélia; KANSO, Solange. Como as famílias brasileiras estão lidando com idosos que demandam cuidados e quais as perspectivas futuras? A visão mostrada pelas PNADs. In: Camarano (ed.). Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido. Rio de Janeiro: Ipea 2010, p. 93-122. 

CHRISTOPHE Michelle, CAMARANO Ana Amélia. Dos asilos às instituições de longa permanência: uma história de mitos e preconceitos. In: Camarano (org.). Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido? Rio de Janeiro: Ipea, 2010. 

DEBERT, Guita Grin. Gênero e envelhecimento. Estudos feministas, v. 2, n. 3, p. 33, 1994. 

RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLEGIADA – RDC n. 502, de 27 de maio de 2021. Dispõe sobre o funcionamento de Instituição de Longa Permanência para Idosos, de caráter residencial. 

SOCIEDADE BRASILEIRA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA – SBGG. Instituição de Longa Permanência para Idosos: manual de funcionamento. São Paulo, 2003.

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