Professor Ladislau Dowbor
Foto: Divulgação
O economista e professor de pós-graduação em Economia e Administração na PUC-SP, Ladislau Dowbor, estará presente no seminário Diálogos sobre os Desafios Socioambientais Contemporâneos, que acontecerá nos dias 1 e 2 de junho no Sesc Vila Mariana.
O seminário reunirá profissionais para debater o avanço da crise ambiental e apresentar experiências inspiradoras na área socioambiental.
Acompanhe a conversa que a Eonline teve com o professor a respeito da atual situação socioambiental do Brasil. Segundo ele, a crise que vivemos está pautada no tripé ambiental, social e financeira.
EOnline – De acordo com a ONG Global Footprint Network, desde agosto de 2016 consumimos em menos de um ano mais do que a capacidade da terra de renovar os recursos naturais. As grandes disparidades sociais persistem, acompanhada de um grande impacto negativo no ambiente. Apesar disso, nunca se produziu tanta riqueza, conhecimento e tecnologia. O senhor poderia comentar um pouco sobre esse cenário mundial e nacional?
Há um pano de fundo na crise que vivemos que pode ser resumido no tripé ambiental, social e financeiro. O nosso triângulo das Bermudas, para os que gostam de imagens, resumidamente é o seguinte.
No plano ambiental, estamos literalmente destruindo o planeta, com o aquecimento global, a perda de biodiversidade (destruímos 52% da fauna do planeta entre 1970 e 2010, segundo o WWF), a liquidação das florestas, a contaminação generalizada das águas e assim por diante. Tecnologias do século XXI, que permitem extração de recursos naturais de forma quase ilimitada, e leis do século passado geram uma combinação insustentável. O planeta não aguenta.
No plano social temos as cifras estarrecedoras de 8 famílias que detêm mais patrimônio do que a metade mais pobre da população mundial. Apresentado de outra forma, 1% dos mais ricos detêm mais riqueza do que os 99% seguintes. Somos 7,45 bilhões de pessoas no mundo e 80 milhões a mais a cada ano. Entre dois e três bilhões estão em condições econômicas dramáticas, presas na chamada armadilha da pobreza, em que a própria miséria trava as possibilidades dela sair. E esses bilhões não são ignorantes nem resignados, sabem hoje que se pode viver melhor. Muros na fronteira mexicana ou em Israel, frotas da marinha no Mediterrâneo ou as cercas eletrificadas na Europa não vão resolver o assunto. Vivemos um universo explosivo. Já não se fazem pobres como antigamente. Um New Deal planetário está na ordem do dia.
Os desafios ambiental e social estão devidamente estudados, sistematizados e detalhados nos acordos de Paris e na Agenda 2030 de Nova Iorque. Sabemos o que deve ser feito e que medidas devem ser tomadas. Mas há o problema da mobilização dos recursos financeiros correspondentes e a sua mobilização depende de capacidade política de decisão. Aqui nos defrontamos com o terceiro eixo, o financeiro. Não faltam recursos. O planeta produz anualmente 80 trilhões de reais de bens e serviços, o equivalente a 11 mil reais por mês por família de quatro pessoas. Dá para todos vivermos de maneira digna e confortável, mesmo sem buscar ideais de igualdade, apenas bom senso. Mas os recursos estão essencialmente em mãos de aplicadores financeiros, não de investidores produtivos. Os que detêm os recursos estão interessados em fazer os papéis renderem, não em promover o desenvolvimento. São recursos que não são investidos para fomentar a economia, como sequer pagam impostos. Bem-vindos à era do capitalismo improdutivo.
A solução é óbvia: os recursos financeiros improdutivos, hoje em mãos de especuladores, precisam ser redirecionados para servir à reconversão tecnológica que nos permita parar de destruir o planeta, para organizar o acesso a um mínimo de renda e a inclusão produtiva dos excluídos. Em particular, a guerra com os pobres tem de ser transformada em guerra contra a pobreza, articulando as políticas ambientais, sociais e financeiras.
Este quadro global, que gerou as três conferências mundiais de 2015 e desenhou a agenda mínima para 2030, se aplica rigorosamente ao Brasil. Estamos destruindo a Amazônia, contaminando os aquíferos e outras fontes de água, entupindo os alimentos de agrotóxicos, paralisando as cidades por opções absurdas de transporte individual. E no plano social a tragédia é total; com 60 mil assassinatos por ano, uma gigantesca população carcerária vivendo em condições medievais e cerca de 20 milhões de pessoas ainda presas na miséria total. Com as riquezas deste país, termos miséria é francamente um atestado de imbecilidade profunda das nossas chamadas elites, que buscam arrancar o que podem sem ver que estaríamos todos melhor com um desenvolvimento mais equilibrado. Estamos destruindo a riqueza ambiental herdada em vez de capitalizar o seu potencial e mantendo o país entre os 10 mais desiguais do planeta. As compras em Miami vão bem, obrigado.
Saiba mais sobre o ponto de vista do Professor Ladislau no artigo Crônica em meio à grande crise global.
EOnline – Em suas obras há uma grande discussão a respeito da política, sociedade, economia. Nessa perspectiva, como o senhor enxerga as iniciativas socioambientais, como as que estarão presentes na Mostra Territórios em Transformação, que compõem o projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo, criadas por cidadãos que agem localmente para a melhoria da situação de suas realidades?
Em última instância toda atividade está localizada em algum lugar, e se as comunidades, hoje essencialmente nas cidades, se organizam em torno do resultado final que nos interessa – a qualidade das nossas vidas – o conjunto do processo passa a ter uma âncora e passa a fazer sentido. Trata-se da descentralização, do planejamento municipal, dos diversos sistemas de participação das comunidades nas decisões do espaço de vida do cidadão e que dão corpo ao chamado “poder local”.
A participação comunitária constitui hoje claramente o mecanismo mais racional de regulação das principais atividades da área social, da urbanização, da pequena e média produção, além de constituir um “lastro” indispensável para o equilíbrio do conjunto das atividades no nível macroeconômico. Somos 5.570 municípios, de certa forma os “blocos” que constroem o país. Se os municípios não funcionarem, nenhuma ginástica política no governo central irá resolver.
Nos países em desenvolvimento, esses mecanismos ainda são relativamente frágeis. Os países capitalistas desenvolvidos, e particularmente os países escandinavos, têm muito a nos ensinar sobre o peso da organização comunitária e, em particular, das organizações da sociedade civil como forma de assegurar que as atividades econômicas e sociais respondam em última instância às nossas necessidades. Afinal, para que é que trabalhamos? Basta olharmos para os países com o melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do planeta: aí encontramos os países escandinavos, o Canadá e outros que se caracterizam por sistemas de democracia intensamente participativa, com um Estado muito mais presente, mas, sobretudo, na base da sociedade, nos municípios.
Temos que rever, sob esta perspectiva, os sistemas de apoio às atividades da pequena e média empresa, bem como do setor informal, que desempenham um papel fundamental como contrapeso das atividades das grandes corporações; a organização dos sistemas participativos da população, para que o cidadão possa efetivamente exercer a sua cidadania e influir sobre as suas condições concretas de vida no espaço local; a criação de uma nova cultura urbana que permita à população viver e não apenas se proteger e sobreviver.
Estamos na era das transformações tecnológicas profundas, da “aldeia global”, que outros chamam de “espaçonave terra”, para acentuar o nosso destino comum e interdependência. É a era dos processos econômicos e sociais articulados, da diversificação e complexidade globais que exigem participação consciente e contribuição organizada de todos. Não são coisas que se resolvem com a “mão invisível” de Adam Smith ou com um núcleo tecnocrático de planejamento. Resolvem-se com a articulação de diversos mecanismos e com muito pragmatismo na busca de soluções. Somos sociedades demasiado complexas para soluções ideológicas simplificadoras, na luta absurda que opõe privatização ou estatização, mercado ou planejamento.
O mundo se urbanizou. No Brasil, 87% da população mora em cidades. Hoje, com a internet e a expansão das comunicações e dos sistemas educacionais, não há porque uma cidade não assumir de forma decidida o seu futuro, mobilizando os recursos locais subutilizados, articulando-se com cidades regionais, tornando-se sujeito do seu próprio desenvolvimento.
Saiba mais sobre o assunto no livro gratuito O que é Poder Local? Poder Local?
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Gostou da entrevista? Quer entender um pouco mais desse debate? Participe do seminário
Diálogos sobre os Desafios Socioambientais Contemporâneo que contará com o professor Ladislau Dowbor e outros especialistas de diversas áreas do conhecimento.
Também nos dias 2 a 4 de junho, no Sesc Vila Mariana, será possível conhecer iniciativas na mostra Territórios em Transformação que atuam de forma prática para alcançar melhorias socioambientais
Saiba mais sobre Ideias e Ações para um Novo Tempo.
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