Movido pela inquietação, Paulo Miklos aposta na versatilidade para seguir sua vocação de estar em cena, seja na música, no teatro ou no audiovisual
Por Lígia Scalise
Leia a edição de NOVEMBRO/24 da Revista E na íntegra
Quando garoto, Paulo Miklos passava horas olhando pela janela. Queria ganhar o mundo. Nascido e criado no Centro de São Paulo, filho de um médico de uma dona de casa, desde cedo revelou talento para a música e parecia pressentir as aventuras e a intensidade da vida que o aguardavam. Lançou-se como vocalista, multi-instrumentista e compositor da banda Titãs, nos anos 1980. Ao lado de amigos do colégio, Miklos percorreu o Brasil, participou de programas de TV e fez sucesso com composições provocativas e apresentações performáticas.
À medida que os Titãs se firmavam como um dos principais grupos de rock nacional, Miklos revelava suas múltiplas facetas artísticas. Em 1994, lançou o primeiro álbum solo, Paulo Miklos, no qual assina letras e produção das faixas. Seu segundo álbum solo, Vou ser feliz e já volto, é de 2001, mesmo ano em que estreou como ator no cinema, no papel do matador de aluguel Anísio, no filme O invasor, de Beto Brant, trabalho que lhe rendeu prêmios de atuação no Festival de Brasília e no Grande Prêmio BR de Cinema Brasileiro. Hoje já são mais de 20 filmes – entre os recentes, Saudosa maloca (2024), no qual interpreta o sambista Adoniran Barbosa (1910-1982), e Estômago 2: o poderoso chef (2024).
Miklos também foi parar no teatro, onde interpretou o trompetista Chet Baker (1929-1988), a lenda do jazz norte-americano, no espetáculo Chet Baker, apenas um sopro, de 2016. Outra surpresa da carreira foi a boa aceitação pelas crianças do vilão Gonzales, papel de Miklos no longa Carrossel (2015). É justamente essa imprevisibilidade que o nutre como artista. “Sou assim mesmo, gosto de mudar de assunto, fazer coisas diferentes. Estar em movimento é algo que me renova a vida.”
Após mais de 40 anos de carreira, e aos 65 anos de idade, Paulo Miklos celebra seus projetos atuais: o recém-gravado álbum Paulo Miklos ao vivo e a turnê nacional de Paulo Miklos canta Adoniran, no qual resgata clássicos do samba de Adoniran Barbosa. Neste Depoimento, Miklos relembra sua trajetória e fala sobre o desejo constante de se arriscar em nome da realização artística. “Da minha carreira pode-se esperar tudo, até mesmo aquilo que eu nem imagino.”
A música sempre esteve presente na minha casa. Aos 13 anos, já tocava violão, mas comecei a pedir um piano ao meu pai. Ele alugou um piano baratinho e me matriculou em aulas com uma professora que morava na esquina da nossa casa. Eu amava passar as tardes, depois da escola, martelando aquelas teclas, mas acabei deixando de lado as lições da escola. O resultado? Minhas notas começaram a cair, e meu pai acabou tirando o piano de mim. Fiquei tão deprimido que minha avó me presenteou com uma flauta doce por puro consolo. Até que descobri algo óbvio: eu podia levá-la comigo para qualquer lugar. Por volta dos meus 20 anos, conheci uma galera da Bahia, que me deixava improvisar solos de flauta no começo e no fim das músicas. Foi a convite deles que participei da banda como arranjador, no festival da extinta TV Tupi, em 1979. Eu me vi ao lado de artistas que tanto admirava, como Caetano Veloso, Jorge Ben, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção (1949-2003) e Walter Franco (1945-2019). Eu me diverti muito e estreei na TV como músico.
Eu morria de tédio com as regras rígidas do colégio onde estudava. Então, quando ouvi falar de um colégio que realizava festivais e participava de circuitos de música universitária, fiquei maluco para estudar lá. Em 1976, mudei para lá. Nem nos meus melhores sonhos eu poderia imaginar que assistiria a shows dos Novos Baianos, Alceu Valença, Gilberto Gil, entre outros ídolos, no pátio da escola. Foi ali também que conheci Arnaldo Antunes, Sérgio Britto, Branco Mello, Marcelo Fromer (1961-2001), Ciro Pessoa (1957-2020) e Nando Reis. Tony Bellotto e Charles Gavin não estudaram com a gente, mas frequentavam as reuniões do centro cultural e acabaram se juntando a nós. Formamos o grupo Titãs com o diferencial de ter essa pegada autoral e criativa, além da força do coletivo. Nosso primeiro show oficial aconteceu em 1982, no Sesc Pompeia. Confesso que não acreditava que tudo isso iria se transformar no que se transformou. O sucesso da banda sempre me surpreendeu.
Apesar de tudo ser muito divertido, nosso trabalho na banda era levado muito a sério. Ensaiávamos exaustivamente todas as manhãs, sempre no horário combinado. Não havia um líder ou um vocalista principal. Todos os integrantes precisavam ensaiar para tocar, cantar e performar na sua vez. Tínhamos um compromisso com a precisão e a excelência. Embora fosse uma banda de amigos, o desejo de sermos um grupo profissional era forte. Quando o Arnaldo saiu, a primeira coisa que pensamos foi: “Pô, mas peraí, pode sair?”. Aquele sonho meio ingênuo de criança acabou ali. Os Titãs precisavam continuar. O mesmo espírito de seguir em frente nos dominou quando perdemos o Marcelo, que morreu tragicamente em 2001. A força do grupo vinha disso: sempre havia um para apoiar o outro. Apesar de ser apaixonado pela participação em grupo, eu também sentia uma inquietação de fazer meus trabalhos como artista independente. Enquanto estava nos Titãs, lancei meus dois discos solo, estreei no cinema e comecei a trabalhar com audiovisual. Tentei equilibrar as duas carreiras, até que senti a necessidade de ser dono do meu próprio tempo.
Embora muitos vejam as carreiras de músico e ator como distintas, para mim, elas têm a mesma essência. Ser músico é ser intérprete, e ator também.
Com o figurino do show Paulo Miklos canta Adoniran (Barbosa), sambista que o músico interpretou no filme Saudosa maloca (2024). Foto: Matheus José Maria.
Mesmo sendo apaixonado pela música, eu não imaginei que faria carreira nela. Meus pais queriam que eu cursasse uma faculdade, então, primeiro, prestei vestibular para psicologia. O trote que recebi foi, digamos, “psicologicamente terrível”, tanto que fui à faculdade por apenas uma semana e nunca mais voltei. Depois, me matriculei em filosofia, mas não passei do primeiro ano. Por fim, decidi encarar a música como profissão e entrei na ECA [Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP)]. Passei um ano estudando, mas percebi que aquele ambiente não era para mim. Depois que gravamos o primeiro disco dos Titãs, então, virou uma loucura total e sem volta. “Sonífera Ilha” foi um sucesso e nos catapultou para o cenário nacional. Começamos também a investir nas coreografias. E isso fez um enorme sucesso. Com os Titãs, tive a vantagem de ser famoso sem nunca sentir que estava botando a cara para bater sozinho. Tudo era feito em grupo o tempo todo. A fama pela fama é totalmente vazia, mas o reconhecimento de um trabalho bem feito é algo espetacular.
Eu me considero um “bicho de palco”. Adoro provocar, instigar e brincar com o público. Embora muitos vejam as carreiras de músico e ator como distintas, para mim, elas têm a mesma essência. Ser músico é ser intérprete, e ser ator também. Meu primeiro convite para atuar veio do Beto Brant, que havia dirigido clipes dos Titãs. Ele me viu performando com um pedestal de microfone como se fosse uma cruz nas costas e teve a coragem de me convidar para seu filme, O invasor. Atuar se tornou uma paixão avassaladora. O teatro surgiu para mim em 2016, quando interpretei o trompetista de jazz na peça Chet Baker, apenas um sopro, dirigida por José Roberto Jardim. Eu amo interpretar, amo um palco. É isso que sou, um pouco de tudo e com um enorme desejo de abraçar novas experiências. Para mim, tudo acontece simultaneamente porque é assim que eu gosto de viver.
O desafio de dar vida ao Adoniran Barbosa me cativou profundamente. Foi um presente me ver vestido com aquela gravatinha, resistindo ao “pogréssio” e falando em “adonirês”. São tantas as camadas desse personagem, e o que eu mais queria era construir o meu próprio Adoniran. Conversei muito com o diretor Pedro Serrano pelo receio de cair na armadilha de imitar o sambista. Acho que consegui um bom resultado. Eu, ao menos, me diverti. Depois do filme, estreei no Sesc Pinheiros a turnê nacional Paulo Miklos canta Adoniran, acompanhando os bambas do samba paulistano. Sinto-me honrado, e com uma certa licença poética, por ser um roqueiro cantando samba. As pessoas têm a mania de colocar os outros em caixinhas, mas eu estou aqui para sair da caixa. Para mim, tudo faz parte da realização artística. O que me motiva a aceitar um projeto é o desafio que ele apresenta. É essa imprevisibilidade que dá tempero e não enjoa, pelo menos para mim. Acredito que temos que estar prontos para agarrar as oportunidades quando elas surgem e se lançar com coragem.
Fiquei viúvo e perdi minha mãe e meu pai em um período de um ano e meio. Isso dá uma sacudida em qualquer um. Tive que aceitar que os momentos difíceis fazem parte do amadurecimento e transformam muito a gente. Meus lutos me ensinaram sobre a finitude e a importância de cuidar das nossas relações. A vida é um constante recomeço. Tive que me refazer e reconstruir minha história. O amor é a força vital que nos impede de desanimar. Meu maior aprendizado foi acreditar que tenho o direito de ser feliz. Quando olho para trás, vejo uma trajetória muito bonita, cheia de entrega, batalhas e muitas aventuras interessantes. Me sinto realizado pelo que fiz. E quando olho para o futuro, quero enfrentar novos desafios com a mesma vontade de sempre. Essa é a graça da vida. Como canto em “Todo querer”, o que importa é “viver como se deve, mesmo que seja breve”.
Assista a trechos dessa entrevista gravada na casa de Paulo Miklos, em São Paulo, em julho de 2024.
A EDIÇÃO DE NOVEMBRO DE 2024 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
Para ler a versão digital da Revista E e ficar por dentro de outros conteúdos exclusivos, acesse a nossa página no Portal do Sesc ou baixe grátis o app Sesc SP no seu celular! (download disponível para aparelhos Android ou IOS).
Siga a Revista E nas redes sociais:
Instagram / Facebook / Youtube
A seguir, leia a edição de NOVEMBRO na íntegra. Se preferir, baixe o PDF para levar a Revista E contigo para onde você quiser!
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.