Lamento das imagens: instalação multimedia que dá nome à exposição do Sesc Pompeia
Por Simões Neto*
Fotos: Renato Parada
Desvendar, em poucas perguntas, a forma de pensar e de fazer arte do arquiteto, artista e cineasta Alfredo Jaar, é um exercício instigante de perceber além do que a realidade nos apresenta. É mergulhar em um universo de explosões de luz e blackouts, de realidades duras presentes em várias partes do mundo, aparentemente distantes na geografia, mas cruéis, próximas, pulsantes e espelhadas em dores semelhantes de Norte a Sul do Brasil. Um país que, por sinal, Jaar aprendeu a amar desde os dezoito anos, quando reunia uma turma de amigos para viajar de um canto a outro. “Eu descobri a cultura brasileira, especificamente a música e, principalmente, o cinema por meio do Glauber Rocha e seus escritos extraordinários”, detalha suas paixões nacionais.
A trajetória de Alfredo Jaar teve início no Chile, sua cidade natal e, em seguida, nos Estados Unidos, na transição entre as décadas de 1970 e 1980. Na ocasião, a ditadura militar em seu país estava no auge. Por isso, traços e análises de um ambiente autoritário estão presentes nas suas obras.
Com a mudança para os Estados Unidos (1982), a produção artística de Jaar amplia suas dimensões visuais e tem como foco as relações internacionais de poder. São enfoques preocupados em demonstrar e, sobretudo, alertar e denunciar para a continuidade de violências coloniais no presente, provocando a invisibilidade seletiva de povos e populações.
O universo da arte percebeu e valorizou sua sensibilidade perspicaz. As obras do artista fazem parte de acervos de museus importantes como o Museum of Modern Art, o Guggenheim Museum, em Nova York, e o Museum of Contemporary Arte, em Chicago, para citar só alguns.
Com doze obras expostas na mostra, que se integra à área de convivência do Pompeia, Jaar traz instalações que manifestam sua dinâmica de pensar a política das imagens no mundo contemporâneo. Além disso, o acervo revela pensamentos em torno das formas de controle social e manutenção de desigualdades.
A mostra tem curadoria de Moacir dos Anjos e está concentrada em instalações, posteres e projeções de vídeos: resultado de quatro décadas de atividade de Jaar.
Em entrevista exclusiva, Alfredo Jaar fala do impacto de expor em um espaço com a arquitetura de Lina Bo Bardi e como isso influenciou o resultado da exposição: “as minhas obras têm as mesmas características da arquitetura de Lina: democrática, generosa, inclusiva e aberta.
Esta é a primeira grande exposição de suas obras na América Latina. O que isso representa em sua carreira? Qual a importância de, depois de passar por outros continentes, expor seu trabalho na latino-américa?
Fico muito feliz porque sinto muita saudade da América Latina. Gostaria de ser mais ativo e presente em nosso continente, mas o problema é que as instituições culturais são muito frágeis economicamente e não têm a capacidade logística que gostaríamos. Nesse sentido, o Sesc é a exceção, não a regra. Como gostaria que o modelo do Sesc fosse implantado em toda a América Latina. Haveria um verdadeiro renascimento cultural.
Como foi ver a exposição montada no Sesc Pompeia? Como o legado de Lina Bo Bardi o impacta?
Agradeço muito ao Moacir dos Anjos (curador da mostra Lamento das Imagens) pelo convite para fazer uma exposição minha em um lugar tão mágico como este. O diálogo com ele foi de suma importância ao longo do processo. Instalar meu trabalho em um espaço criado por Lina Bo Bardi tem sido um dos maiores desafios da minha carreira profissional. Felizmente, além do Moacir, tive dois colaboradores fundamentais, Marta Borgéa e Tiago Guimarães, que me guiaram na realização de uma instalação das minhas obras que tinham as mesmas características da arquitetura de Lina: democrática, generosa, inclusiva e aberta. Serei eternamente grato a todos eles por suas ajudas essenciais.
Qual é a sua relação com o Brasil?
Comecei a viajar do Chile para o Brasil quando tinha 18 anos. Quase todo verão, durante anos, com um grupo de amigos, saíamos para fazer uma turnê pelo país. Foi nessa época que meu amor nasceu por esta terra e pessoas extraordinárias. Eu descobri a cultura brasileira, especificamente a música e, principalmente, o cinema por meio do Glauber Rocha e seus escritos extraordinários sobre o que ele chamou de estética da fome. Depois de me estabelecer em Nova York, em 1982, viajei para Serra Pelada, em 1985, onde iniciei meu primeiro grande projeto internacional. Portanto, pode-se dizer que minha carreira internacional como artista nasceu no Brasil.
E com os artistas brasileiros? Há algum que o inspira?
Considero Cildo Meireles o mais importante artista contemporâneo vivo do mundo, não só da América Latina. Ele é um grande amigo, é como meu irmão mais velho. Nos conhecemos desde os anos 1980. Além dele, tenho um grande apreço pelo trabalho de Claudia Andújar, Antonio Manuel e Paulo Bruscky, entre outros. Por fim, tenho grande admiração pelo trabalho da Regina Silveira, com quem temos uma grande amizade há muitos anos.
Suas obras refletem questões urgentes, conturbadas e também trazem a temperatura do que acontece de mais cruel com as minorias, sobretudo na América Latina. Qual o seu critério na escolha dos temas?
A verdade é que eu não escolho o tema, mas o tema me chama, a situação me atrai, me escolhe. O que acontece é que cada uma das minhas obras responde ao contexto em que devo atuar. E o contexto significa uma questão precisa que devo enfrentar, um problema que devo resolver. Todos os meus trabalhos foram criados assim, em resposta a um determinado contexto. Nunca consegui criar uma única obra que fosse fruto da minha imaginação, sem contexto. Eu não sei como fazer isto.
Há fronteiras entre arte e política?
O artista cria modelos de pensamento sobre o mundo. Cada obra contém uma concepção do mundo, portanto é intrinsecamente política. Assim, todo ato estético é um ato político. Godard dizia que é verdade que devemos escolher entre a estética ou a ética, mas seja qual for a nossa escolha, sempre encontraremos a outra no final do caminho.
Sua obra é atravessada por diferentes camadas de significado e interpretação. Como é seu processo criativo?
Eu me defino como um arquiteto que faz arte. E para um arquiteto, o contexto é tudo. Meu processo criativo é ativado na ordem de compreensão do mundo. Tudo o que sei sobre o mundo aprendi como artista. Mas antes de atuar nesse universo, preciso entender isso. Assim nasceu meu modus operandi: antes de agir no mundo, preciso entendê-lo. Portanto, eu começo tentando entender o contexto, e depois ajo, ou seja, faço arte.
As notícias recentes mostram que a estátua de mulher indígena substituirá a de Cristóvão Colombo, retirada do Paseo de la Reforma, na Cidade do México. Em São Paulo, o monumento do bandeirante Borba Gato ardeu em chamas, assim como vários na Europa foram destruídos. Como você enxerga esses acontecimentos? Há conexões entre eles, sua arte e o Lamento das Imagens?
Está tudo conectado. Sempre foi assim, mas agora mais do que nunca. E como o meu trabalho responde ao contexto, tudo o que acontece me afeta, me interessa, e tem a ver com o meu trabalho.
Você tem em Antonio Gramsci e Pier Paolo Pasolini, grandes pensadores políticos, uma identificação forte e admiração pelo que se consegue perceber. Quais as conexões intelectuais que você identifica entre você e os dois pensadores? Como essa semelhança se reflete nas suas obras de modo geral?
Gramsci acreditava que a cultura pode afetar mudanças radicais na sociedade e isso me parece fundamental. É porque acredito nisso que sou um artista. Pasolini é o modelo de intelectual que gostaria de ser. Ele não foi apenas um cineasta, mas também um escritor, um poeta, um crítico, um polemista, alguém totalmente envolvido e participante ativo da sociedade de seu tempo. Sinto falta de suas vozes em nossas vidas, gostaria de trazê-los para o presente. No fundo, cada uma das minhas obras é uma modesta homenagem a esses gigantes do pensamento do século XX.
Se você fosse criar uma obra que retratasse e descrevesse a realidade atual brasileira, o que não poderia faltar e o que nos alertaria?
O velho mundo está morrendo. O novo demora a nascer. Nesse claro-escuro, surgem os monstros.
Serviço:
Lamento das Imagens – Alfredo Jaar
Local: Sesc Pompeia
Curadoria: Moacir dos Anjos
Período expositivo: até 5 de dezembro de 2021
Funcionamento: Terça a sexta, das 14h às 20h. Sábado, domingo e feriado, das 11h30 às 17h30.
Agendamento de visitas: www.sescsp.org.br/exposicoes
Classificação indicativa: Livre
Grátis
Sesc Pompeia – Rua Clélia, 93.
Para mais informações, acesse o portal: sescsp.org.br/pompeia
* Simões Neto é jornalista, especializado na cobertura de Arte, Design e Arquitetura.
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