O conceito do que é bom para alimentar corpo e alma muda com o tempo e vai muito além da dimensão nutricional. Foto: Renata Teixeira
Você já se perguntou o que é alimentação saudável? Com tantas informações disponíveis na mídia, muitas vezes não nos damos conta dos múltiplos aspectos abordados nesse conceito. Afinal, o que é considerado saudável, hoje, pode ser bem diferente daquilo que nossos antepassados acreditavam.
Em seu famoso livro “Regras da Comida”, o jornalista e pesquisador Michael Pollan tenta responder à pergunta: “O que devo comer?”. E as duas primeiras instruções são enfáticas: “coma comida” e “não coma nada que sua avó não reconheceria como comida.”
Essas regras descritas pelo jornalista parecem simples, mas envolvem muitos entendimentos dentro do que pode ser considerado saudável nos dias de hoje, pois a alimentação vai além da nutrição, envolve também cultura, comensalidade e questões socioeconômicas.
Como defende Elaine de Azevedo, nutricionista, professora PhD em Sociologia Política, o termo “alimentação saudável”, assim como saúde, felicidade, qualidade de vida, é uma construção social, mudando dentro do contexto de cada cultura, grupo e sociedade.
O que é saudável para comer sofre as influências do espírito do seu tempo. Como conta a pesquisadora, se, na tradição, cultura, os mitos, as religiões, e o local delineavam o modo de viver dos seres humanos, a alimentação se construía a partir desses elementos.
“A comida saudável se dava no território em que aquelas pessoas viviam e reverberava na cultura daquele povo”, afirma Elaine.
Já na modernidade, os princípios científicos, padronizados, que negavam a tradição, alteraram o conceito de saudabilidade, observando a comida mais do ponto de vista energético-calórico, próprio da ciência que se estabeleceu naquele momento histórico, com a industrialização e a urbanização.
Chegando à contemporaneidade, Elaine acredita que temos “feito as pazes com a tradição”, resgatando conceitos de territorialidade, cultura alimentar e sistemas ancestrais de lidar com o corpo e a comida.
“Hoje também encaramos as consequências do sistema agroalimentar moderno, ou também conhecido como convencional, e suas diversas repercussões sociais, ambientais, sobre a saúde humana. E questionamos o uso desses alimentos ‘modernos’, ultraprocessados, incentivando um retorno para a cozinha, para o preparo de alimentos frescos”, diz Elaine.
Max Jaques, chef pesquisador do Instituto Brasil A Gosto e autor do livro “Comida Cotidiana”, faz uma provocação: será que todo mundo pensa o comer da mesma forma?
“A alimentação saudável é sempre circunstancial e sofre recortes de classe, de gênero, e geográficos muito específicos. Questiono: será que no interior do Brasil as pessoas não cozinham seu próprio alimento? Não continuam consumindo produtos locais? A gente sempre tende a pensar a partir da nossa prática, da nossa cultura, do nosso contexto. E nem todo mundo está em São Paulo ou numa grande capital”, diz ele.
Para Max, o que pode auxiliar as pessoas a terem uma alimentação saudável é olhar para seus antepassados com um pouco mais de generosidade para entender o que há de sabedoria ali e que a gente pode utilizar hoje em dia.
“Ou seja, o quanto podemos nos debruçar sobre o passado para construir a alimentação do futuro”, acredita ele.
Elaine concorda com o pesquisador e afirma que, diante do que vivemos hoje, das repercussões socioambientais que também impactam a saúde humana causadas pelo modo de operar do sistema atual, pelas preocupações de ordem ética e de bem-estar animal, uma alimentação saudável tem que ser saudável para todos e para tudo: “o planeta é um só e o fora não existe.”
* Artigo escrito por Luciana Mastrorosa, jornalista e escritora especializada em gastronomia e nutrição. Atua há mais de 25 anos na imprensa brasileira, mantém o site Cozinha de Planta e é autora do livro “Pingado e Pão na Chapa – Histórias e Receitas de Café da Manhã”.
De 16 a 29 de outubro de 2023, as unidades do Sesc convidam o público a experimentar o universo da comida e as suas relações com a saúde e com a cultura.
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