Aline Bispo e a arte de todo mundo

28/05/2024

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Aline Bispo, multiartista visual, ilustradora e curadora independente, que acabou de inaugurar no Sesc Campo Limpo a intervenção urbana Dança de Fartura, pintura baseada no poema homônimo de Reginaldo Prandi, e que contém elementos de sua extensa pesquisa sobre brasilidade, se preocupa com uma arte acessível. Bispo conversou conosco, e fala a seguir de outras questões como: o acesso à arte, ao conhecimento e os desafios e conquistas na sua trajetória até aqui, enquanto mulher negra nascida no extremo sul da capital paulista. Boa leitura e até a próxima!

Aline, você é do território do Campo limpo. Quem é essa pessoa que cresceu aqui, e quando começa o primeiro contato com a arte?

Nasci e morei, e parte da minha família é do Campo Limpo, sempre estou visitando, e o meu terreiro também, que aí é a minha família de santo, está na região. Meus primeiros contatos com arte e criação, eles vêm do Campo Limpo e do Capão Redondo, na adolescência, de caminhar pelas ruas e ver muito grafite, principalmente no entorno do Terminal Capelinha. Depois, quando passo a frequentar os espaços do centro, vou buscando formações que não tinha acesso. Vai se criando um caminho paralelo: estar nesse território, que me fornece um determinado conteúdo artístico e cultural, e aí tem um outro processo, quando começo ir para Pinheiros, Vila Madalena…

Foi nesse momento, observando essas realidades distintas, que despertou em você a vontade de produzir arte do seu jeito?

Quando saio do Ensino Médio, vou estudar na ETEC, e tinha que me locomover até o bairro do Ipiranga, não existia linha amarela na época, era bem difícil. Isso é uma das coisas que me desperta o pensar sobre esses acessos à arte, à cultura… O grafite vem nesse lugar, de querer trocar sobre essas coisas que vinha observando no mundo, e de ser uma possibilidade mais acessível. Entre 2008 e 2009, começo a ir para a rua, pintar, e paralelamente, estou fazendo a minha primeira formação, em Design de Interiores. Para mim, são sempre esses dois caminhos, até hoje: arte contemporânea e rua. Em 2012, pauso esse trabalho. Vou estudar comunicação visual e trabalhar com ilustração. Começo a fazer minha primeira leitura racial: tem algumas coisas para o corpo pardo, o light skin, a pessoa negra de pele mais clara, que, a depender da formação social dela, vai demorar um outro tempo para se entender enquanto pessoa negra, então isso também vai fazer parte desse processo, de olhar e querer falar com o mundo: ‘tô entendendo isso aqui e preciso me descobrir’.

Esses questionamentos contribuíram para a construção da sua visão de mundo. Como seu processo criativo colaborou para moldar sua identidade artística?

Sou essa pessoa de pele negra clara, que está no Brasil, supercomplexo, e aí me faz olhar para toda a minha construção social, familiar. De 2012 até 2016, fiquei focada em ilustração, e volto a trabalhar com pintura…Hoje minha atuação se divide em ilustração, principalmente para capa de livro, mas também tem trabalhos que para moda, estampa, publicidade, marca, não é um problema para mim [trabalhar com isso], vou avaliando direitinho. Minha exposição que abriu no ano passado [A Linha dá o Ponto, a Linha dá o Caminho, em cartaz no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul de 24/11/23 a 03/03/24] e agora, em agosto, estará na Usina Luiz Maluf, vem de um ano de pesquisas, passando por várias cidades e estados do Brasil, buscando investigar as complexidades religiosas, as miscigenações, os sincretismos. Acho até bonito isso da brasilidade, porque a gente é complexo e ao mesmo tempo, múltiplo. Uma parte minha, lá em 2009, talvez buscasse uma resposta exata, um lugar puro, que não existe.

Em que momento que você fala: ‘acabei, essa obra está pronta para ser executada na rua ou exposta em uma galeria de arte’?

Vou usar o exemplo do Sesc Campo Limpo: quando recebi o convite, já começou o processo: vou escrevendo, olhando, vendo e tentando entender o que tinha antes, pensando no lugar. Nesse caso, recebo um briefing e tenho um prazo para entregar. Minha cabeça funciona muito nesse lugar da Aline ‘designer’, um processo que tenho que me adequar. Mas, por exemplo, esse processo da exposição que abriu no MAC-RS ano passado, apesar de ter uma data para entrega, o processo de criação era um pouco mais solto: a cada viagem, cada pesquisa, cada conversa, ia reunindo elementos para compor, então era um pouco mais fluido, sabe? É diferente. Aí, a cabeça parece que vira uma outra chave.

Você lida com coisas do cotidiano, e suas criações estão chegando a mais pessoas. Como é o retorno do seu público sobre seu trabalho?

Me preocupo muito em realmente deixar meu trabalho ser acessível. Sei que tem gente que não tem condição financeira de entrar numa galeria e comprar uma obra de arte. Mas tem pessoas que já compraram livros porque eu fiz a capa, ou pela parceria que fiz com a Naya Violeta: a pessoa compra uma peça de roupa porque tinha minha estampa. Não consigo garantir que todos tenham acesso a tudo, mas consigo fazer coisas que sejam mais viáveis. Uma vez, estava em um show no Sesc Pompeia, e veio uma moça: “Oi, você é Aline, né?”, levantou o braço e me mostrou que tinha uma tatuagem da capa de Torto Arado.

Quando é um trabalho sem prazo apertado e briefing, mais livre, como é que uma ideia começa dentro de você?

Sempre levo um caderno, gosto de filme, documentário, ou até mesmo: “Ah, olhei no Instagram”, salvo na pasta, depois eu olho e falo: “ah, isso aqui tem a ver com o que eu estou pesquisando”, e vou fazendo umas anotações. Por exemplo, voltando dessa viagem e curadoria, até julho vou ficar o mais focada possível para finalizar as obras que vão para a exposição que abre por aqui em agosto, olho as anotações anteriores, os registos de fotografia. Porque por mais que tenha a curadoria, a galeria junto, esses momentos são só meus e precisam existir.

Qual que é a sensação de ver que seu trabalho está te levando cada vez mais longe e rendendo bom frutos?

É bem especial. No ano passado, o convite do Grammy Latino, acho que foi o mais impactante nesse sentido, de olhar e falar: estou aqui indo para uma outra experiência que não estava nos planos, né? Sou muito grata, tenho uma rede muito honesta de pessoas que acreditam no meu trabalho e estão do meu lado.

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