Amara Moira no Sesc Consolação: Literatura como Ofício e Transformação
21/04/2025
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Nos meses de abril, maio e junho de 2025, o Sesc Consolação recebe a escritora, professora e doutora em Teoria Literária Amara Moira para o LivrETA: Ateliê de Escrita Criativa. O projeto, que desde 2024 vem reunindo grandes nomes da literatura brasileira contemporânea, oferece aos participantes a oportunidade de desenvolver suas habilidades literárias por meio do compartilhamento de técnicas, processos criativos e exercícios práticos com autores consagrados.
Desde sua estreia, o LivrETA trouxe vozes diversas e fundamentais da cena atual: Cidinha da Silva, com sua narrativa afiada que entrelaça crítica social e inventividade literária; Renata Carvalho, cuja escrita visceral transita entre o teatro e a prosa; Aline Bei, capaz de mergulhar nas profundezas da psique humana; Helena Silvestre, que captura as urgências do presente em sua ficção; e Flávio Cafiero, explorador das relações entre memória e ficção.
Neste contexto, a presença de Amara Moira ganha especial relevância. Primeira mulher trans a defender uma tese com nome social na Unicamp, ela se tornou uma das vozes mais originais e necessárias da literatura contemporânea, autora de obras que desafiam convenções e expandem as possibilidades da linguagem.
Sua trajetória literária começou de forma discreta, em um blog anônimo que mais tarde daria origem ao aclamado “E Se Eu Fosse Puta” (2016). A obra, que mistura autobiografia, ensaio e ficção, discute com rara potência temas como marginalização, desejo e resistência. Em 2024, Amara aprofundou sua pesquisa linguística com “Neca: um romance em bajubá”, onde incorpora a linguagem LGBTQIA+ das periferias paulistanas.
Além de sua importante produção literária, Amara Moira atua como coordenadora de exposições, programação cultural e núcleo educativo no Museu da Diversidade Sexual, onde une arte e ativismo. Sua atuação se estende ainda ao jornalismo cultural, com colaborações em publicações voltadas para crítica literária e direitos humanos, sempre articulando literatura, política e identidade.
Escrever é Exercício de Liberdade – Entrevista com Amara Moira
O Sesc Consolação convidou Amara Moira para nos contar sobre seu processo de escrita, inspirações e sobre o que os alunos podem esperar deste curso.
SC – Como você estrutura seus próprios rituais de escrita? Há algum método ou hábito que considera essencial para quem quer desenvolver uma voz literária?
Amara Moira: Criar um hábito de (re)escrita é crucial para que nos habituemos a desafiar a nossa criatividade. A rotina é crucial, senão ficamos reféns dos momentos em que a inspiração decide baixar. E, mesmo quando a inspiração sussurra ideias fabulosas no nosso ouvido, é importante não nos darmos por satisfeitos e seguirmos retrabalhando esse texto até explorarmos ao máximo suas potencialidades. Paul Valéry costumava dizer que o primeiro verso de um poema é um presente dos deuses, mas daí compete a nós escrevermos uma obra à altura do que recebemos.
SC – Quais livros ou autores você indicaria para quem quer entender melhor sua formação como escritora? E quais obras recentes da literatura brasileira você tem admiração?
Amara Moira: Gosto da ideia de produzir textos impossíveis, brincando com os vários significados que esse adjetivo é capaz de comportar. Quero escrever obras que, uma vez escritas, eu mesma me surpreenda por ter sido capaz de produzi-las… no entanto, para chegar a esse ponto, eu costumo reescrever alucinadamente meus textos, pois sempre acredito que posso chegar mais longe. Borges dizia que versões definitivas só existem em função da religião (Deus escreveu, então não há uma vírgula a alterar) ou do cansaço (não aguento mais esse texto, vai assim mesmo). Autores que me ensinam a radicalizar cada vez mais com a minha literatura são: James Joyce (Ulysses), Marquês de Sade (120 Dias de Sodoma), Hilda Hilst (com sua trilogia pornográfica), várias obras de Guimarães Rosa e os irmãos Campos, sobretudo nos trabalhos críticos e tradutórios.
SC – Você poderia montar uma pequena lista de livros fundamentais para quem deseja escrever sobre identidade, linguagem ou marginalidade?
Amara Moira: O Testo Junkie, de Paul Preciado, é talvez a obra mais intrigante que conheço para se discutir tensões entre sexualidade e identidade, ainda mais por misturar um lado ensaístico com um autobiográfico. No tocante à linguagem, acredito que uma leitura pormenorizada do Ulysses, de James Joyce, é uma das experiências mais transformadoras para se fazer, pois cada página desse romance é um laboratório de experimentações radicais. Por fim, recomendo a leitura do eroticíssimo Dedo no cru y gritaria, de Mercedes Sonsa, e da autobiografia a quatro mãos A Princesa: depoimentos de um travesti a um líder das Brigadas Vermelhas, de Fernanda Farias de Albuquerque e Maurizio Jannelli, para investigar figuras que escrevem a partir da margem.
SC – Que conselhos daria para autores iniciantes que buscam publicar seu primeiro livro, especialmente em um cenário ainda tão restritivo para vozes dissidentes?
Amara Moira: Estamos vendo uma explosão de autores/as que, partindo de cursos de escrita criativa, acabaram ganhando espaço significativo no cenário literário nacional e mesmo internacional. Estar num espaço em que somos provocados a experimentar, a sair da nossa zona de conforto, recebendo feedbacks preciosos, pode ser crucial para o desenvolvimento do nosso potencial. A minha escrita, por exemplo, se beneficiou muito do Curso Livre de Preparação de Escritores (CLIPE) da Casa das Rosas em 2016, momento em que eu transformava o meu blog E se eu fosse puta em livro. E muito antes disso, em 2007, pude trabalhar bastante as minhas habilidades com a longa oficina que Valério Oliveira e João Silvério Trevisan ministraram em Campinas, minha cidade natal.
SC – Além da literatura, você tem explorado outras linguagens artísticas? Há algum projeto novo em andamento?
Amara Moira: Participei de uma sala de roteiro para uma série em áudio, da plataforma Audible, e foi uma experiência intrigante. Além disso, estou atualmente colaborando com a adaptação para o teatro e cinema das minhas próprias obras, desafio que tem impactado profundamente a minha relação com a linguagem. Quero me aventurar a escrever biografias e obras de cunho historiográfico em algum momento próximo também. Mas claramente essas experiências são pontuais: o meu barato é a literatura (indissociável da tradução e da crítica literária, como preconizavam os irmãos Campos).
SC – O que uma oficina de escrita criativa pode oferecer que a prática solitária da escrita não proporciona?
Amara Moira: Na oficina, temos a oportunidade de testar, num ambiente controlado, o potencial das nossas criações. Ali colocamos à prova o que já sabemos fazer, mas também exercitamos o nosso olhar crítico, já que seremos desafiados/as a analisar as produções de colegas. Os exercícios propostos podem nos sinalizar espaços subaproveitados da nossa imaginação, o que contribui significativamente para o aprimoramento da escrita. Além disso, a convivência próxima com gente que está enfrentando o mesmo desafio é um poderoso combustível.
A trajetória de Amara Moira — assim como sua escrita — é marcada pela coragem de transgredir limites e reimaginar possibilidades. Na literatura, no ativismo ou na docência, sua voz nos mostra que a escrita pode ser tanto um instrumento de transformação íntima quanto coletiva.
Na próxima edição do LivrETA: Ateliê de Escrita Criativa no Sesc Consolação, que será sob a orientação de Amara, participantes terão a chance de explorar técnicas literárias e desenvolver a palavra como ferramenta de reinvenção — de si e do mundo. Para quem deseja mergulhar nesse universo, as inscrições estarão abertas a partir do próximo dia 23/4.
LivrETA: Ateliê de Escrita Criativa com Amara Moira De abril a junho de 2025 no Sesc Consolação Inscrições: 23/4, às 14h (credenciados plenos) e 25/4, às 14h (público em geral)
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