Por Elaine Garcia e Karol Silvestre
Olhe ao redor. O que você percebe como natureza? Já considerou as florestas, rios, praias e os seus habitantes como bons mestres para viver melhor?
Voltando a infância, minha memória passeia por uma vegetação rasteira que se derramava instintivamente sobre areias quentes e macias, à beira-mar observava os pescadores retirando do fundo da areia pequenos bichinhos de aparência desengonçada e nome engraçado: “corrupto”.
As tardes no quintal cheiravam à barro e pitanga, com bolos preparados em cumbuquinhas de casca de coco. A noite havia música de sapos e pererecas, e os vagalumes conduziam os passos da dança.
Brinquedos duravam o quanto durava a brincadeira, depois se misturavam a cena, servindo de alimento e abrigo para insetos e minhocas.
Todas essas memórias fazem parte de quem sou e trazem referências dos lugares por onde passei, a diferença entre o clima seco e a umidade da praia está gravada na memória do meu corpo, o canto do bem-te-vi e as cores da lantana, também.
Quanta riqueza e diversidade podemos vivenciar através do contato com a natureza?
Todos nós trazemos um repertório de saberes construídos desde a infância. Muitos, adultos hoje, experimentaram uma infância em que o contato com a natureza era parte do cotidiano, seja no quintal de casa, nas férias com os avós, no pátio da escola ou nas brincadeiras de rua. Essa interação permitiu a criação de um acervo pessoal e coletivo de memórias que perpassam nossas existências. A memória biocultural pode ser compreendida como a conexão entre os saberes, práticas e valores que atravessam gerações, e os ecossistemas onde as culturas florescem. Assim, o uso de uma erva medicinal, uma cantiga popular sobre a natureza, as festas ligadas aos ciclos ou uma construção feita com materiais locais são alguns dos exemplos que unem a cultura, os elementos naturais e as paisagens.
Esse conjunto de memórias, conscientes ou não, revelam sinais de um relacionamento com a terra e com os seres que compartilham conosco a vida neste planeta. Essas memórias podem emergir de maneira desavisada, através de um aroma, um som, ou de quaisquer sensações que despertem novamente os nossos sentidos e provoquem a lembrança das experiências vividas.
Sabe aquele cheiro gostoso de terra molhada num final de tarde, o sabor de uma fruta fresquinha colhida no pomar, ou o som das ondas quebrando na praia? Só de imaginar, a gente sente o peito quentinho e uma profunda sensação de bem-estar.
Esse conforto e prazer que a gente sente quando está vivenciando uma experiência na natureza é um recurso que podemos acessar nos momentos difíceis do nosso dia a dia, ajudando-nos a regular as nossas emoções e a lidar com o excesso de estresse e a ansiedade.
A frequência e qualidade das vivências que tivemos formam os pilares deste relacionamento e são importantes para indicar se este vínculo será reforçado ao longo da nossa vida, ou se será extinto. Além disso, nossa conexão com o ambiente natural é capaz de influenciar nossa própria identidade, nossos modos de vida, bem como o que decidimos proteger e conservar. De modo que ampliar e resgatar nossa percepção sobre a interação entre a cultura e os ecossistemas desde a infância pode ser um caminho para uma maneira mais saudável de se relacionar com os ambientes e com a diversidade de seres que compõe a teia da vida.
Atualmente, as crianças vivem contidas entre paredes, organizadas em fileiras, em salas onde a luz do sol não alcança. Privadas do aprendizado genuíno que vem pela curiosidade ao observar uma planta que se fecha ao toque, ao colher uma fruta no pé e se perguntar como foi que ela chegou nesse lugar, ao perseguir um grilo e ser surpreendido por sua rota imprevisível.
Qual a conexão com o ambiente natural essas crianças terão no futuro? Como podemos destinar a elas a missão de cuidar do planeta, sem que antes sejam apresentadas a ele?
Que tipo de vínculo elas terão com a natureza e como compreenderão que nós, seres humanos, somos apenas uma pequena parte de uma imensa trama de seres que habitam esse planeta e precisam uns dos outros?
Quando consideramos a natureza e as memórias bioculturais como elementos para nossa prática pedagógica, seja na escola ou em outros espaços educativos, permitimos que as crianças se conectem com conhecimentos ancestrais, com sua identidade e com as potências de se viver em um território rico em biodiversidade, saúde, história e cultura. O contato com a natureza estimula a criatividade e o senso de pertencimento. Brincar ao ar livre, observar fenômenos naturais e aprender com os mais velhos, pode ser uma maneira de aprender conceitos ecológicos, importância da conservação da natureza e de viver uma vida com mais sentido e conexão.
Cabe a nós, adultos e educadores, permitir e proporcionar que elas tenham a oportunidade de descobrir o mundo à sua volta e vivenciar essa mágica experiência.
Elaine L. Garcia é turismóloga, especialista em educação ambiental e agente de educação ambiental do Sesc SP.
Ana Karolyne Silvestre é bióloga, com mestrado em Ciências biológicas, pedagoga e agente de educação ambiental do Sesc SP.
OFICINA
Diálogos entre educadores: Biodiversidade e Identidade Cultural
Com Agentes de Educação Ambiental
Como a relação entre biodiversidade e cultura pode enriquecer a prática pedagógica em sala de aula? Nesse encontro, professores e demais profissionais da educação são convidados a revisitarem a própria história pessoal e os vínculos afetivos, reconhecendo a importância desses elementos para a construção de um aprendizado significativo e conectado as questões ecológicas e a biodiversidade local.
Quando: Dia 24/04/2025, quinta, em duas turmas: 09h às 11h30 e 14h30 às 17h
Local: Espaço Teiú – Reserva Natural Sesc Bertioga
Vagas limitadas. A partir de 18 anos.
Inscrições de 8 à 17/04 ou término das vagas em: centralrelacionamento.sescsp.org.br
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