Apresentação

01/11/2016

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Aos leitores


Eu asseguro que alguém se lembrará de nós no futuro”.
Safo de Lesbos

Por que não houve grandes mulheres artistas? Em 1971, a historiadora
da arte Linda Nochlin publicou um artigo propondo algumas respostas
para essa questão, que se coloca diante do fato de que são pouquíssimas as
mulheres que passaram à posteridade reconhecidas por sua genialidade
artística. Décadas antes, em 1929, Virginia Wolf havia publicado Um teto
todo seu, onde buscou reconhecer seus pares na história, mulheres escritoras
perdidas nas brumas do tempo.


Ambas escrevem a partir da inquietação quanto a aparente ausência
(ou escassez) de mulheres que tenham se dedicado ao fazer artístico. Embora
separadas por quatro décadas, as autoras partem de pressupostos
comuns, de que existiram muito mais mulheres artistas do que se tem
notícia e que condições econômicas, sociais e morais seriam os principais
fatores responsáveis pela discrepância numérica entre artistas do sexo
masculino e do sexo feminino.


Linda Nochlin contesta o pressuposto de que maestria e grandiosidade
são produtos do talento, qualidade inata que agraciaria mais a homens
do que a mulheres. A resposta estaria, portanto, nas condições socioeconômicas,
no lugar social destinado à mulher (o ambiente doméstico) e
nas oportunidades de aprendizagem artística. Virginia Wolf, em 1929, já
destacava a centralidade das condições materiais para o pleno desenvolvimento
do trabalho artístico ao propor, como requisitos básicos para a
escrita, o acesso a uma renda e a um “teto todo seu”, condições que permitiriam
às mulheres dedicação integral à arte.


As profundas mudanças ocorridas ao longo do século XX oportunizaram
um acesso inédito das mulheres ao fazer artístico em todas as linguagens.
No entanto, a persistência da desigualdade de gênero segue sendo
uma realidade também no campo da cultura. O coletivo de artistas Guerrilla
Girls, em atuação desde 1985, vem sistematicamente denunciando a
discriminação de gênero no mundo da arte. Em posters e autocolantes, as
artistas do coletivo provocam a partir de questões como “As mulheres precisam
estar nuas para entrar nos museus?”, em alusão à abundância de
pinturas de nus femininos em contraponto ao pequeno número de trabalhos
de artistas mulheres nas coleções das instituições museais.


Michelle Perrot, historiadora francesa, destaca a importância da escrita da história
das mulheres como forma de tirá-las do silêncio ao qual foram confinadas.
Escrever uma nova história da arte a partir da proposição de Perrot, é fazer justiça
a mulheres como Christine de Pizan, cronista da história da França, escritora e poetisa
que viveu no século XII e que foi tão próspera em seu tempo que vivia de sua
arte; Sofonisba Anguissola, artista renascentista que angariou a admiração de Michelangelo
e Van Dyck e influenciou gerações de mulheres artistas antes de cair em
completo esquecimento; Camille Claudel, que passou à posteridade como amante
de Rodin, enquanto seu trabalho escultórico permaneceu subestimado; Julieta de
França, escultora brasileira, primeira mulher a vencer o mais importante prêmio da
Escola Nacional de Belas Artes, praticamente desaparecida da história da arte brasileira;
ou Tia Ciata, a quem nunca se fez justiça quanto a participação na composição
daquele que é considerado o primeiro samba gravado no Brasil, Pelo telefone.


A edição de número 3 da Revista do Centro de Pesquisa e Formação – CPF traz,
em seu dossiê, uma contribuição que vem se somar a outras ações do Sesc SP na
busca pela valorização e ampliação de visibilidade do trabalho artístico de mulheres,
como o projeto Damas da voz, do Sesc Campo Limpo; Mulheres em cartaz, do
Sesc Belenzinho; Corpos insurgentes, do Sesc Vila Mariana; Empodera!, do Sesc
Osasco; Degeneradas, do Sesc Santana; e os cursos, palestras e debates promovidos
pelo próprio CPF.


O dossiê Entre letras, imagens e sons: a produção cultural de mulheres, organizado
por Carla Cristina Garcia – que assina o texto de apresentação – é composto
por sete artigos. O primeiro deles, As mãos de minha avó: conhecimento tradicional
e arte na obra de escritoras latino-americanas, é da própria Carla Cristina Garcia.
Os leitores encontrarão, na sequência, os textos Itinerário de uma viajante brasileira
na Europa: Nisia Floresta (1810-1885), de Ligia Fonseca Ferreira; Apontamentos
sobre campos de guerra, de Norma Telles; Mulheres compositoras no Brasil dos
séculos XIX e XX, de Ana Carolina Arruda de Toledo Murgel; Arte e água na obra
de Sandra Cinto, de Miguel Chaia; A dissonante representação pictórica de escritoras
negras no Brasil: o caso de Maria Firmina dos Reis (1825-1917), de Rafael
Balseiro Zin; e A arte performática, corpos e feminismo, de Leonilia Magalhães e
Priscila Cruz Leal.


Na seção Gestão Cultural, ex-alunos do Curso Sesc de Gestão Cultural assinam
cinco artigos frutos dos trabalhos de finalização do curso.


Ao final da revista, os leitores encontrarão ainda a resenha de Camila Frésca sobre
o livro Clara Schumann: compositora x mulher de compositor (Ficções Editora,
2011), a entrevista com Amy Allen, professora de Filosofia da Universidade Penn
State e, fechando esta edição, a poesia Estradeira, de Elizandra Souza.

DANILO SANTOS DE MIRANDA
Diretor Regional do Sesc São Paulo

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