INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL EM PROCESSOS CRIATIVOS
Desde as primeiras experimentações com dispositivos até sua influência nas plataformas de mídia social, a intersecção entre inteligência artificial (IA) e expressões artísticas tem sido objeto de discussão contínua e intensa. Essa narrativa instiga uma profunda reflexão sobre os parâmetros éticos que circundam a interface entre IA e atividades criativas, gerando um debate que abarca conceitos de autoria, apreciação estética e disseminação de conhecimento.
À medida que a capacidade da IA se desenvolveu, ela passou a analisar vastos conjuntos de dados culturais, como obras musicais, arte visual e textos, aprendendo com eles. Os algoritmos de aprendizado de máquina agora podem emular estilos e técnicas de artistas humanos, gerando criações que apresentam notáveis semelhanças com obras criadas por seres humanos. Isso suscita questões fundamentais sobre a noção de autoria, uma vez que a criação é conduzida por uma entidade artificial que se vale de dados coletados de diversas fontes.
A apreciação estética também se vê influenciada pela presença da IA na produção artística. A aptidão da IA para analisar o comportamento humano e adaptar-se às preferências do público pode resultar em experiências culturais altamente personalizadas. Por um lado, isso pode alargar o acesso aos bens culturais, tornando-os mais pertinentes e acessíveis. Por outro lado, pode fomentar a formação de “bolhas culturais”, as quais limitam a diversidade de perspectivas e vivências.
Além de identificar tendências culturais e insights inesperados a partir da análise de vastos acervos de obras de arte, música e literatura, a IA levanta preocupações sobre seu papel na construção cultural e na interpretação da história.
Esta revista, assim, traz um dossiê que propõe uma reflexão abrangente sobre as relações entre IA e processos criativos. Tal dossiê é composto por diversos artigos escritos por especialistas na área. Doutorando em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), o pesquisador Sergio José Venancio Júnior abre o dossiê com o artigo intitulado “A característica generativa das IAs e seus impactos sobre a criatividade”. Nele, o autor levanta uma discussão sobre uma compreensão conceitual dos principais processos algorítmicos que explicam o funcionamento de modelos discriminativos e generativos, enquanto busca, também, esclarecimentos sobre as motivações dos processos litigiosos envolvendo IA e sobre as noções de criatividade e da cocriação humano-máquina.
Apresentação – Inteligência artificial em processos criativo
O segundo artigo, de autoria da coordenadora do Media Lab da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Bauru, Regilene Sarzi-Ribeiro, trata do uso da IA na criação artística, além de apresentar elementos-chave para a compreensão das fronteiras e dos atravessamentos éticos que marca tal criação na era digital.
A pergunta “Qual é a importância dos sistemas algorítmicos de recomendação para o exercício das autonomias individual e coletiva na formulação
do gosto e no consumo de bens culturais?” orienta o artigo “Curadoria algorítmica e modulação do gosto”, escrito pelo professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Diego Vicentin.
Na sequência, temos a versão em português do artigo “Rethinking creativity: creative industries, AI and everyday creativity” (“Repensando
a criatividade: indústrias criativas, IA e criatividade cotidiana”), de Hye-Kyung Lee, professora sul-coreana do King’s College London, no Reino
Unido.
Explorando as relações entre IA e arte, Erik Nardini Medina, mestre em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp, apresenta o artigo “Arte e inteligência
artificial: nascimento de imagem nova e os limites do novo artífice”.
Professora do Centro Universitário Belas Artes, Larissa Macêdo reflete acerca das encruzilhadas e das problemáticas inerentes à produção
artística negra brasileira nas redes sociais diante dos atravessamentos causados por sistemas de IA em seu artigo “Redes sociais como boca do mundo: encruzilhadas, arte e inteligência artificial”.
Paola Barreto, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), discute algoritmo, gênero e racialidade em seu texto “Sobre escravidão e
máquinas: inteligência artificial para quem pode”.
O artigo “Povos indígenas e a (co)criação artificial”, de Alex Potiguara (Alexsandro Cosmo de Mesquita), fecha o dossiê. O autor analisa o fenômeno
do uso de tecnologias digitais por povos originários e as transformações que tais ferramentas vêm provocando nas configurações cultural,
identitária e social desses povos.
A seção seguinte reúne três artigos de diferentes temáticas, elaborados por professores que integraram a programação do Centro de Pesquisa
e Formação (CPF). De autoria do professor chileno da Unicamp Ignacio del Valle-Dávila, o artigo “Formas de olhar para o passado: a ditadura chilena
na literatura e no cinema” apresenta uma cartografia das principais obras e tendências do cinema e da literatura do Chile, de 1973 até a atualidade. Doutorando em Arquitetura e Urbanismo na USP, Brunno Almeida Maia expõe as relações entre a moda, as roupas e suas presenças nos
Apresentação – Inteligência artificial em processos criativos álbuns de família na contribuição intitulada “Identidade de nós mesmos: a
história da moda contada pelos nossos álbuns de família”.
Em “Cinema brasileiro independente e estratégias de coprodução internacional”,
a produtora audiovisual Nara Aragão Fonseca reflete sobre o atual cenário da produção independente no Brasil, apresentando um panorama dos mercados internacionais de cinema e seus principais agentes.
Dos trabalhos desenvolvidos por participantes do Curso Sesc de Gestão Cultural e do Curso Sesc de Gestão do Esporte, figuram, nesta edição:
“Publicização e participação social: o circuito municipal de cultura de Belo Horizonte”, escrito por Sara Moreno Rocha; “Coletiva Travas da Sul articulação e produção cultural LGBTIA+ na quebrada”, de Rosseline Tavares, Thaís Heinisch e Tiago Marchesano; e “Parcerias institucionais: construção de caminhos para um planejamento macro”, de José Evaristo Silvério Netto, Eduardo Blaz, Mariana Prado e José Vinícius Alves Ferreira.
Em alinhamento ao tema do dossiê, o entrevistado da atual edição é o professor de Estudos de Mídia na Universidade de Toronto, Rafael
Grohmann. O pesquisador tratou de questões como criatividade, trabalho intelectual, os impactos da IA nas chamadas “indústrias criativas”, entre
outros entrelaçamentos entre IA e produção artística e cultural. Lilian Liang, jornalista especialista em Gerontologia, resenha a coletânea
“Velhices: perspectivas e cenário atual na pesquisa Idosos no Brasil”, publicada em 2023 pelas Edições Sesc São Paulo, com organização de
Celina Dias Azevedo. Como refere a autora da resenha: “A obra aborda o envelhecimento sob diferentes prismas, em múltiplos contextos, fazendo
uma costura entre os temas e deixando claro que é impossível pensar em uma única velhice, geral e homogênea, num país com as características do
Brasil, tanto socioeconômicas quanto culturais”.
Por fim, a revista apresenta o texto poético “A grande onda de calor de 2023”, de Ismar Tirelli Neto, e uma série de imagens que Fernando
Velázquez produziu por meio da utilização de IA, intitulada “Na Balsa de Caronte não há cinto de segurança”, ampliando as reflexões sobre a interseção
entre arte e tecnologia.
Esse conjunto de artigos e contribuições busca aprofundar a compreensão dos desafios, potenciais e implicações da inteligência artificial na produção,
apreciação e disseminação da cultura contemporânea.
Boa leitura!
Luiz Deoclecio Massaro Galina
Diretor do Sesc São Paulo
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