A expressão artística e o pensamento de criadores negros são fundamentais para a compreensão de uma arte brasileira
Por Maria Júlia Lledó
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Como foi possível a gente escrever uma arte brasileira sem a presença negra como protagonista em um país onde 56% das pessoas são negras?”, questiona Igor Simões, professor adjunto de história, teoria e crítica da arte na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Para Simões, não faz sentido estudar a história da arte produzida no país sem celebrar o trabalho de Mestre Valentim (Serro/MG, 1745-1813), Heitor dos Prazeres (Rio de Janeiro/RJ, 1898-1966), Ana das Carrancas (Petrolina/PE, 1923-2008), Rosana Paulino (São Paulo/SP) e tantos outros nomes. É a partir dessa premissa que a exposição Dos Brasis – Arte e Pensamento Negro, em cartaz a partir de 2/8 no Sesc Belenzinho, busca mostrar “que artistas negros sempre estiveram, estão e estarão presentes neste cenário, apontando para reflexões e traçando perspectivas do mundo onde vivemos”, segundo Simões, que é curador geral da mostra.
Composta por obras criadas por artistas negros entre o século 18 e os dias atuais, a exposição propõe superar a ideia de que a história se desenvolve numa sequência cronológica, que é feita de movimentos sucessivos. Segundo Igor Simões, esse “é um princípio eurocêntrico”. Seria possível afirmar, portanto, que a cultura não é feita de uma linha reta, por meio da qual um acontecimento vai, automaticamente, suscitando outro. “A nossa cultura é muito mais da ordem da constelação: muitas coisas acontecem simultaneamente, e quando a gente fala nas culturas de matriz africana, essa lógica ainda se acentua”, acrescenta Simões.
Para historiadores, antropólogos e outros estudiosos, é o campo das artes que reflete sobre o passado e o presente, mas sempre com um olho no que está por vir. No caso da exposição Dos Brasis, o curador geral destaca as maneiras pelas quais a arte “fala de como as nossas coletividades, em diferentes espaços da vida, foram formas de afirmação não só de existência, mas de todas as possibilidades de criação e invenção de um novo Brasil a partir das associações negras nas mais diferentes áreas”. E complementa: “acima de tudo, se existe uma pretensão nessa exposição, é acabar de vez com qualquer dúvida que recaia sobre a existência e a potência da produção negra brasileira. Não somos nota de rodapé, somos o tema que atravessa todos os capítulos do que se chama de arte brasileira”.
Centralidade do pensamento negro nas artes visuais brasileiras pauta exposição que deve circular por diferentes unidades do Sesc em todo o Brasil ao longo da próxima década
Em cartaz a partir do dia 2/8, no Sesc Belenzinho, a mostra Dos Brasis – Arte e Pensamento Negro celebra a arte produzida por criadores negros e sua contribuição estética na constituição de um pensamento sobre a arte brasileira – e sobre a própria ideia de um país. Para se chegar ao expressivo número de artistas negros que compõem a exposição – cerca de 240 no total – foram realizadas pesquisas em todas as regiões do Brasil, numa iniciativa do Departamento Nacional do Sesc com a participação de seus departamentos regionais em diferentes estados. A equipe curatorial, composta pelo curador geral Igor Simões e os curadores adjuntos Marcelo Campos e Lorraine Mendes, investigou obras, documentos em ateliês, portfólios e coleções públicas e particulares.
Após um programa de residência artística online, foram selecionadas centenas de obras em diversas linguagens, como pintura, fotografia, escultura, instalações e videoinstalações, realizadas por artistas negros de distintas origens, entre o fim do século 18 e os dias atuais. Dividido em sete núcleos – Romper, Branco Tema, Negro Vida, Amefricanas, Organização Já, Legitima Defesa e Baobá –, o espaço expositivo aglutina pensamentos de importantes intelectuais negros, a exemplo de Beatriz Nascimento (1942-1995), Emanoel Araújo (1940-2022), Guerreiro Ramos (1915-1982), Lélia Gonzalez (1935–1994), e Luiz Gama (1830-1882). Em cada núcleo, um acervo de obras de diferentes temporalidades, linguagens e estilos que dialogam com questões como tecnologias ancestrais e afrofuturismo.
Como explica Janaína Cunha, diretora de programas sociais do Departamento Nacional do Sesc, é importante pensar em um projeto como esse para a identificação e valorização de uma cultura que sistematicamente sofre tentativas de apagamento em todas as suas dimensões “Trazer uma exposição com tantos artistas, promovendo uma ocupação tão numerosa, serve como resposta [a esse cenário].” Por outro lado, segue Janaína, “esta exposição não é importante apenas para pessoas negras. O combate ao racismo, ou a pauta antirracista, diz respeito a todas as pessoas. Da mesma forma, entender o quanto o racismo estrutura nossa sociedade é uma questão que concerne a todo mundo que vive no Brasil. Conhecer mais profundamente a produção artística de autoria negra precisa estar mais acessível a toda população”, finaliza.
BELENZINHO
Dos Brasis – Arte e Pensamento Negro
Exposição coletiva com curadoria de Igor Simões, Lorraine Mendes e Marcelo Campos.
De 2 de agosto de 2023 (abertura às 18h) a 28 de janeiro de 2024.
Terça a sábado, das 10h às 21h. Domingos e feriados, das 10h às 18h. GRÁTIS.
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