Boxeadora Bia Ferreira aposta no topo do pódio nos Jogos de Paris 2024

29/06/2024

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Campeã mundial e medalhista olímpica, boxeadora Bia Ferreira reflete sobre a presença de mulheres no esporte e aposta no topo do pódio nos Jogos de Paris  

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

Leia a edição de JULHO/24 da Revista E na íntegra

Na infância em Salvador (BA), a coreografia de braços e pernas de Bia Ferreira imitava os movimentos do pai, o pugilista bicampeão brasileiro Raimundo Oliveira Ferreira, o Sergipe. Desde então, o fascínio pelo esporte foi amadurecendo. Apesar do apoio do pai, que passou a treinar Bia, sua mãe, a professora Suzana Moraes, precisou checar se aquilo era apenas um capricho ou se era para valer. “Minha mãe me disse: ‘É isso que você vai fazer? Então, você vai ter que ser boa’. Acho que sou boa no boxe e que valeu a pena”, reconhece a medalhista de prata em Tóquio 2020, campeã dos Jogos Sul-Americanos Cochabamba 2018, dos Jogos Pan-Americanos Lima 2019 e Santiago 2023, além do Mundial de boxe nas edições de 2019 e 2023.  

Neste mês, a atleta sobe ao ringue para lutar por uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, despedindo-se da trajetória nas Olimpíadas, mas não da carreira profissional. Referência para jovens atletas, a boxeadora celebra o reconhecimento das mulheres nesse esporte ao longo de sua trajetória. Até mesmo porque, no princípio, ela treinava apenas com homens e eram eles que estavam, predominantemente, no ambiente das competições. “Hoje, há mais atletas e mulheres em outros papeis de destaque na equipe, mas ainda há muito a conquistar. A gente está na briga e não sossegou, mesmo nesses Jogos 2024”, destaca a boxeadora, referindo-se a esta edição histórica dos Jogos Olímpicos, marcada pela inédita igualdade numérica entre atletas homens e mulheres.     

Empenhada em trazer para o Brasil a medalha de ouro – depois da sua estreia nos Jogos de Tóquio 2020, onde conquistou o segundo degrau do pódio –, Bia Ferreira arrisca dois palpites: a disputa final em Paris será com a irlandesa Kellie Harrington, e a brasileira trará a medalha dourada para casa. Neste Encontros, a boxeadora revela como estão os preparativos e expectativas para a participação nos Jogos de Paris 2024 e reflete sobre os desafios que enfrenta junto a outras atletas no mundo dos esportes. 

 
FILHA DE PEIXE 

Acho que fui sortuda por ter um pai que entendia do esporte, que pôde me direcionar. Não sei como cheguei a me interessar pelo boxe, mas acredito que tenha sido por assistir ao amor e dedicação que meu pai tinha ao esporte. Às vezes, eu não entendia porque ele não comia com a gente, não bebia água com a gente. Eu o via treinando e pensava: “Nossa! Por que ele gosta de fazer isso?”. Conforme fui crescendo, eu fui entendendo: para a gente que gosta, que se dedica a ser atleta de alto rendimento, não é sacrifício. Compensa quando a gente sobe no ringue, quando se apresenta bem e está no alto do pódio. É gratificante. Ter meu pai ali como referência, como exemplo, foi muito glorioso na minha trajetória. Meu pai não teve tanta oportunidade como eu tive. Vendo o que ele viveu, eu sabia que era muito difícil. Quando foi a minha vez, eu falei: “Meu pai não teve isso, e agora eu tenho que agarrar com unhas e dentes”. Todas as oportunidades que me deram, eu aproveitei da melhor forma possível, porque eu já tinha um exemplo de como não era fácil. Eu falava que esse negócio de pai treinador não era legal, mas hoje eu digo que não poderia ter escolhido um pai melhor que um pai treinador. Ele me ensina muita coisa até hoje. 

 
PRIMEIRA OLIMPÍADA 

Nos Jogos do Rio 2016, fiz parte da seleção brasileira como reserva da Adriana [Araújo]. Até então, não sabia o que era ser uma atleta de alto rendimento. Mas convivendo com grandes nomes da seleção, tive uma noção. Participar do programa, vivenciar o que eram os Jogos Olímpicos, conhecer as pessoas que trabalham ali foi surreal. Foi quando virou a chave: “Quero participar dos Jogos, ver meu nome ali e representar a minha nação”. Cumpri minha palavra e estive nos Jogos de Tóquio 2020. A gente não pode se contentar em só participar, tem que botar o nome no livro. Então, fui para Tóquio com o pensamento de ser campeã. Por alguma obra do destino, não foi isso que planejaram para mim. Me desafiei lá mesmo, “não aceitando a minha medalha de prata” – uma medalha muito amada, claro –, mas eu quero a mãe de todas, a dourada. Depende muito do sorteio das disputas, mas se depender da equipe brasileira, a gente vai ter muito mais do que quatro medalhas. Quem sabe duas de ouro para fazer todo mundo rir à toa.  

EQUIDADE DE GÊNERO 

A gente está na briga, não sossegou, mesmo nesses Jogos de Paris 2024, que vão ser da igualdade [no número de atletas homens e mulheres]. Acho que ainda tem que ter mais oportunidades para as mulheres. A gente tem uma treinadora na equipe olímpica, nunca teve, é a primeira vez que ela está trabalhando com a gente. Isso faz a diferença. É bom ter uma referência feminina para você ficar mais à vontade, mais confortável. Eu acredito que, daqui para frente, vão ter outras treinadoras. Temos nutricionista e psicóloga também, e isso está mostrando que as mulheres querem estar ali, presentes com as atletas de alto atendimento. A gente tem que brigar para quebrar esse preconceito, quem sabe até ter uma mulher presidente da confederação brasileira. 

ESTOU BEM CONFIANTE DE QUE A GENTE CONSIGA MAIS MEDALHAS PARA PODER TRAZER MAIS ATLETAS MULHERES DE ALTO RENDIMENTO AO NÍVEL MÁXIMO

ALTOS E BAIXOS 

Ser atleta de alto rendimento tem seus altos e baixos, mas a gente não pode desistir. Em uma fase ruim, a gente tem que saber o porquê daquela fase e tirar o positivo dela – parece clichê, mas não é. No meu primeiro campeonato mundial, perdi na segunda luta para uma atleta de quem eu tinha ganhado há menos de um mês. Na época, eu me lembro de muita gente falar: “Você já é campeã mundial, é a melhor, não tem ninguém para você”. E quando eu perdi, sumiu todo mundo. Foi o primeiro baque da minha carreira, nunca vivi aquilo. Eu soube separar quem era quem porque muitas máscaras caíram naquele momento. Me vi um pouco perdida. Mas luta é luta: você treinou, seu adversário treinou, e acontece. É normal. Só que você não pode se contentar com a derrota. Eu não aceito derrota: tenho tantas vitórias que não consigo contar, mas derrotas, eu tenho oito. Falo que vou perder pouco para poder memorizar. Hoje, sei que é normal ter altos e baixos, não é o fim do mundo. A gente tem que tirar o aprendizado daquela situação. 

CARREIRA HÍBRIDA 

A gente acha que é o mesmo esporte, o mesmo treino, mas não é. Estou curtindo treinar boxe profissional, só que é bem cansativo. Estou me despedindo dos Jogos Olímpicos e tentando um desafio novo. Eu não tinha em mente ir para o profissional, e veio essa oportunidade bem legal, porque no Brasil, infelizmente, o boxe profissional não é tão valorizado. No meu caso, vi que era uma empresa de fora e que eu ia ter uma estrutura. Então, por que não? Mantive minha equipe, treino com a minha equipe olímpica, o mesmo treinador, e acho que isso me ajudou, mas ainda é bem complicado. Por exemplo, equipamento: diferentemente do olímpico, a gente não usa protetor de cabeça no profissional. Outra coisa: no olímpico, a gente acaba fazendo mais lutas. No profissional é uma luta só, porque o desgaste do corpo é surreal. Estou gostando de fazer os dois, e isso não seria possível se eu não tivesse essa parceria com a equipe olímpica, com a CBBoxe [Confederação Brasileira de Boxe], se eles não tivessem me apoiado. Já estou finalizando a trajetória olímpica, e aí vou focar no profissional, mostrando que outros atletas podem fazer essa carreira híbrida também.  

DEPOIS DE PARIS 

Vou dar mais ênfase à minha carreira profissional. Já tenho um título mundial, faltam mais três na minha categoria [peso leve, até 61 kg]. Também quero fazer história: depois desses quatro títulos, quero descer uma categoria e juntar mais quatro títulos. Fico com oito cinturões e encerro a carreira. Esse é o plano, sei que pode mudar, mas é o que tenho em mente. Depois disso, quero continuar trabalhando no esporte, não sei de que maneira, se na CBBoxe ou em casa, mas quero retribuir, ajudando outras atletas. Porque o começo é bem difícil. Por mais que eu tenha nascido em uma família que entendia o esporte, foi difícil para mim também. Tive que trabalhar para poder comprar equipamentos e treinar até conseguir vitórias. Eu não tinha bolsa. É muito difícil se manter assim. Então, quero ajudar essa galera que não tem apoio, porque muitos atletas bons a gente acaba perdendo. Neste momento, uma atleta não tem estrutura mental e física para fazer escolhas e, às vezes, desistir é a opção mais fácil. Então, quero ajudar outros atletas para que sonhem, assim como eu, em participar e conquistar uma medalha olímpica. Quero dar esse empurrãozinho. 

ATÉ O FIM 

Tem muita gente boa aí que só falta acreditar em si, e que às vezes escuta algumas coisas de outras pessoas que na verdade estão morrendo de inveja. Nunca se contente com “não” e nunca duvide de você. Você tem que ajudar seu sonho a se realizar. Muita gente fala que tive sorte, mas eu treino todos os dias, em dois períodos, desde quando me entendo por gente. Eu treino duro. Até aos domingos, que é folga, corro meus 10 km. Aí, quando a pessoa fala que eu tenho sorte, respondo: “Eu ajudo a minha sorte a ter sorte todos os dias”. Então, acredite até a luta acabar. O [boxeador] Hebert Conceição é a prova disso: a luta só acaba quando ela termina. Ele foi campeão olímpico perdendo, e nos últimos instantes da luta, fez um nocaute. Portanto, só se entregue quando não der mais. Fora isso, fique na luta e acredite até o fim.   

Ouça a íntegra da conversa com Bia Ferreira, que esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 24 de maio de 2024. A mediação do bate-papo é da educadora física Thaís Monteiro da Silva, supervisora do núcleo físico-esportivo do Sesc Santo André. Foto: Jonne Roriz / COB.

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