Por Barbara Martins e Carla Cardoso*
Em todos os tempos o brincar se manifesta na infância como uma forma de expressão e de estar no mundo. Quem tem a oportunidade de estar próximo às crianças percebe que, apesar da complexa realidade que vivemos com a pandemia, elas continuam brincando. Partilhando dessa percepção, o Sesc participa de mais uma edição da Semana Mundial do Brincar. Dessa vez, atividades presenciais dão lugar a ações virtuais, que convidam o público a aproveitar o ambiente da casa para brincar, e chama adultos a refletir sobre esse ato no contexto atual.
Qual a sua memória mais antiga do brincar? Quem se lembra das brincadeiras com os irmãos e irmãs, primos e primas ou com a criançada que morava na mesma rua de casa? Quem se lembra de rolar na lama, coletar mamonas como munição, preparar inúmeros pratos com folhas, terra e sementes ou também se aprumar com as pétalas de flores nas unhas? Teve ainda quem embarcou em mares ou viajou a planetas sem ao menos sair de dentro de uma caixa de papelão, fez o cabelo crescer com uma toalha enrolada na cabeça, criou casas, castelos e cabanas apenas debaixo de um lençol.
São tantas lembranças que nos remetem à uma época regada de tempo e espaço para brincar. O brincar é a linguagem universal da infância e, desde o início de nossas vidas, nós já estamos brincando, nosso corpo é o nosso primeiro brinquedo. Observando bebês, percebemos quando eles descobrem suas mãos, seus pés, os sons produzidos pela boca. Até que começam a interagir com os objetos e os adultos ao seu redor, em grandes descobertas sensoriais. Depois, um pouco mais crescidos, entram num mundo de faz de conta, é o jogo simbólico, percebendo o outro na brincadeira. Agora, já não estão mais sozinhos nesse universo lúdico, seja acompanhados ou não, sua imaginação já permite que se transformem no que quiserem e que brinquedos e outros elementos ganhem vida.
Se não podem brincar lá, por causa da atual pandemia, brincam aqui. Se não podem brincar assim, brincam “assado”. Quando a sociedade global se vê obrigada a se reinventar para resistir, a encontrar novas formas de fazer, de ser e de estar, nos damos conta de que a criança sempre esteve reinventando a si e ao mundo. A sua potência criativa genuína sempre as moveu a encontrar novas formas de se relacionarem consigo mesmas ou com o outro. Que o digam as panelas que, apesar dos brinquedos de última geração, teimam em serem transformadas em tambor. Que o digam os dentes de leão que, apesar do presente novinho, são invariavelmente assoprados na brincadeira que atravessa gerações. As crianças, e as suas formas de ser e estar no mundo, nos dizem muito sobre como olhar para esse mesmo mundo, nesse momento e daqui para frente. Assim como pedem para que zelemos pelas suas formas de ser e de estar no mundo, genuínas e de direito, nesse novo contexto, dentro de casa.
Entre 23 e 31 de Maio de 2020 acontece mais uma edição da Semana Mundial do Brincar, uma iniciativa da Aliança pela Infância, que conta com a participação do Sesc São Paulo desde 2013. Este ano, a Semana tem como tema “Brincar entre o Céu e a Terra”, chamando atenção para a importância de se cultivar o devaneio e a imaginação da criança para que ela possa ser e estar no mundo com criatividade e singularidade. A edição homenageia ainda os 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, convocando os adultos para a discussão acerca do brincar enquanto direito da criança.
A realidade que enfrentamos com a pandemia, no entanto, pede que o evento se dê de uma forma alternativa à habitual. Respeitando as atuais recomendações de distanciamento social, atividades presenciais darão lugar à ações remotas. Alinhado com esses princípios e formatos, o Sesc participa da Semana Mundial do Brincar, trazendo uma programação virtual na qual convidados(as), educadores e educadoras da instituição propõem atividades para crianças, bebês e suas famílias e debatem sobre o brincar nesse novo contexto.
Na unidade do Sesc em Guarulhos, as educadoras de referência do programa socioeducativo Espaço de Brincar sugerem duas atividades que podem ser realizadas em casa, com materiais disponíveis, aproveitando ao máximo o que o ambiente doméstico tem para oferecer. O Jogo das Caixas sugere a exploração de um material ao mesmo tempo muito simples e com inúmeras possibilidades: caixas de papelão. De base para ambientação ou construção de brinquedos, a suporte para a exploração sensorial dos pequeninos, as caixas são apresentadas como um recurso versátil que estimula a criatividade de diversos brincantes e rende incontáveis brincadeiras. Já o Jogo Imaginatórias sugere uma brincadeira com objetos do dia-a-dia da casa, que possam ser manuseados com segurança pelas crianças. Que adulto nunca testemunhou, intrigado, a predileção de uma criança por um objeto absolutamente simples como, por exemplo… um pegador de gelo? Ou então a ressignificação desse mesmo pegador de gelo como… um jacaré? Ou então as narrativas que começam a surgir associadas a esse jacaré fantástico? As Imaginatórias propõem a criação de histórias em família a partir de objetos cotidianos e do que nossa imaginação enxerga e escuta neles.
Compondo ainda a programação da unidade para a Semana Mundial do Brincar, no vídeo Brincar na Quietude, a brincante Selma Maria nos fala sobre o brincar que surge dos momentos de pausa e escuta de si, e sobre a invenção de mundos que a criança opera. A partir da iniciativa Circo na Laje, na qual Selma monta um circo na laje de sua casa e se comunica com as casas da vizinhança, convidando crianças e adultos a brincarem de suas próprias casas, uma série de divertidos jogos com palavras e objetos nos são apresentados, assim como é tratado o processo por meio do qual objetos que estão no mundo e elementos da natureza se tornam brinquedos nas mãos das crianças, no ato mesmo de brincar. Afinal, como nos traz Selma, brincar é vínculo. Brincar é se relacionar, com o outro e com o mundo.
E mais importante que qualquer brinquedo ou atividade sugerida na internet, é permitir que o ato de brincar aconteça. Vamos permitir que as crianças possam explorar, descobrir, reinventar, construir, criar e sentir cada brincadeira. Se pudéssemos destacar uma prática primordial para esse grande evento sobre o brincar, seria a de se permitir tempo, olhar e escuta. Vamos aproveitar para estarmos juntos nesse momento, seja observando, entrando na brincadeira ou oferecendo o que tivermos para que elas possam brincar. A infância cria memórias que jamais serão esquecidas.
*Barbara Martins Sampaio da Conceição é artista da cena, arte-educadora e educadora de atividades infantojuvenis do Sesc.
*Carla Gonçalves Cardoso é pedagoga com especialização em infância, educação e desenvolvimento social e educadora de atividades infantojuvenis do Sesc.
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