Os Satyros celebram 35 anos em cena, persistindo num trabalho autoral, provocativo e atento às contradições humanas e às questões sociais da metrópole
POR LUNA D’ALAMA
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A história da Cia. de Teatro Os Satyros está intimamente ligada à Praça Roosevelt, no Centro de São Paulo. Mas o grupo, fundado em 1989 pelo curitibano Ivam Cabral e o paulistano Rodolfo García Vázquez, teve outras sedes até se estabelecer na região. No início dos anos 1990, os dois se mudaram para a Europa e basearam a companhia em Lisboa, Portugal. Em 1997, começaram a trabalhar em Berlim, na Alemanha, empreitada que durou uma década. Também mantiveram, em paralelo, uma unidade em Curitiba, até 2010. “A gente abriu a sede na Roosevelt em 2000 e ressignificou esse espaço público com gente, toque, abraço, afeto. O Centro era um lugar deteriorado, inabitável, mas vimos ali muito potencial. Viramos uma espécie de guardiões da praça”, lembra o ator, dramaturgo, diretor e cineasta Ivam Cabral.
A partir da experiência dos Satyros, outras companhias teatrais chegaram à Roosevelt, como os Parlapatões, em 2006. O grupo também encabeçou a criação da Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap) e da SP Escola de Teatro, além de ser responsável pelo renascimento do Cine Bijou, em 2022. Ao longo de 35 anos em cena, os Satyros têm impactado a região do ponto de vista artístico, pedagógico, urbanístico e social.
Entre os trabalhos mais recentes do grupo, estão As Bruxas de Salem (2023) e A Casa de Bernarda Alba (2024), último texto escrito pelo espanhol Federico García Lorca (1898-1936). Com uma estética gótica e vários efeitos visuais, Bernarda Alba esteve em cartaz, entre julho e agosto, no Sesc 14 Bis, e até 10 de novembro será apresentada no Espaço dos Satyros, com sessões de quinta a domingo. Segundo Cabral, as mais de 140 peças já montadas pelo grupo trabalham questões como liberdade, transgressão e alteridade. “Buscamos falar e pensar sobre as possibilidades e contradições do ser humano. Propomos o difícil exercício de se colocar no lugar do outro, de sentir sua dor, de enxergá-lo de fato, para que o mundo em que esse outro vive seja visto e reconhecido. Os tabus, os diferentes e os incoerentes fazem parte da nossa essência”, analisa Cabral, que também é diretor executivo da SP Escola de Teatro.
De acordo com o escritor e crítico literário e teatral Marcio Aquiles, que organizou o livro Os Satyros: teatricidades – experimentalismo, arte e política (Edições Sesc São Paulo, 2024) [leia mais em Teatro na cidade], o grupo tem uma estética própria, influências underground e uma radicalidade explícita, provocante. “Além disso, eles trabalham diversas linguagens, sempre com uma ótica social, sobretudo acerca de pessoas que vivem na marginalidade. Há peças trágicas, farsas, textos épicos, performáticos, commedia dell’arte, simbolismo, expressionismo, teatro digital, ciborgue, decolonial, críticas sociais alegóricas e questões de matrizes identitárias”, elenca Aquiles. Isso sem falar no braço cinematográfico do grupo, a produtora Satyros Cinema, que lançou os filmes Hipóteses para o amor e a verdade (2015) e A filosofia na alcova (2016). Aquiles acrescenta que a atuação dos Satyros se baseia num tripé de trabalho colaborativo, horizontalizado, de preocupação com processos pedagógicos e de aterramento histórico, conectada com pautas do seu tempo e da sua geografia. “Eles vivem naquele território e se apropriam dele”, pontua o crítico.
Aquiles ressalta, ainda, que o grupo paulistano é, assumidamente, influenciado pelo Teat(r)o Oficina. Mas, enquanto a trupe criada por José Celso Martinez Corrêa (1937-2023) é mais festiva, carnavalesca e dionisíaca, Os Satyros trilham um lado trágico, obscuro – com destaque para a Tetralogia Libertina, baseada na obra do Marquês de Sade (1740-1814). “O grupo tem, ainda, um lado de transformação social muito forte”, explica o autor, ao citar casos de pessoas marginalizadas do entorno, que tiveram a chance de atuar como técnicos de sonoplastia, iluminação e cenografia nas montagens dos Satyros. Entre os projetos de oficinas oferecidos pela companhia, estão o Lab (para o público em geral), o Teens (para adolescentes e jovens) e o Silenos (para pessoas idosas). “Os Satyros são um grande representante do teatro de grupo no Brasil, com muita inventividade, renovação, amadurecimento e uma voz bem autoral. Ninguém ali tem medo de ousar”, conclui.
TEATRO NA CIDADE
Livro publicado pelas edições sesc são paulo registra memórias da companhia teatral marcada pela liberdade, transgressão e alteridade
Lançado neste ano pelas Edições Sesc São Paulo, o livro Os Satyros: Teatricidades – experimentalismo, arte e política traz uma série de reflexões sobre as práticas e atividades do grupo sediado na Praça Roosevelt, no Centro de São Paulo. Organizada pelo crítico de arte Marcio Aquiles, a obra aborda o impacto dos Satyros não apenas na cena teatral, mas na vida social da metrópole. Imagens selecionadas de espetáculos e trechos de críticas jornalísticas complementam os textos de Kil Abreu, Marici Salomão, Miguel Arcanjo Prado, Guilherme Genestreti, Beth Lopes, Silas Martí e do casal estadunidense Dana e Ricky Young-Howze. Entre os temas abordados pela publicação, estão: teatro de grupo, teatro digital, cinema, dramaturgia no Brasil, representação cênica e representatividade social, trabalhos com atores não profissionais, ações formativas e pedagógicas, além de questões urbanísticas da Praça Roosevelt.
O organizador Marcio Aquiles revela que Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, fundadores dos Satyros, colecionam mais de 30 pastas com reportagens e críticas de jornais (nacionais e estrangeiros), publicadas desde 1989. Vários desses materiais foram, então, digitalizados, transcritos, traduzidos e atualizados, num processo que levou cinco anos. “E aí convidamos pessoas que têm conexão afetiva com o grupo e também são especialistas em suas respectivas áreas”, conta Aquiles. Para Iã Paulo Ribeiro, gerente das Edições Sesc São Paulo, a publicação contempla mais de três décadas de experimentações artísticas dos Satyros. “Essa obra tem a potência de, por meio do palco, alcançar uma praça de identidades sui generis e de sociabilidades que inspiram a criação de novas e novos personagens. Tais práticas retornam ao espaço cênico sob a forma de reflexões que só um teatro essencialmente aberto ao social pode conceber”, enfatiza.
EDIÇÕES SESC SÃO PAULO
Os Satyros: teatricidades – experimentalismo, arte e política (2024)
Marcio Aquiles
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