Foto: Mar Franz Rocha.
Organizar caronas solidárias, juntar os vizinhos para montar uma horta comunitária, fazer um mutirão para recuperar a praça onde as crianças brincam durante a tarde. Ações coletivas e rotineiras capazes de gerar benefícios para a comunidade a sua volta. Essa busca, segundo o historiador Célio Turino, do Instituto Casa Comum (ICC) – organização não governamental dedicada a projetos em áreas como cultura, meio ambiente e desenvolvimento social –, está na gênese do povo brasileiro. “Está no Motirô dos povos Tupi e Guarani, quando as pessoas se juntavam para a realização de trabalhos comuns, está em Palmares, quando indígenas ensinavam os escravizados que se revoltavam a viverem nos territórios da nova terra”, exemplifica.
Neste século, a atuação de indivíduos e coletivos em prol de transformações positivas para a sociedade ganha ainda mais força. Seja pela maior proximidade e convivência nas cidades, seja pela conscientização de que os bens naturais são finitos, já que o modo de vida dominante gera agressões ambientais. “No comunitário e no ancestral, a obtenção e a administração dos recursos materiais e humanos estão diretamente vinculadas aos processos de vida, ao sistema de valores (ética) e à expressão desses valores (estética)”, pondera Turino, que estará presente na 10ª Conferência Internacional de Educação Ambiental e Sustentabilidade, realizada neste mês no Sesc Sorocaba (leia boxe Viver em interação). A conferência integra o projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo, realizado pelo Sesc neste mês, por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho (leia mais no boxe Viver em interação).
Afinal, “não é nosso direito reduzir as chances e oportunidades de nossos pequenos e daqueles que virão”, enfatiza Flávia Cremonesi, coordenadora do Centro de Educação Ambiental da Fundação Julita, iniciativa que desde 1993 realiza projetos voltados para crianças, adolescentes, jovens e idosos em vulnerabilidade social no bairro Jardim São Luís, Zona Sul de São Paulo.
A seguir, histórias de projetos realizados em diferentes regiões e realidades, a partir da iniciativa de pessoas comuns que, com atitude e trabalho coletivo, buscaram novos modos de viver sustentáveis, mudando a realidade em seu entorno e também a relação da comunidade com o meio ambiente.
Nossas Águas
Ele nasce no alto da Serra do Mar em Biritiba-Mirim e deságua no Canal de Bertioga, praticamente no mar. Principal fonte de abastecimento de água de Bertioga, litoral norte de São Paulo, o rio Itapanhaú uniu a população da região em um movimento pela sua preservação. Até que depois da notícia de avanços no projeto de transposição do rio, em janeiro do ano passado, um coletivo de educadores que vinha se reunindo desde 2016 criou o Movimento Salve o Rio Itapanhaú. “Formamos dois grupos no WhatsApp, criamos uma página do movimento no Facebook e realizamos ações de educação com a população nas ruas. Como resultado, conseguimos colocar 1.500 pessoas na Rodovia Rio-Santos no dia 27 de janeiro de 2018”, recorda o historiador Cadu de Castro, um dos participantes do movimento.
Desde então, o Salve o Itapanhaú realiza atividades de educação ambiental nas escolas locais e em espaços públicos da cidade, além de organizar o Festival das Águas – evento composto de palestras, oficinas e intervenções artísticas em Bertioga. “As ações coordenadas pelo movimento sensibilizaram e instrumentalizaram a população sobre o que é a transposição (do rio), quais os motivos dos interessados e quais as consequências na vida dos moradores da região”, explica Cadu. Como resultado da ação, ele destaca uma pesquisa recente encomendada pela Prefeitura Municipal de Bertioga que apontou que 75% da população bertioguense é frontalmente contra a transposição.
ENERGIA DO COLETIVO
Contrariando estatísticas e manchetes, um dos bairros que já foram considerados mais perigosos de São Paulo reinventa-se graças aos próprios moradores. Na Zona Sul de São Paulo, no Jardim Ângela, o grupo musical Poesia Samba Soul criou o Instituto Favela da Paz, espaço que atua em prol de uma cultura de paz e de oportunidades para crianças e jovens por meio de oficinas e cursos nas linguagens da arte, tecnologia e ecologia.
Com mais de 20 anos de atuação, o instituto foi regulamentado em 2010 após uma viagem a Portugal e Colômbia feita por integrantes do grupo. Com a missão de “servir para o mundo que sonhamos” – frase fixada na parede da sede da organização, e que antes era apenas a casa dos irmãos e músicos Cláudio e Fábio Miranda –, o local abriga um estúdio de música, laboratório e outros espaços para oficinas. Entre as iniciativas, está o projeto Periferia Sustentável, cujo foco está no desenvolvimento de tecnologias sustentáveis.
“Tive a oportunidade de ir para Tamera, uma ecovila no sul de Portugal, onde trabalham a cultura de paz e pesquisam sobre novas tecnologias. Lá me identifiquei com os ensinamentos sobre energia solar, captação de água de chuva e sistema de biodigestão”, afirma Fábio, que coordena o projeto.
É ele quem ministra palestras e workshops sobre sistemas de geração de energias renováveis, captação de água de chuva, sistema de biogás como fonte geradora de gás de cozinha e reutilização do lixo orgânico. “O que almejamos é ampliar e deixar nossas ações disponíveis para mais pessoas porque a gente pode viver de uma forma mais humana e sustentável”, arremata.
Foto: Álvaro da Silva Júnior.
DOMINGO NO PARQUE
Durante aproximadamente 40 anos, um terreno com resquícios de Mata Atlântica no Centro de São Paulo foi adotado por passantes e moradores locais que cuidavam e usufruíam do espaço. De maneira orgânica e coletiva nasceu o Parque Augusta. Palco de encontros e trocas, o espaço foi alvo de um embate entre empresários e outros interessados em construir ali empreendimentos privados. Até que a mobilização da população mudou o final da história.
Em 2013, o Movimento Parque Augusta passou a se estruturar como organismo aberto à participação da sociedade civil, com assembleias semanais e ações pela internet, de acordo com Daniel Barros Scandurra, um dos porta-vozes da iniciativas. “Ganhamos força com a criação de dois principais objetivos: desapropriação do terreno de forma não onerosa aos cofres públicos, e viabilização de um parque público pautado em práticas de autogestão, com participação assídua da comunidade na criação e cultivo do local”, conta.
No começo deste ano, o movimento celebrou a primeira conquista, quando foi firmado um acordo que colocou em prática um novo instrumento jurídico chamado Transferência de Potencial Construtivo. Ou seja, as construtoras ganharam crédito imobiliário para construírem em outros terrenos em troca de ceder o terreno do Parque Augusta para a administração pública.
Para alcançar o segundo objetivo – um parque pautado em práticas de autogestão com participação da comunidade –, foram realizados ao longo dos últimos seis anos assembleias e fóruns que culminaram no conceito “Canteiro Vivo”, que, hoje, reúne as iniciativas de autogestão para o parque. “Esse nome resume bem a proposta. Une a ideia de canteiro de obras com canteiro de plantas, a criação de um parque com organicidade vívida, como uma oficina aberta para outra cidadania, hortas comunitárias, viveiros de mudas, espaço para reuniões, atividades culturais, espaço para cozinha comunitária e afins”, explica Scandurra.
Foto: Mar Franz Rocha.
JOVENS SEMENTES
Desde a criação, em 1951, pelo produtor de café Antônio Manoel Alves de Lima, a Fundação Julita desenvolve ações em prol dos moradores do Jardim São Luís, Zona Sul de São Paulo. Naquela época, o objetivo principal era abrigar famílias de migrantes rurais no modelo de cooperativa. Até que há 26 anos, o estatuto da fundação foi reescrito para atender novas demandas dessa região, considerada uma das mais violentas da cidade. Com o novo Estatuto Social, a fundação passou a beneficiar um público na faixa de quatro meses a 60 anos de idade, em vulnerabilidade social. Diariamente são atendidas cerca de 1.200 pessoas.
O projeto Os Quatro Elementos na Educação Socioambiental, realizado pelo Centro de Educação Ambiental da Fundação Julita, é fundamentado e orientado pela permacultura [termo cunhado por cientistas australianos no fim dos anos 1970, para se referir à compreensão da ecologia, ao bom uso de energias e de bens naturais]. São brincadeiras, momentos de contemplação, sensibilização e estudo, bem como mutirões em que são construídas práticas sustentáveis de baixo custo como alternativa aos problemas ambientais da comunidade. Tais como cisterna, canais de infiltração de água, composteira, hortas e biodigestor.
“A aplicação desse projeto de forma sistêmica e integrada já traz resultados muito relevantes para a comunidade, como o respeito às diversas formas de vida. São sujeitos com mais autonomia, observadores, propositivos, criativos, críticos, esclarecidos sobre a micro e macro política socioambiental”, observa Flávia.
Viver em interação
Reflexões, oficinas, exibição de filmes e outras ações voltadas ao cuidado com o ambiente e as pessoas
No mês em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), o Sesc São Paulo propõe reflexões, trocas de ideias e experiências sobre temas socioambientais em uma programação especial que integra o projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo. Iniciativa criada em 2012, vinculada ao programa permanente de Educação para a Sustentabilidade da instituição realizado de forma regular nas unidades, o projeto reúne cerca de 200 atividades das mais diversas linguagens.
São oficinas, debates, cursos, performances, espetáculos, exposições, exibições de filmes, atividades para as crianças, entre outras ações em 40 unidades do Sesc na capital, interior e litoral de São Paulo. Atividades cujo objetivo é identificar iniciativas que conciliem aspectos sociais, econômicos, ambientais e culturais nos seus modos de vida, produção e trabalho.
Também faz parte dessa programação a 10º edição da Conferência Internacional de Educação Ambiental e Sustentabilidade – O Melhor de Ambos os Mundos, entre os dias 12 e 15/6, no Sesc Sorocaba. Primeira unidade do Sesc São Paulo a receber a certificação Leed – Leardership in Energy and Environmental Design (Liderança em Energia e Design Ambiental), o Sesc Sorocaba é considerado um “prédio verde”, ou seja, uma edificação que contempla em seu projeto arquitetônico diversas tecnologias sustentáveis.
“As temáticas socioambientais compõem uma importante agenda, especialmente em razão da complexidade dos dilemas da vida contemporânea e de suas consequências para as sociedades atuais e vindouras”, enfatiza Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo. Em face desse desafio, complementa, “o Sesc atua na perspectiva dos processos de educação para a cidadania, valorizando o debate em torno dos direitos e deveres do cidadão, como forma de encontrar caminhos e respostas diante da complexidade dessas questões”.
Confira destaques na programação do projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo:
SOROCABA
10ª Conferência Internacional de Educação Ambiental e Sustentabilidade – O Melhor de Ambos os Mundos
Nesta edição, a conferência abordará o tema Modos de Viver Sustentáveis, com destaque para as formas de convívio que congregam as dimensões sociais e ambientais, considerando as especificidades econômicas, políticas, culturais, étnicas, territoriais e as diferentes visões de mundo. Para isso, a programação será dividida em três eixos: O Estado da Terra: entre a Terra e o Território; Como Ser Comunidade? Práticas de Intervenção Socioambiental; e ainda Futuro Fora do Tempo: Ética e Saberes como Caminhos para o Bem Comum. Esses temas nortearão palestras e debates com nomes como Manish Jain, Antônio Nobre, Sonia Guajajara e Célio Turino. A conferência é uma parceria com a ESALQ-USP – Laboratório de Educação e Política Ambiental (OCA) e a Universidade Federal de Alfenas (de 12 e 15/6).
VILA MARIANA
O encontro fomenta o diálogo e a conexão das iniciativas sustentáveis da região, como horta comunitária, alimentação saudável, empreendedorismo e produtos sustentáveis. Com a facilitadora Lara Freitas, arquiteta urbanista, mestre em gestão urbana e permacultora, cofundadora e coordenadora do Programa Ecobairro (16/6, das 11h às 14h).
IPIRANGA
Articulação de Agentes Socioambientais Territoriais
Promovida pelo Programa Carta da Terra em Ação, a atividade dialoga com o território, colaborando na articulação dos agentes socioambientais e na aproximação de parceiros para criar ações efetivas e duradouras. Com o Instituto UMAPAZ (de 8/6 a 20/7, das 9h às 16h).
SANTO ANDRÉ
Técnicas de Captação de Água da Chuva
Neste curso com Sossé Amandy, os participantes vão aprender um dos métodos mais eficientes para a reutilização de recursos naturais. No dia 8/6, o coletivo mostra como construir uma cisterna. E, no dia 9/6, haverá um mutirão para instalação de uma cisterna em uma escola estadual da região (dias 8 e 9/6).
Foto: Periferia Sustentável.
INTERLAGOS
Energias Renováveis na Periferia e Construção de um Biodigestor de Baixo Custo
Neste curso ministrado por Fabio Miranda, do projeto Periferia Sustentável (Instituto Favela da Paz), o público conhecerá o processo de implementação de sistemas de energias renováveis em comunidades periféricas e aprenderá a construir um biodigestor, aparato que usa resíduos orgânicos para produzir biogás e biofertilizante (dias 22 e 23/6).
Foto: Bruno Rezende.
AVENIDA PAULISTA
Cataki: Experiência e Criação de um Aplicativo
Neste bate-papo com Henrique Ruiz e o artista Mundano, os participantes vão saber como foi o passo a passo do processo de criação do aplicativo Cataki, que recebeu em maio um prêmio global de impacto social na Holanda. O app é uma extensão do projeto Pimp My Carroça, focado em inclusão social, sustentabilidade e economia solidária (dia 19/6).
Foto: Julhina Costal.
SANTO AMARO
Agroecologia Urbana: Caminhos para uma Vida Mais Sustentável nas Cidades
Nesta série de encontros, Julhiana Costal da ArboreSer propõe um bate-papo sobre maneiras simples e práticas de produzir hortas caseiras de baixo custo. Ela também falará sobre cultivo em recipientes alternativos, técnicas de plantio de baixa manutenção e Panc – Plantas Alimentícias Não Convencionais (de 4 a 25/6).
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