Pra cego ver: Foto horizontal colorida. A arquiteta Silvana Cambiaghi. Silvana é uma mulher cadeirante, branca, de meia idade, com cabelos castanho com algumas mechas alouradas. Ela usa uma blusa preta de mangas compridas e um colete de camurça marrom claro com gola de textura de lã de ovelha, branca. Ela sorri para a câmera. Ao fundo, seu escritório com dois computadores nos quais há um projeto de uma casa. Fim da descrição. Foto: Acervo pessoal
Como parte da Semana Modos de Acessar, que aconteceu de 3 a 10 de dezembro de 2022, conversamos com a arquiteta especialista em Arquitetura com Desenho Universal, Silvana Cambiaghi.
Uma cidade acessível passa também por uma arquitetura acessível, chamada também de Arquitetura com Desenho Universal. A Semana Modos de Acessar de 2022 tem como tema Cidades Acessíveis – de casa para a rua. Para nos ajudar a compor conceitualmente os conteúdos do projeto, convidamos a arquiteta Silvana Cambiaghi. Ela nos auxiliou a criar o folder do projeto, composto por 7 verbetes sobre como tornar as cidades mais acessíveis para as pessoas.
Silvana é mestre em Desenho Universal pela Faculdade de Arquitetura da USP (FAU-USP). É também fundadora da Comissão Permanente de Acessibilidade de São Paulo (CPA), membra do grupo de trabalho da revisão da NBR no 9050 e demais Normas Técnicas de acessibilidade da ABNT, entre outras realizações e colaborações na área da acessibilidade. Ganhou o 22º Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira em 2008 com a primeira edição do livro, “Desenho Universal: Métodos e Técnicas para arquitetos e Urbanistas” – editora Senac.
Acompanhe nossa conversa com a profissional.
1- O que é uma arquitetura universal e acessível?
Chamamos de Arquitetura com desenho universal, ou arquitetura para todas as pessoas, que é aquela que atende simultaneamente os usuários sem a necessidade de segregar ou criar adaptações específicas. O desenho universal pensa na utilização da URBE por todos, desde criança até a idade avançada, tendo ou não alguma deficiência motora, sensitiva, de cognição, entre outras.
2 – Conte um pouco sobre a sua perspectiva enquanto uma pessoa com deficiência na cidade.
As cidades não foram criadas e ainda continuam não sendo, para quem não é uma “pessoa padrão”, no vigor de suas atividades, e sem problemas de visão, audição… As cidades brasileiras são muito difíceis, foram anos de arquitetura voltada para o automóvel, com muitas escadas, e sem a preocupação técnica e legal de serem para todas as pessoas, além da falta de manutenção. Ser uma pessoa com deficiência nestas cidades é um desafio. Tudo precisa ser programado, verificar a viabilidade de utilização. Tivemos avanços, mas ainda nos falta muito para termos as mesmas oportunidades para desfrutar as cidades.
3 – Na sua opinião, como a arquitetura pode contribuir para a vida das pessoas com deficiência e para pessoas com outras necessidades, como pessoas idosas, por exemplo?
Quando você elimina obstáculo, faz arquitetura, mobiliário, objetos mais adequados a diversidade, sem riscos, as dificuldades com a idade são minimizadas. Uma pessoa é mais deficiente ou não dependendo do local que ela esteja. Quanto mais deficiente for o espaço, mais a pessoa estará privada das suas necessidades.
4 – Como foi sua experiência na universidade enquanto pessoa com deficiência? A universidade estava preparada para recebê-la? Como foram as trocas com colegas e professores durante a graduação?
Imagina, foi meu maior desafio. Havia apenas duas universidades de arquitetura em São Paulo que eu poderia frequentar: a Universidade Farias Brito em Guarulhos e a FAU-USP (apesar de parcialmente acessível e as rampas serem íngremes). Acabei não entrando na FAU-USP e fiz em Guarulhos. Não existiam leis que exigiam acessibilidade e então, no terceiro ano, construíram uma faculdade nova, totalmente inacessível. Tive que ser carregada por meus colegas para conseguir terminar a faculdade, devo meu diploma apenas a eles. Quando fiz mestrado, já em 2002, a FAU Maranhão não era acessível e até hoje não é. Uma dura jornada!
5 – Quais as experiências que mais te marcaram ao longo da graduação e no exercício da profissão?
A dificuldade de empatia e entendimento de alguns profissionais que a diversidade de pessoas tem e que construímos para os seres humano em sua diversidade. Tem como fazer isto aliado a estética, mas muitos não percebem.
6 – Agora os cursos de arquitetura devem conter em suas grades a disciplina de desenho universal. O que tem a dizer sobre isso?
Isto é muito bom, mas temos que capacitar os professores, pois temos muitas universidades de arquitetura no Brasil. Os alunos são fáceis de absorver e já sairão com conceito e empatia da universidade.
7 – O que a arquitetura feita e pensada por uma mulher com deficiência pode trazer e contribuir para a cidade e os ambientes interiores?
Acredito que é importante mostrar e busco contribuir para arquitetura e o design com desenho universal, sem esquecer os demais itens estéticos, sustentáveis, boas técnicas. Enfim, mostrar que prever acessibilidade não prejudica em nada a arquitetura!
8 – O que profissionais de arquitetura que hoje não consideram a acessibilidade em seus projetos podem estar perdendo?
Em primeiro lugar ele está fora da legislação atual. Esta lei abrange todo o Brasil, e o arquiteto e o empreendedor podem ser penalizados e inclusive responder no Conselho de Classe (CAU ou CREA). Além do aspecto legal, ele perderá clientes, pois não poderá ser utilizado por todas as pessoas.
9 – Quais as responsabilidades do poder público para incluir as pessoas com deficiência na cidade e darem a elas mais autonomia e garantia de seus direitos?
Hoje temos a Lei Brasileira da Inclusão, lei 13.146/2015, que exige acessibilidade, em todas as novas edificações e existentes, no Brasil como um todo e diversos outros direitos como habitação (residências acessíveis) educação, saúde, trabalho, entre outros itens.
10 – Você acredita que a estética pode ser um argumento/barreira para que a arquitetura universal não seja tão aceita e vista, pensando que a acessibilidade seria considerada um “ruído” por muitos? Quais outras barreiras você considera que a arquitetura universal encontra hoje para ser aplicada?
Acredito que sim, este é um estigma, porém de quem não conhece o desenho universal. Os melhores projetos de arquitetura no Brasil e no mundo, hoje são acessíveis. O profissional ou empreendedor tem que entender que não é mais uma opção, hoje tem que ser feito, projetado sem discriminação, pensando em todos e, para isto, há ótimos exemplos e bons profissionais que sabem fazer com maestria.
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