Criação do jardim de chuva nas esquinas das ruas das Uvaias e Décio (Foto: Rachel Sciré)
*Por Carolina Conti, Lara Freitas e Elisa Rocha, participantes do Programa Permanente Ecobairro
Muito se fala sobre sustentabilidade, mas até que a palavra ganhe corpo por meio da ação, um percurso se faz necessário. E uma boa pergunta de partida talvez seja aquela proposta pelo líder indígena Ailton Krenak: “O que queremos sustentar?”. Olhar o cenário ambiental da Terra e indicadores como a Pegada Ecológica – que mede a quantidade de planetas necessários para dar conta da nossa cultura de consumo – acaba por resultar num clamor pela vida: É a vida que desejamos sustentar! Como, então, cada um – dentro da sua realidade – pode colaborar no cuidado da nossa casa-comum?
Trabalhar em escalas menores (de pequenos territórios) é um meio de fazer acontecer práticas transformadoras. Quanta potência há nos pequenos grupos que se organizam para, por exemplo, pensar em como transformar desafios em oportunidades no bairro onde moram!
Início dos trabalhos para a construção do jardim de chuva (Foto: Rachel Sciré)
Foi a partir dessa premissa, de ação local, que nasceram os jardins de chuva e as vagas verdes das ruas das Uvaias e Décio, na região da Saúde, em São Paulo. Graças à união entre sociedade civil e poder público essas ilhas de vida que compõem a rua hoje existem e refletem um urbanismo da esperança, que inclui e acolhe a diversidade de seres viventes com respeito e afeto na cidade.
Essa ação foi realizada de forma colaborativa entre Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), Subprefeitura Vila Mariana, CET, Conselho Regional de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (CADES) Vila Mariana, Fórum Agenda 2030, Programa Ecobairro, Horta da Saúde, Fluxus Design Ecológico, Sesc Vila Mariana, para citar alguns.
Tanto os jardins de chuva quanto as vagas verdes são alternativas interessantes para contribuir com a infiltração das águas pluviais no solo, podendo resultar na redução de alagamentos. Mas há outros benefícios, como o efeito da melhoria do microclima – reduzindo a temperatura, aumentando a umidade e a qualidade do ar -, fornecendo alimento e abrigo para avifauna, borboletas e outros polinizadores, além de proporcionar uma conexão maior das pessoas com a natureza em um ambiente muitas vezes hostil pelo excesso de asfalto e concreto.
Na prática, esses jardins de chuva são estruturas construídas num nível abaixo da rua, compostas por camadas de pedras e areia que funcionam como uma esponja filtrante – dimensionadas conforme as características do local. Soma-se a isto uma variedade de plantas na superfície, resilientes aos períodos de chuva e de seca, e que cumprem uma série de funções, além da paisagística. Pedras nas entradas e saídas do jardim desaceleram o fluxo da água.
Estrategicamente, essas estruturas devem ficar nas partes altas da bacia hidrográfica onde os bairros estão inseridos. Quando implantadas de maneira distribuída, amplamente pela bacia, colaboram com a melhoria da qualidade da água e podem contribuir para reduzir a concentração de água nos lugares mais baixos em eventos de fortes chuvas.
Elas imitam sistemas naturais e por isso são chamadas, tecnicamente, pelo nome de Soluções Baseadas na Natureza.
Avaliação do solo e teste de infiltração da água para dimensionamento do jardim de chuva. (Foto: Lara Freitas)
As iniciativas na rua das Uvaias vieram acompanhadas, também, do plantio de árvores nas calçadas (as mudas foram fornecidas pelo Viveiro Manequinho Lopes, situado no Parque do Ibirapuera) e de adequações urbanísticas para cuidar da acessibilidade e segurança dos pedestres, como: adequação geométrica para alargamento das esquinas e implantação de rampas e faixas de travessia nas esquinas das ruas Décio e das Uvaias.
O fato de os jardins terem convertido áreas pavimentadas, nas quais o estacionamento de veículos não é permitido pelo Código de Trânsito Brasileiro, também contribuiu com a estratégia de acalmar o tráfego, reduzindo a velocidade com que os veículos se movimentam para adentrarem à rua.
Todas essas ações compõem o Projeto Piloto de Arborização de Calçadas (PPAC), que teve início em 2017 quando a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente convidou o CADES Vila Mariana para desenvolvê-lo. Na época havia uma carência de experiências práticas envolvendo comunidades no plantio de árvores na cidade e o PPAC serviu de inspiração para o desenvolvimento de ações e estratégias inovadoras que foram incorporadas no Plano Municipal de Arborização Urbana, recém lançado pela SVMA.
A seleção do território para o desenvolvimento do projeto buscou identificar uma área com diversidade de calçadas com situações e desafios para arborização; que tivessem uma movimentação significativa de pedestres; e pessoas – em alguma medida – engajadas com questões ambientais. O local escolhido, então, foi o quadrilátero situado no distrito da Saúde e delimitado pelas ruas Paracatu (onde fica a Horta da Saúde), Mauro, Fagundes Dias e Av. Jabaquara, no qual se inserem as ruas das Uvaias, Trentino Antônio Tardochi, Décio, Prof. José Cuce, Urânio, Dr. Isaías Salomão, e onde está situada a estação Saúde da linha azul do metrô.
Calçadas integrantes do PPAC (Foto: Elisa Rocha)
Seção do Jardim de Chuva Projeto Técnico: Fluxus Design Ecológico, 2020
Soluções propostas para a 4ª Etapa do Projeto Piloto de Arborização de Calçadas Projeto Técnico de Urbanismo, Paisagismo e Caminhabilidade: Paisagem Consultoria – Design Regenerativo, 2019. Maquete Eletrônica: Mahassaya Ksanti, 2019
A implementação dos jardins de chuva, vagas verdes e demais intervenções fazem parte da quarta etapa do PPAC, antecedida por treinamentos da Chave Arborizar – metodologia criada pela SVMA e disponível no Manual Técnico de Arborização Urbana para capacitar qualquer pessoa que tenha interesse no plantio qualificado de árvores em calçadas; as conversas com moradores da região; e caminhadas pelo trajeto – realizadas em parceria com o coletivo Sampapé, e que contou com a participação de integrantes do poder público e da sociedade civil, inclusive moradores do local, para identificar aspectos que poderiam melhorar a caminhabilidade: situação das calçadas e travessias, existência de mobiliário, comunicação, fachadas e a percepção da sensação do caminhar.
A intervenção desta quarta etapa foi desenhada a partir do olhar sistêmico das questões e desafios identificados, aliando as intervenções no território a um processo de educação comunitária que colabora com a sustentabilidade e a co-responsabilidade da comunidade na gestão local.
Plantação comunitária de mudas durante a construção do jardim de chuva (Foto: Rachel Sciré)
A implantação dos jardins de chuva foi realizada no âmbito de um curso teórico-prático, no qual aulas foram realizadas online (devido à pandemia), no Módulo I, e a parte prática, no Módulo II, aconteceu no local, permitindo a compreensão do sistema implantado, e os participantes colocaram a mão na massa para plantar, na terra e nos corações, as diversas espécies vegetais. Isto foi possível graças à parceria realizada pelo Sesc Vila Mariana com o Programa Ecobairro | Instituto Ecobairro Brasil e a Fluxus Design Ecológico, que conduziram todo o processo educativo.
As obras civis foram realizadas pela equipe Subprefeitura Vila Mariana conforme projeto técnico, elaborado pela Paisagem Consultoria – Design Regenerativo e Fluxus Design Ecológico, com apoio Sescx Vila Mariana, o qual foi previamente aprovado pela SVMA, CET e Subprefeitura Vila Mariana.
Assista ao vídeo abaixo e inspire-se no processo realizado para a implantação dos jardins de chuva e das vagas verdes na rua das Uvaias:
Módulo I – Parte 1
Módulo I – Parte 2
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Para ampliar possibilidades de trocas de conhecimentos e práticas entre as pessoas e coletivos envolvidos e interessados no tema, o Sesc São Paulo realiza de 1º a 15 de agosto o projeto Territórios do Comum, ação em rede voltada ao tema da cidadania em suas múltiplas dimensões e possibilidades de colaboração entre iniciativas sociais.
A programação está dividida em dois eixos: mobilização social, que aborda estratégias de desenvolvimento de ações comunitárias voltadas para o bem comum, para a geração de renda, acessibilidade a pessoas com deficiência e sustentabilidade; e tecnologias sociais, que buscam ampliar a inclusão social por meio da utilização de tecnologias digitais e ancestrais, para alcançar a melhoria das condições de vida levando em consideração aspectos sociais, ambientais e culturais do contexto local.
Para saber mais e acompanhar a programação completa, acesse: sescsp.org.br/territoriosdocomum
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