No decorrer de 2023, foram muitas as lições aprendidas para e por quem atua nas duas pontas da indústria cinematográfica: os profissionais do audiovisual e os espectadores que apreciam suas obras nas salas de cinema. As mensagens de ambos – realizadores e público – foram enviadas, captadas e podem ditar novos rumos para o setor nos próximos anos. Só o tempo vai dizer se tais reivindicações terão resultados concretos, mas é certo afirmar que o impacto de determinadas ações foi considerado e amplamente analisado pela mídia no último ano.
Um dos exemplos de quem está “dentro” foi a greve dos roteiristas e, posteriormente, a greve encabeçada pelos atores de Hollywood. Os sindicatos paralisaram os seus trabalhos por motivações diferentes, desde pagamentos injustos até o aceno para a utilização desenfreada de inteligência artificial nos filmes. O saldo foi meses de incertezas, negociações e projetos interrompidos até que os CEOs dos estúdios cedessem às exigências justificáveis de ambas as classes. Os acertos provenientes dessa movimentação inevitavelmente vão moldar certos aspectos da produção cinematográfica daqui em diante.
Já na outra ponta – do público – não tem como ignorar a calorosa recepção aos dois maiores fenômenos de bilheterias de 2023: “Barbie”, de Greta Gerwig, e “Oppenheimer”, de Christopher Nolan. De acordo com a imprensa, os números alcançados pelos dois títulos, impulsionados por uma alinhada e agressiva campanha de marketing, revelam que os frequentadores de cinema estão ávidos por ideais originais, projetos inéditos e tramas que ainda não foram exploradas na telona.
Além dos já citados “Barbie” e “Oppenheimer”, o top 3 das maiores bilheterias mundialmente em 2023 fecha com a animação “Super Mario Bros. – O Filme”, de Aaron Horvath e Michael Jelenic. Em comum, o trio é formado por títulos solos, isto é, não integram uma franquia e nem são continuações de histórias contadas previamente. Favorita ao Oscar, a biografia do criador da bomba atômica continua em cartaz em alguns países e, se for consagrado na premiação, pode lucrar ainda mais nas bilheterias e alcançar 1 bilhão de dólares. Em 2023, somente os outros dois filmes do pódio ultrapassaram essa marca.
Em contrapartida ao sucesso da trinca, o que reafirma a preferência do público por filmes frescos e originais foi o fracasso considerável de algumas sequências advindas de franquias consagradas. Superproduções como “Indiana Jones e a Relíquia do Destino”, de James Mangold, “Transformers – O Despertar das Feras”, de Steven Caple Jr., e “O Exorcista: O Devoto”, de David Gordon Green, são exemplos que amargaram resultados muito aquém do esperado.
Outra situação que indica uma mudança no consumo dos espectadores foi a má performance dos filmes de super-heróis nas bilheterias, um filão que, até anos atrás, era a galinha dos ovos de ouro dos estúdios. No entanto, em 2023, alguns sequer cobriram o custo do orçamento, como foram os casos de “Shazam! Fúria dos Deuses”, de David F. Sandberg, “As Marvels”, de Nia DaCosta, “The Flash”, de Andy Muschietti, “Besouro Azul”, de Ángel Manuel Soto, dentre outros. Os analistas interpretaram a rejeição desses títulos como uma amostra de cansaço do público por um formato batido e reciclado à exaustão nas telonas.
Na contramão desses filmes, o mercado de cinema no Brasil foi considerado positivo. As pessoas estão indo mais às salas de cinema, de acordo com dados da Ancine (Agência Nacional do Cinema). No comparativo com o ano anterior, em 2023, houve um aumento de 14,53%, totalizando um público de 112,4 milhões de espectadores. A renda, consequentemente, foi superior: cresceu 17,07%, de R$1,8 bilhão em 2022 para R$2,2 bilhões ao longo de 2023.
“Nosso Sonho”, de Eduardo Albergaria, sobre a origem da dupla Claudinho & Buchecha, precursores do funk melody, foi a maior bilheteria de 2023 no recorte dos filmes nacionais. Outras duas cinebiografias que atraíram bom público para as salas de exibição foram “Mussum, o Filmis”, de Silvio Guindane, e “Meu Nome é Gal”, de Dandara Ferreira e Lô Politi. No ano passado, foram 141 produções brasileiras que passaram pelos cinemas, e foi na última semana do ano que estreou o estrondoso sucesso “Minha Irmã e Eu”, de Susana Garcia. A comédia estrelada por Tatá Werneck e Ingrid Guimarães ultrapassou os 2 milhões de espectadores, um alcance que não era conquistado por um título nacional desde 2019, antes da pandemia.
Mas não foi nas bilheterias que o cinema nacional teve a sua maior cartada. O grande triunfo do audiovisual brasileiro em 2023 foi o retorno da Cota de Tela, suspenso em 2021 pelo governo anterior. Estima-se que o projeto entre em vigência em abril deste ano e terá validade por uma década, ou seja, até o dia 31 de dezembro de 2033. Com a recriação da Cota de Tela, a Ancine vai atualizar as regulamentações anualmente, e as expectativas é que o novo texto impulsione a produção audiovisual brasileira, uma vez que haverá mais possibilidades para veiculação e projeção dos filmes nacionais nas salas de cinema e espaços exibidores distribuídos pelo país.
Passada a limpo essa contextualização geral do universo do cinema em 2023, é preciso dizer que entre os quase 400 lançamentos que chegaram nas salas no decorrer do ano passado estiveram presentes algumas pérolas e dobradinhas muito bem-vindas, como dois títulos assinados pelo mestre japonês Hirokazu Kore-eda (“Broker – Uma Nova Chance” e “Monster”). No cinema nacional, dois documentários emocionantes do cearense Karim Aïnouz estreou nas telonas (“Marinheiro das Montanhas” e “Nardjes A.”). E o que dizer de um ano em que restauraram “A Praga”, um filme datado de 1980, considerado perdido e dirigido pelo saudoso José Mojica Marins, o Zé do Caixão?
Se foram bem votados pelo público, todos esses títulos poderão ser conferidos na programação do 50º Festival Sesc Melhores Filmes, que acontece no CineSesc entre os dias 3 e 24 de abril.
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