Geriatra e pesquisadora, Claudia Suemoto investiga como diminuir o avanço de síndromes demenciais, como o Alzheimer, na população idosa
POR LUCIANA ONCKEN
FOTOS ADRIANA VICHI
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Envelhecer com qualidade de vida é um desafio que afeta o ser humano em âmbito coletivo. Foco de pesquisas e do trabalho da geriatra Claudia Kimie Suemoto, a demência ganha projeção na velhice e pode representar obstáculos para uma longevidade saudável e plena em bem-estar. O termo demência é usado para descrever um conjunto de sintomas que afetam a função cerebral, e cuja principal característica é o declínio cognitivo. Existem vários tipos de demência, sendo a doença de Alzheimer a mais comum.
Suemoto liderou um estudo que mostra que cerca de 48% dos casos de demência no Brasil podem ser atribuídos a fatores de risco modificáveis, ou seja, podem ser prevenidos. “É impossível eliminar totalmente esses fatores de risco, mas fica a mensagem de que as políticas públicas de prevenção de demência devem ter 12 alvos claros e, em situações de poucos recursos, o foco deve ir para aqueles de maior importância”, explica a geriatra, que é professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e pesquisadora do Biobanco para Estudos em Envelhecimento da FMUSP e do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA-Brasil).
Sua contribuição para a ciência foi reconhecida pelo Prêmio Para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oreal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências, em 2016, além do prêmio Ewald W. Busse Research Award in the Biomedical Sciences, em 2022. Essas descobertas não apenas fornecem insights valiosos para a prevenção e o tratamento da demência, como também destacam a importância de abordagens de saúde pública mais abrangentes e direcionadas.
Nesta Entrevista, Claudia Suemoto fala sobre quais fatores podem agravar o desenvolvimento da demência, compartilha as pesquisas que estão sendo desenvolvidas na área e reflete sobre como a educação, a prática de atividades físicas, o convívio sociocultural e o cuidado com o meio ambiente podem contribuir para um envelhecimento saudável.
Quando falamos em demência, as pessoas logo pensam em doença de Alzheimer, mas existem outras, certo? Quais são elas?
A demência é uma síndrome que abrange várias doenças, caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas comuns que incluem alterações cognitivas, como perda de memória, linguagem, função executiva e atenção, que são graves o suficiente para causar uma perda funcional significativa. A principal causa da síndrome demencial é a doença de Alzheimer, que é apenas um dos tipos de demência. Além do Alzheimer, existem outras causas comuns de demência, incluindo demência vascular, demência por corpos de Lewy, demência frontotemporal, demência secundária e doença de Parkinson. Existem também várias outras causas menos frequentes.
A demência e, em especial, a doença de Alzheimer, parecem estar cada vez mais presentes nas discussões sobre saúde. A que você atribui esse crescente interesse da sociedade? Estamos com medo de envelhecer e esquecer?
Na minha percepção, o que tem aumentado as discussões em saúde sobre a doença de Alzheimer é a frequência com que todos nós temos conhecido pelo menos um caso, seja na família ou entre amigos. E esse despertar para o tema é muito importante. O aumento no número de casos no Brasil está relacionado ao envelhecimento populacional. Existe uma métrica que é o quanto de tempo leva para a proporção de pessoas com 60 anos ou mais em determinado país dobrar, por exemplo, de 7% para 14%. Em países europeus, esse duplicar demorou mais de 100 anos. No Brasil, e em outros países de baixa ou média renda, a duplicação dessa proporção de pessoas idosas tem levado menos de 30 anos. E conforme as pessoas vão envelhecendo, um dos principais riscos para a demência adulta, incluindo a doença de Alzheimer, é a idade. Por isso que tem sido cada vez mais frequente ver casos de demência entre as nossas famílias e amigos, e isso gera um crescente interesse das pessoas para entender melhor o que é a doença, como é que eu previno, o que eu faço, como diagnostico e o que posso fazer para tratar.
Estamos diagnosticando o suficiente?
A resposta é não. A taxa de não diagnóstico de demência é alta no mundo inteiro, mesmo em países ricos, e gira por volta de 60%. O primeiro relatório nacional das demências, que foi publicado no final do ano passado, mostra que, no Brasil, provavelmente, a taxa de não diagnóstico de demência é de 80%. Então, a cada dez pessoas com demência, apenas duas são diagnosticadas.
Isso poderia ser, em parte, pela estigmatização do tema? Ainda existe constrangimento de aceitar o diagnóstico tanto da parte do paciente quanto da família?
Uma parte do problema do subdiagnóstico é justamente por conta disso. A demência é uma doença que tem muito estigma ainda. Existe uma dificuldade do paciente, mas principalmente da família aceitar o diagnóstico, porque isso muda completamente a vida da pessoa. A demência é resultado de alterações cognitivas que são graves o suficiente para atrapalhar o funcionamento do indivíduo. Essa pessoa vai perder a independência física, mas principalmente vai perder autonomia, capacidade de decisão. Isso é muito estigmatizante. Isso vai mexer não só com a vida de quem está acometido por demência, mas também de todos que estão ao redor. A família vai ter que se reorganizar, essa pessoa vai precisar ser cuidada. No começo, com menor necessidade, porém, conforme a doença progride, a pessoa vai precisar de cuidados 24 horas, sete dias por semana. Isso é uma realidade.
Então, como reverter a baixa taxa de diagnóstico?
Algo que também impacta no subdiagnóstico de demência é o treinamento dos profissionais de saúde. Hoje em dia existe uma profusão de escolas médicas, de faculdades de medicina, mas muitas delas não têm aula sobre demência. E o resultado é que as pessoas se formam e não sabem muito bem como fazer o diagnóstico, especialmente os médicos. Então, a gente precisa melhorar o conhecimento dos profissionais de saúde sobre demência e dos médicos sobre como fazer o diagnóstico, além de investir em educação continuada nessa área. Fazer campanhas públicas sobre sintomas iniciais das demências é importante, até para reduzir a estigmatização e melhorar o prognóstico de evolução da doença, por meio de intervenções.
O que tem aumentado as discussões em saúde sobre a doença de Alzheimer é a frequência com que todos nós temos conhecido pelo menos um caso, seja na família ou entre amigos
As políticas públicas relacionadas ao envelhecimento vêm sendo construídas com base em estudos? Você percebe uma preocupação do setor público?
Acho que o mundo tem se preocupado com envelhecimento populacional e as doenças relacionadas a ele. Hoje em dia, os estudos são cada vez mais frequentes e eu entendo que alguns deles são muito influentes na tomada de decisão de políticas públicas, principalmente no que diz respeito à Organização Mundial de Saúde (OMS), que tem levado muito em conta as pesquisas na área do envelhecimento. Então, sim, tem havido uma preocupação crescente do setor público na área do envelhecimento. No caso do Brasil, o envelhecimento está ocorrendo de forma muito acelerada e é muito importante que se entenda o envelhecimento no país. A gente vai ter muito pouco tempo para se adaptar às mudanças epidemiológicas relacionadas ao envelhecimento e há necessidade de mais estudos. Embora já tenhamos alguns, precisamos de mais, porque o Brasil é um país continental com características próprias. É importante que a gente faça mais estudos e tome decisões de políticas públicas baseadas em pesquisas sobre nossa população.
Suas investigações na área são bem abrangentes e cobrem diversos aspectos, desde os fatores não modificáveis, como a genética, até os modificáveis, como os hábitos e o ambiente. Quais são seus caminhos de pesquisa hoje?
Minha principal linha de pesquisa é estudar os fatores de risco para a demência, principalmente no Brasil e com extensão também para a América Latina. Vejo que somos bem parecidos com vários países vizinhos. Existem muitos estudos sobre epidemiologia, área que investiga a frequência da doença, quais são os fatores relacionados, o que podemos fazer sobre prevenção. Existem muitos estudos epidemiológicos sobre demência no mundo, mas a maior parte deles é realizada em países ricos. E meu interesse é tentar entender a epidemiologia das demências, a prevalência dos fatores associados e a prevenção em países de baixa e média renda, com foco no Brasil.
Em suas pesquisas, chama a atenção que o principal risco modificável para a demência no Centro-Oeste, Norte e Nordeste brasileiros seja o baixo nível educacional. Já na região Sul e Sudeste, o principal fator modificável é a hipertensão arterial. O que isso nos diz?
De fato, existem diferenças regionais no potencial de modificação da doença, que é muito maior nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, girando em torno de 54%, enquanto a proporção modificável da demência na região Sul e Sudeste, que a gente considera áreas mais ricas, é um pouco menor, por volta de 49%. Não é só essa proporção modificável que é diferente, mas também os fatores de risco. A ideia dessa análise não é justamente falar sobre causalidade, sobre problemas estruturais, é uma análise bem mais rasa. A ideia seria guiar os gestores públicos de cada região sobre qual fator deveria ser mais importante naquela região e qual deles deveria ser abordado primeiro ou num contexto de baixos recursos socioeconômicos. Na minha percepção, faz sentido que em regiões de menor desenvolvimento, o principal fator seja socioeconômico, como nível educacional. Por esse aspecto, fica bastante claro que investir nesse fator vai acarretar melhorias, inclusive na prevenção de demência.
A demência é uma doença que tem muito estigma ainda. Existe uma dificuldade tanto do paciente, mas principalmente da família aceitar o diagnóstico, porque isso muda completamente a vida da pessoa.
Quando falamos do seu estudo que mostra que 48% dos casos de demência no Brasil têm causas modificáveis, o que isso significa? O que podemos fazer para minimizar o impacto desses fatores?
Significa que, hipoteticamente, se eliminássemos esses fatores do Brasil, 48% dos casos de demência não existiriam. Digo hipoteticamente, porque isso é impraticável, uma vez que a gente não pode fazer com que desapareçam totalmente a baixa educação, a hipertensão, o diabetes, a obesidade etc. Do ponto de vista individual, significa melhorar a sua saúde, estudar o máximo possível, controlar a pressão, o diabetes, evitar a perda auditiva, evitar trauma craniano, não beber em excesso, tratar a depressão, evitar isolamento social. Mas, provavelmente, as medidas mais efetivas são mudanças de saúde pública que vão fazer com que esses fatores de risco diminuam em frequência. Um exemplo bem possível são as políticas públicas para a contenção do tabagismo que já fizeram com que a frequência no país diminuísse mais da metade. Em 1985, a prevalência de tabagismo era de 36% e baixou para 15%, em 2016, a partir da adoção de políticas públicas que têm evitado a prática. Isso significa que precisamos ter um mix de cada um cuidando de si, melhorando o seu perfil de fatores modificáveis, mas também é importante que existam políticas públicas para que o ambiente seja mais favorável a uma vida mais saudável.
Muitas das estratégias de prevenção da demência passam pela questão socioeconômica. Portanto, quando falamos de acesso à educação, diagnóstico precoce, acesso à informação e tratamento, dietas mais saudáveis e mesmo nas intervenções, para que a evolução da doença seja mais lenta, como podemos dar suporte a essa população?
Primeiro, é importante entender quais são os fatores de risco, quais os fatores modificáveis, e que muitas dessas mudanças de estilo de vida não passam somente por decisões individuais. Por exemplo, para controle de doenças cardiovasculares, de fatores de risco cardiovascular, você precisa melhorar o acesso à saúde, melhorar a informação, melhorar o tratamento da hipertensão, do diabetes. Ou seja, precisamos tornar todos esses acessos viáveis. Oferecer oportunidades de sociabilização e de lazer para todos. Tudo isso passa por medidas de políticas públicas.
Existe um impacto maior nas grandes cidades que interfere no desenvolvimento de demência ou em seu agravamento? Quais fatores estariam relacionados?
É muito importante que, do ponto de vista cognitivo, a gente estimule a prática de atividades físicas, de lazer, de sociabilização. Tudo isso vai agir em vários fatores modificáveis para a demência. Sobre o impacto das grandes cidades, além do fato de vivermos mais sozinhos, um dos fatores de risco modificáveis para a demência é a poluição ambiental, que é um fator de risco que não tem como a gente resolver do ponto de vista individual. A gente precisa de políticas públicas que diminuam essa poluição ambiental, seja através do controle da emissão de gases, seja da contenção do uso de veículos.
De que modo a ampliação de acesso a equipamentos culturais, a espaços para práticas esportivas e atividades de convivência pode gerar impactos positivos para a promoção de saúde e bem-estar, prevenindo o avanço da demência?
Todas essas iniciativas estão muito afinadas aos fatores modificáveis para demência. São ações que estimulam a prática de atividade física que, por sinal, vai ter um impacto muito grande em vários fatores de risco cardiovascular, como hipertensão, diabetes, obesidade. E, além disso, um dos fatores modificáveis é o isolamento social. Então, os espaços de convivência social são muito importantes. Quando eu falo sobre alterações de ambientes, é tornar espaços como o Sesc cada vez mais disponíveis, de fácil acesso e de baixo custo para a população.
Ouça trechos da entrevista com Claudia Suemoto.
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