A série de podcasts “Cuidar e Cuidar-se: a atuação de profissionais da saúde de Guarulhos” apresenta depoimentos de profissionais que atuam no atendimento em promoção à saúde e bem-estar de crianças e suas famílias. As conversas, mediadas pela equipe do Espaço de Brincar do Sesc Guarulhos, buscam trazer visibilidade à atuação destes profissionais, que falam sobre sua metodologia de trabalho, seus anseios, as dificuldades enfrentadas no dia a dia, e os diversos aprendizados e saberes adquiridos em suas vivências sobretudo durante a pandemia de COVID-19. A atividade faz parte do projeto Cuidar de Quem Cuida, ação em rede do Sesc São Paulo sobre o universo da primeira infância (bebês e crianças de zero a seis anos) e seus cuidadores de referência.
A partir de uma pesquisa realizada junto ao público-alvo da ação – familiares de crianças de 0 a 6 anos de idade e profissionais da área –, alguns questionamentos são levados para a conversa, aliados a questões relativas ao atendimento que as profissionais de saúde convidadas têm prestado às famílias e relacionadas, ainda, ao apoio e cuidados devidos a essas próprias profissionais. São conversas que contribuem para compreendermos melhor a atuação e esclarecermos dúvidas a respeito da rede de serviços local, de forma que possamos não apenas cuidar, mas também cuidar de quem cuida. A ação traz as participações de agentes de saúde da UBS Vila Fátima, de representantes da Pastoral da Criança e da psicóloga Patrícia L. Paione Grinfeld.
Clique aqui para acompanhar os podcasts do Cuidar e Cuidar-se no canal do Sesc Guarulhos.
Acompanhe a transcrição dos podcasts por aqui!
[Vinheta de Abertura] – Cuidar de Quem Cuida. Está no ar o “Cuidar e Cuidar-se: a atuação de profissionais da saúde de Guarulhos”, podcast vinculado ao “Cuidar de Quem Cuida”, projeto de ação em rede do Sesc São Paulo que propõe reflexões em torno das pessoas vinculadas aos cuidados com bebês e crianças de zero a seis anos.
Barbara Martins – Olá! Sejam todas bem-vindas e todos bem-vindos ao quarto episódio do “Cuidar e Cuidar-se”. Meu nome é Barbara Martins e eu sou educadora de referência do Espaço de Brincar do Sesc Guarulhos. Hoje conversaremos com a Patrícia Paione Grinfeld. A Patrícia é psicóloga com pós-graduação em psicoterapia de casal e família e em psicanálise na perinatalidade e parentalidade. Juntas nós vamos hoje retomar e comentar algumas das discussões fundamentais trazidas nos depoimentos dos episódios anteriores da nossa série. Olá, Patrícia. Seja bem-vinda. Obrigada por estar conosco nessa conversa.
Patrícia Paione Grinfeld – Obrigada a você, Barbara.
Barbara Martins – Com as limitações impostas pela pandemia, muito do trabalho de atendimento ao público, em diversas áreas, vêm sendo realizado remotamente por meio de aparelhos e ferramentas de tecnologia, como vêm sendo o caso de grande parte das visitas domiciliares realizadas por líderes da Pastoral da Criança, bem como por agentes de saúde. Esses meios têm sido uma importante alternativa para manter o atendimento às famílias. Entretanto, há sutilezas que somente o olhar humano, com presença, é capaz de perceber, não é? Você poderia comentar essa questão, Patrícia?
Patrícia Paione Grinfeld – Bom, sem dúvida, né, essa tecnologia tem sido nosso principal meio de contato com as pessoas e com o mundo e acho que a gente não consegue imaginar como seria estar vivendo a pandemia sem essas ferramentas de videoconferência, enfim, telefone, por aí vai. Mas quando a gente pensa na atenção às famílias, principalmente aquelas que têm bebês e crianças pequenas, embora a gente consiga manter esse contato via todas essas ferramentas, tem algo, né Barbara, como você falou, que a gente perde. Principalmente o que se perde é essa possibilidade do encontro, do estar junto. No caso dos agentes ou de qualquer outro profissional da saúde, de poder observar e até mesmo intervir em pequenas situações. Acho que essas ferramentas todas têm permitido a gente ter notícia de como as famílias estão, de poder transmitir alguma informação para essas famílias. Mas, na medida em que a gente não está presencialmente, principalmente observando como é que é a relação do bebê com seus cuidadores, do bebê e da criança, e vice-versa, a gente acaba perdendo uma oportunidade que é muito rica de poder observar o bebê ou a criança na relação com o ambiente dela e por ambiente a gente inclui também o cuidador ou os cuidadores primordiais do bebê. Quando a gente fala em desenvolvimento infantil, não dá para a gente se ater apenas aos marcos do desenvolvimento ou as conquistas que estão dentro de um parâmetro “qual é a faixa etária” que se deve, por exemplo, sentar sem apoio, engatinhar, andar, falar. Isso serve como uma referência. Embora a gente tenha ela, nesse encontro presencial a gente pode observar pequenas sutilezas de algo que pode não estar indo, ou que pode ser um indicador de algo que pode não ir bem com o bebê ou com a criança. Então, por exemplo, se a gente pensa no desenvolvimento da linguagem, se um agente pode estar presencialmente assistindo, na cena dessa interação entre bebê e cuidador, ou entre a criança e o cuidador – estou pensando agora no caso do bebê – ele pode ver: esse bebê balbucia? Esse bebê está interessado em olhar nas coisas que estão em volta dele? Ou, o cuidador dele fala com ele? Porque se isso não acontece, a gente tem aí uma luzinha que se acende para a gente pensar: o que é que pode ser feito? Muitas vezes na presença ou nesse encontro presencial, o agente de saúde poderia, ou uma líder comunitária poderia servir como uma referência ou um modelo para esse cuidador na medida em que ele poderia dirigir a voz, uma palavra para o bebê, cantar para o bebê, servindo como uma certa referência. Então, nesse sentido, embora esses dispositivos tecnológicos tenham ajudado muito, eles não nos dão a condição de fazer essa intervenção ou de perceber isso presencialmente ou naquele encontro. Isso é uma perda bastante importante e a gente vai ter que pensar como é que a gente pode seguir com essa intervenção. Se a gente pensar que o que a gente tem são janelinhas muito pequenininhas ou um recorte da cena, a gente perde o todo, o que não acontece quando a gente tem o encontro presencial.
Barbara Martins – Agora uma pergunta que nos leva para o tema norteador desse projeto, da nossa ação e dessa grande crise que a gente está vivendo: o cuidado. Mais do que nunca, luzes de alerta piscam nos apontando que para cuidarmos de nós, também precisamos cuidar do outro e vice-versa. Nessa perspectiva, o que você enxerga que nós, comunidades, organizações e instituições podemos fazer para promover saúde mental e emocional para nossas crianças, suas famílias e demais pessoas relacionadas aos cuidados com os pequenos?
Patrícia Paione Grinfeld – Bom, esse é o princípio da máscara de oxigênio, né, dos vôos. Primeiro a gente precisa colocar a máscara na gente mesmo para depois poder colocar ou ajudar quem está do lado a colocar a própria máscara. Se a gente pensa que cuidado envolve uma relação e que nas relações a gente tem troca, acho que uma pergunta que a gente precisa se fazer nesse momento do cuidado é: o que é que a gente troca, por exemplo, quando a gente está tranquilo? E no outro extremo, o que é que a gente troca quando a gente está muito angustiado? Acho que isso vai dando uma dimensão do quanto a gente precisa estar bem para poder cuidar. Então, acho que nesse sentido a pandemia não acende a luz, mas um grande holofote para poder pensar na importância dos cuidados. E quando a gente pensa em cuidado, a gente está sempre pensando em rede, né. Se a gente lembra daquele ditado africano que é bastante conhecido que “é preciso de uma aldeia inteira para criar de uma criança”, a maneira como eu entendo isso é que não precisa de um cuidando do bebê ou da aldeia que vai cuidar do bebê, mas que é um efeito muito da rede que é: alguém cuida do bebê, normalmente esse cuidador primordial, mas que é cuidado por alguém que também está sendo cuidado por alguém. Então, a gente pode pensar que o que permite cuidar é a existência dessa grande rede de suporte e ela tem que oferecer tanto um suporte material, mas também ela tem que ser capaz de suportar dúvidas, dificuldades, as ambivalências em relação aos cuidados, as angústias. E, se a gente for pensar, a saúde mental entra exatamente aí nesse lugar, que é poder acolher todas essas vivências emocionais, que muitas vezes ou são ignoradas, ou elas são tidas como frescura, como “para que isso?”, ou em outros casos são vistas com um certo descaso, “ah, vai passar”. Bom, pode até passar, mas enquanto não passa, o que é que a gente faz com tudo isso que vamos vivendo, vamos sentindo? Então, acho que esse é um momento importante para que os indivíduos, famílias, como você falou aí as instituições, comunidades, que a gente possa começar primeiro a não negar que isso tudo está acontecendo e aí começar a abrir espaço de fala e de escuta. Acho que isso ficou muito evidente nos outros episódios, da importância que foi esse momento para os líderes e agentes comunitários de poder trocar um pouco da experiência e de falar do que estão fazendo e vivendo. Então, acho que esse é um momento bastante importante de a gente poder ter esses espaços de fala, de escuta em que as vivências possam ser minimamente compartilhadas e acolhidas. É a partir desse acolhimento, dessas trocas que vão estar acontecendo que a gente tem maiores condições de estar elaborando tudo isso que a gente tem vivido e vivido de um modo coletivo – não são pessoas isoladamente que estão vivendo isso – para que a gente possa, cada um individualmente, e como sociedade, estar encontrando repertório para cuidar da gente e também de todo mundo que está a nossa volta. E isso acho que fica muito claro também nas falas anteriores, do quanto foi preciso se reordenar e buscar gente de um lado, de outro e recriar, a partir da sugestão de um, do que o outro foi vivendo, quer dizer, são nesses espaços de troca que a gente pode inventar um novo jeito de estar, e de fazer e de poder inclusive cuidar.
Barbara Martins – Isso me reporta a uma fala muito pertinente que você tem sobre a importância das alternativas coletivas para promover saúde mental e emocional para as pessoas. Muito tem se conversado sobre as alternativas um a um, os atendimentos psicoterapêuticos, que são absolutamente necessários, no entanto não são a única alternativa. E te escutando eu lembrei mais uma vez da sua contribuição quando você chama atenção para as alternativas coletivas que a gente enquanto comunidade, as organizações, instituições podem encontrar e abrir espaço de fala e de escuta.
Patrícia Paione Grinfeld – E aí a gente pode até pensar nas próprias ferramentas tecnológicas, né? A gente teria como fazer encontros virtuais para poder trocar, para poder dizer: “olha, aqui estou vivendo isso”, “ aqui tal coisa deu certo”. A gente vai pensando muito na saúde mental como esse cuidado um a um, quer dizer, como se cuidar da saúde mental fosse ter um atendimento psicológico, e a gente cuida da saúde mental quando a gente está junto, quando a gente pode trocar, quando a gente pode ver que outras pessoas estão vivendo a mesma situação. É claro que isso não elimina a possibilidade, sim, de um acompanhamento individualizado, mas, nesse momento em que a gente está tendo uma experiência coletiva, a gente precisa criar dispositivos coletivos para poder acolher essa dor, esse sofrimento que envolve tanta perda, que todo mundo, de um jeito ou de outro, vem experimentando durante a pandemia.
Barbara Martins – Bom, falando nesse sofrimento… A gente escutou falas cheias de força e resiliência da parte da Pastoral da Criança e da UBS Vila Fátima nos episódios anteriores. Ainda assim, o sentimento de pesar por não poder estar presencialmente junto das famílias atendidas foi uníssono nos relatos. O sentimento de que algo se perdeu. E muitas têm sido as perdas. Concretas e simbólicas. E fica a pergunta: o que nos aperta o coração quando não podemos mais conviver em carne e osso com nossa comunidade? O que nos aperta o coração quando não podemos mais sair das nossas casas para atender o público com o qual trabalhamos? Você poderia comentar essa questão?
Patrícia Paione Grinfeld – O que aperta o coração de cada um é muito singular – isso é de cada pessoa. Mas o que cada um perde tem muito a ver com o que cada um ganhou nesse encontro com as famílias, com os colegas de trabalho, o que ganha na própria comunidade. Por outro lado, existe nesse momento uma perda que é coletiva. Está todo mundo, talvez, por um momento único na nossa história, está todo mundo perdendo e uma perda que é coletiva. A gente está perdendo pessoas, a gente está perdendo a possibilidade de ir e vir, de pode estar presencialmente junto. Essa é uma experiência que todo mundo, de um jeito ou de outro, está vivendo. E, se é uma experiência coletiva, volto um pouco no que falei anteriormente: a gente precisa encontrar caminhos também coletivos de poder elaborar essas perdas que a gente vai vivendo. Então, acho que mais do que nunca, a gente vai ter que partir para criar esses espaços de fala e também de criação, que possa ir dando, minimamente, conta da elaboração dessas perdas, tanto no âmbito individual, quanto no âmbito coletivo. Mas não dá para a gente considerar, nesse momento, que as pessoas, sozinhas, vão poder elaborar suas dores e suas perdas e aquilo que, muitas vezes, não se recupera. A gente vai ter que fazer esse trabalho em rede, juntos, um podendo servir de ombro e colo para o outro.
Barbara Martins – Para concluir a nossa sequência de perguntas, gostaria de retomar o tema do cuidado: cuidar também é reconhecer limites, dos outros e nossos. A responsabilidade pelo cuidado com bebês, crianças e suas cuidadoras e cuidadores – inclusive, evocando a máxima do “Para cuidar de uma criança é necessária toda uma aldeia”, que você trouxe em uma das respostas anteriores – deve ser compartilhada. Nesse sentido, qual é o papel das redes de apoio e cuidados, sobretudo nesse período da pandemia?
A gente já conversou um pouco sobre isso, mas nessa pergunta eu gostaria de nos reportar aos depoimentos dos episódios anteriores da nossa série de podcast. A gente escutou, mais uma vez, falas cheias de força, de resiliência, de alternativas desenvolvidas, tanto pela Pastoral quanto pela UBS, para a manutenção do trabalho, para o atendimento às famílias. No entanto, nenhuma organização, nenhum equipamento, nenhum indivíduo, nenhuma família dá conta de tudo sozinha. E qual a importância de pedir ajuda? Qual é o papel das redes de apoio e cuidados, sobretudo nesse período de pandemia?
Patrícia Paione Grinfeld – Acho que não dá para pensar em cuidar ou em cuidado sem que a gente reconheça os próprios limites. Acho que essa é uma questão que ficou muito clara nas falas anteriores. Quando a pandemia surgiu e as pessoas se viram diante
de uma série de limitações, desde profissional afastado por conta de comorbidade até a impossibilidade do
deslocamento para fazer a visita domiciliar, foi necessário reinventar. Mas tem uma reinvenção que envolve
um pedido de ajuda. As equipes foram relatando: pedir socorro em uma outra unidade, pedir “bom,
precisamos desde cesta básicas para dar conta de atender algumas famílias”.
Então, acho que aí tem uma mensagem que vem pela experiência dessas equipes com as quais vocês conversaram anteriormente, de que reconhecer o limite é uma condição de cuidado e poder pedir ajuda é a condição que vem na sequência. A ideia de que a gente dá conta de tudo é uma ilusão. Enquanto seres humanos, a gente é incompleto, a gente tem limitações, e a rede de apoio vai se construindo a partir dessas limitações que são humanas mesmo. Não dá para a gente pensar que uma mãe, um pai ou outro cuidador sozinho dê conta de cuidar do bebê.
A gente também ouviu nos episódios anteriores: precisa passar por uma consulta pediátrica. Só isso já mostra que a gente precisa dessa rede – precisa de mais um. Se fosse em uma outra comunidade isso se daria de uma outra forma. A gente tem ouvido muitos relatos do quanto, por exemplo, a escola faz falta. Ela faz falta não é porque simplesmente ela cuida no sentido de se ocupar da criança para que a família possa sair para trabalhar. Ela cuida no sentido de oferecer algo que a família sozinha não é capaz de oferecer. E não é capaz não porque ela é incompetente, porque ela é frágil ou porque ela não é boa o suficiente. Não, [mas] porque tem algo fora, do mundo fora de casa, que a gente precisa ter e precisa poder descobrir e se relacionar, enfim, que extrapola o território familiar, vamos dizer assim.
Essas redes, na medida em que elas deixaram de existir – ou foram existindo de uma maneira muito menos presencial, às vezes, com suas fragilidades, enfim –, acho que isso foi denunciando para a gente o quanto que a gente precisa da rede para poder cuidar e precisa da rede para poder cuidar, exatamente, porque um sozinho é insuficiente. Acho que essa é uma grande lição que a pandemia traz para a gente.
Barbara Martins – Sublinharia, inclusive, como outro grande tema norteador. Tanto o cuidado, a gente perceber que cuidar de si também é cuidar do outro e cuidar do outro também é cuidar de si, quanto, e aí está inerente nesse raciocínio, o papel e a importância da coletividade.
Bom, Patrícia, agora a gente chega naquele momento em que a gente abre espaço para as suas considerações finais. Há algo que não tenha sido contemplado pelas perguntas e que você gostaria de colocar agora? Pode ficar à vontade.
Patrícia Paione Grinfeld – Acho que esse momento é um momento muito desafiador para todo mundo. A gente pensa na questão dos cuidados nesse momento da pandemia, mas a gente vai ter que seguir pensando no que significa cuidar no pós-pandemia, no efeito disso na sociedade como um todo, mas, pensando nos bebês e nas crianças, a gente precisa, desde já, poder ir pensando quais seriam as intervenções possíveis para que a gente evite grandes danos. A gente tem essa perda bastante importante, que é do encontro com as famílias e de poder presenciar como se dá ou como vem se dando a relação do bebê com as famílias – porque eu acho que esse é um ponto importante: o desenvolvimento não acontece simplesmente por conta do tempo. O desenvolvimento de um bebê e uma criança pequena se dá na relação com o outro. Então, se a gente não olha para isso cedo, a gente tem um risco bastante aumentado de questões, ou de comprometimento, com o desenvolvimento infantil.
Então, estamos tentando pensar – tudo isso é muito novo – como é que a gente pode, ainda à distância, poder estar muito atento à essas questões. Porque não basta a gente levar a informação, não basta a gente pedir ou monitorar alguns dados ou alguns indicadores, porque, muitas vezes, a gente tem indicadores que dependem de um olhar mais atento. E, muitas vezes, quem está envolvido nessa relação, seja o cuidador direto dos cuidados com o bebê e a criança, não tem a possibilidade de estar fazendo isso e não tem, exatamente, porque ele está envolvido naquela relação. Então, esse descolamento de um olhar que vem de fora é fundamental e a gente acaba ouvindo que, muitas vezes, nem nas consultas pediátricas de rotina as crianças têm podido ir.
Então, a gente precisa ter um olhar atento para o que é que isso vai significar na vida das famílias e da sociedade como um todo. Porque, acho que um ponto que é super importante quando a gente pensa no cuidado dos pequenos, é que cuidar deles é cuidar do nosso futuro e do nosso significa o futuro de todo mundo, porque as crianças de hoje são o adulto de amanhã e que vão estar aí, enfim, dando o suporte que toda a comunidade precisa. Acho que é um pouco isso.
Barbara Martins – Muito bem. Bom, Patrícia, muito obrigada pela participação!
[Encerramento] Esse foi o último episódio do podcast “Cuidar e Cuidar-se: a atuação de profissionais da saúde de Guarulhos”. Obrigada a todas as ouvintes e todos os ouvintes que nos acompanharam até aqui. Se cuidem e até a próxima!
[Vinheta de Abertura] – Cuidar de Quem Cuida. Está no ar o “Cuidar e Cuidar-se: a atuação de profissionais da saúde de Guarulhos”, podcast vinculado ao “Cuidar de Quem Cuida”, projeto de ação em rede do Sesc São Paulo que propõe reflexões em torno das pessoas vinculadas aos cuidados com bebês e crianças de zero a seis anos.
Barbara Martins – Olá! Sejam todas bem-vindas e todos bem-vindos ao terceiro episódio do “Cuidar e Cuidar-se”. Meu nome é Barbara Martins e eu sou educadora de referência do Espaço de Brincar do Sesc Guarulhos. Hoje conversaremos com a Leonor Rodrigues de Moura, coordenadora da Pastoral da Criança em Guarulhos, e o Victor Andrade, coordenador da UBS Vila Fátima. Olá, Leonor. Olá, Victor. Sejam bem-vindos! Obrigada por estarem conosco hoje nessa conversa.
Victor Andrade – Olá, Barbara. Obrigado, gente.
Leonor Rodrigues de Moura – Oi, Barbara. Muito obrigada pelo convite.
Barbara Martins – Nós é que agradecemos!
O trabalho de lideranças da Pastoral da Criança, assim como de agentes de saúde é fundamentado nas visitas domiciliares, portanto essencialmente presencial. Com a pandemia, que medidas foram tomadas visando à manutenção desse trabalho tão importante para a promoção da saúde de bebês, crianças e famílias? Podemos começar pela Leonor?
Leonor Rodrigues de Moura – Primeiro, gostaria de apresentar que a Pastoral da Criança, hoje, em Guarulhos, tem 800 lideranças, que são meninas que já fizeram a capacitação, como foi dito [por Eliana dos Anjos, no episódio 1 – Pastoral da Criança]. Temos 700 apoios (pessoas se preparando para serem capacitadas), atendemos 3.780 crianças – o número foi bem maior, mas tem caído – e 1.800 famílias. Eu estou falando por Guarulhos toda. Infelizmente, tivemos uma perda muito grande de crianças e muitas líderes nossas faleceram também, por conta do COVID. Tudo muito novo na nossa vida.
Mas esse aplicativo que nós temos hoje é uma coisa que está nos aproximando, entre aspas, das famílias, porque a gente conversa com elas pelo celular. Já temos uma dificuldade quando é presencial, pelo aplicativo a dificuldade ainda é maior. Porque no presencial você olha o documento, olha a carteirinha, se está indo vacinar, se não está indo. E [com o aplicativo] a fala fica a fala delas [ou seja, as informações são passadas pelas famílias, não há como confirmar]. Então, isso foi aumentando muito o número de crianças sem vacina. Muitas crianças. Recebemos muitas notificações dos postos de saúde. Chegamos a um ponto de ter 50% de crianças sem vacinar e isso é muito preocupante. Então, o aplicativo está sendo muito importante, mas aos poucos, porque o presencial nada substitui. Nesse momento, dessas 3.780 crianças que a gente visita, creio que umas 2.000 ou 2.300 é o que está sendo acompanhada. Porque temos muita dificuldade de lideranças com celular, muitas não conseguem, às vezes, nem no Whatsapp mexer direito, você imagina essa tecnologia toda para elas, sendo que a Pastoral, hoje, é formada por muitas senhoras de idade, com muita idade. Então, assim, é uma adaptação porque é tudo muito novo pra nós. E a gente está tentando chegar lá. Mas, toda pastoral, toda paróquia, tem o posto de saúde, que é um grande aliado nosso. Eles que nos ajudam. Quando tem algum problema, toda liderança tem algum contato lá. Então, por isso, a importância de nós estarmos sempre conectados ao serviço de saúde. Eles nos ajudam muito.
Barbara Martins – Obrigada, Leonor. Victor, por favor.
Victor Andrade – Então, Barbara, no início da pandemia, como era algo novo, uma doença nova, basicamente assustou a todos no período. A princípio, nós não conseguimos realizar a busca ativa desses pacientes que eram monitorados pelas visitas domiciliares. Tivemos muitos profissionais que foram afastados, ou mesmo [ficaram] doentes. No primeiro momento, até a gente formular estratégias, os próprios pacientes iam à unidade atrás do acolhimento da equipe para conseguir os atendimentos pela unidade. Inclusive, como foi relatado no outro podcast pelas meninas [episódio 2 – Agentes de Saúde, UBS Vila Fátima], nós recebemos muito apoio de outras unidades, inclusive, no início da pandemia, quando nossa unidade teve todos os seus médicos afastados, tanto por comorbidades, quanto por estarem idosos. Foi aquele momento em que todas as unidades se ajudaram e se apoiaram para dar atendimento para a sua população.
Em relação ao monitoramento, pelo menos no início, [foi interrompido]. Depois, com a volta das visitas domiciliares, é que a gente foi fazendo uma busca ativa melhor, referente a todo o período, [incluindo] o início da pandemia.
Barbara Martins – Agora, como vocês observam que as equipes lidaram e vêm lidando com esse momento? Quais foram as necessidades apresentadas pelas lideranças e agentes de saúde? E como as gestões lidaram com essas demandas, essas possíveis novas demandas?
Victor Andrade – Acho que o pior momento – que foi no início, ou que agora está meio que se repetindo –, foi, basicamente, lidar com a crise de ansiedade dos funcionários. Como cuidar de pessoas que precisam cuidar de outras pessoas?
No início foi bem difícil essa questão de criar alguma estratégia para deixar esse funcionário bem, para ele poder também fazer um atendimento bem. Foi complicado na questão dos funcionários que se afastaram. A gente entende a questão das comorbidades, mas a gente entende também a questão dos funcionários que ficaram. Nós ficamos com o quadro muito reduzido no período. Daí, fomos seguindo diretrizes da nossa própria secretaria, que viu essa necessidade do trabalhador, do servidor da Saúde. Criaram programas, por chat e por telefone, para acolher esse servidor, para dar meio que uma luz no fim do túnel para cada um, para tentar acompanhar o psicológico, que é o que está, até hoje, atingindo a grande maioria dos funcionários. Inclusive os funcionários que já tiveram o COVID, que tenham o pós-COVID: o acompanhamento. Então, são passos que a gestão tem que verificar, tem que observar, principalmente em relação à saúde do servidor. Para ele fazer um atendimento qualificado, bom, para o munícipe, ele também tem que estar bem. Para isso, a saúde do servidor – pelo menos, vista pela Secretaria da Saúde – foi fundamental.
Leonor Rodrigues de Moura – Tem uma equipe que trabalha comigo. Hoje, eu tenho oito pessoas. Tem um escritório no [bairro] Bom Clima, onde a gente senta a cada 15 dias para elaborarmos como vamos fazer. Por quê? Como as lideranças estavam muito acostumadas com o presencial, aquela coisa de visitar as famílias, foi muito difícil de fazê-las entender que não ia poder mais acontecer esse presencial. Isso mexeu demais com todas elas! O carinho, o amor… para elas, a visita às famílias é o essencial. Tivemos muito trabalho com isso – eu e a minha equipe.
Essa equipe cuida de algumas áreas. Por exemplo, vocês aí [região do Sesc/Vila Fátima] para a gente é considerado área dois. Então, na área dois nós temos uma coordenadora que se reúne comigo e leva as informações para as coordenadoras, como, por exemplo, a Eliana, que é uma coordenadora de ramo. Com isso, eu tive que fazer muitas visitas presenciais, dentro da paróquia, tentando explicar. Foi um trabalho muito difícil, que está sendo [feito] até agora. Tem muitas senhoras que se reúnem escondido, às vezes, e eu acabo sabendo – aí eu tenho que fazer a visita, porque elas não conseguiram entender isso. Por quê? Uma por esse amor que elas têm de estarem com as famílias e outra porque muitas não tinham a possibilidade de fazer essa visita [com a ajuda] do aplicativo.
Torno a dizer a vocês: foi uma coisa muito boa que aconteceu, mas para muitas pessoas ainda é uma coisa do outro mundo. Senhoras que não têm o costume de mexer com o celular. Tenho muita dificuldade e repito: até agora, tenho que estar vigiando, porque elas se encontram. O presencial delas é ir até lá, ver as famílias e [perguntar] como estão.
A gente sentou e foi pensando em uma solução. Nós trabalhamos muito dentro da igreja e a igreja tem muita juventude. E aí cresceu a ideia de pedir [ajuda] para os jovens. Por exemplo: eu preciso ir à casa da dona Maria, que tem cinco filhos, fazer uma visita, mas não posso ir. Então, eu vou pedir a um jovem da minha igreja para que ele vá por mim. E, através disso, nós vimos que elas foram se acalmando mais. E, graças a Deus, daí surgiu uma parceria com a juventude, porque tudo na nossa vida é parceria – sozinhos não somos nada. Então, surgiu essa parceria onde os jovens estão ajudando e agora começou a melhorar um pouco. Mas foi muito difícil o começo para entenderem que não dava para estarmos lá presencialmente.
Se é que eu me fiz entender, é isso que está acontecendo com a gente. Mas, devagar, vamos adaptando a esse novo método de vida, de viver.
Barbara Martins – Com certeza! Dificuldades pelas quais estamos passando, mas é sempre enriquecedor escutar sobre as redes de apoio entre as trabalhadoras e os trabalhadores relacionados aos cuidados com pessoas e as estratégias que vão sendo encontradas.
Houve necessidade de algum tipo de suporte emocional, por parte das equipes, para lidar com as dificuldades trazidas pelas famílias nesse momento tão delicado?
Leonor Rodrigues de Moura – A Pastoral da Criança é uma pastoral ecumênica. Ela acontece nas igrejas evangélicas [assim como em locais de culto a outras religiões]. Vou te dizer que psicóloga é uma dificuldade muito grande e o pessoal da área da Saúde sabe disso. Muitas [voluntárias da Pastoral] iam lá desabafar com o padre ou com o pastor e foi a grande ajuda que elas tiveram. E as líderes da Pastoral caminham de dois em dois, elas estão sempre em duas e elas davam força umas às outras. Eu ia fazer muitas visitas para elas e, nessas visitas, eu percebia aquela amizade forte que elas tinham – é lógico que para algumas fugiu do controle, tiveram que parar.
Logo no começo eu tive um problema, eu tive COVID, fiquei UTI e isso balançou muito as meninas. Fiquei muito ruim, mas, graças a Deus, estou aqui. E, assim, nós somos uma o apoio da outra. Porque, se você for pensar em ter uma psicóloga ou alguém para cada uma é muito difícil, mas a gente conseguiu – e está conseguindo – uma segurando as pontas da outra, uma ajudando a outra mesmo. Torno a dizer: porque juntas somos muito mais e sozinhas não somos nada. Eu penso que é isso que está nos ajudando.
Temos o padre, o pastor – as pessoas que têm uma religião se apegam nela. E, quando você [tem uma religião e] se apega com Deus, fica tudo muito mais fácil. Você atravessa um deserto mais tranquila.
Me desculpe, mas eu não tinha como falar isso sem dizer essas palavras, que nós temos uma equipe muito boa – em todos os sentidos da religião – que estão ajudando todas as líderes. E, se você perguntar, todas vão dar a mesma resposta.
Victor Andrade – Nesse período, houve uma demanda totalmente absurda atrás de avaliações psicológicas ou mesmo de solicitações para atendimento multiprofissional da equipe. Muitos pacientes acabam desabafando com agentes comunitários, com atendente, criando alguns elos para acabar contando a sua história e o que está passando naquele período. E essa demanda foi em todas as unidades, pelo menos, aqui do município e uma estratégia que a Secretaria de Saúde fez para dar um apoio para as famílias, foi a criação de uma central telefônica, que foi o Guaru Acolhe, na qual qualquer pessoa poderia ligar e contar o que está acontecendo, pessoas com crise de ansiedade, depressão, e dessa central elas seriam direcionadas a um serviço especializado. Foi uma forma geral para o município, para tentar abater ou pelo menos minimizar esses problemas que vêm até hoje. E dentro da unidade, em si, foi mais essa questão mesmo daquele elo que aquele paciente cria com certo funcionário, ou mesmo no monitoramento que a unidade faz com alguns pacientes que estão em acompanhamento por estarem sintomáticos. Por telefone mesmo eles acabam conversando, comentando sobre sua ansiedade, sobre o que está acontecendo na sua família, e através disso que a gente vai lidando no decorrer do tempo e tentando minimizar essa questão dessa pandemia.
Barbara Martins – Agora, com relação a essa diversificação de atendimento, se é que a gente pode colocar dessa forma, pela qual organizações e equipamentos vêm passando nesse momento que pede reinvenção da gente. Nesse momento crítico que a gente está vivendo, a Pastoral e a UBS, assim como muitas organizações e equipamentos, se reinventaram e adequaram seu trabalho de forma a atender demandas novas e urgentes apresentadas pelas famílias. Da distribuição de cestas básicas à doação de itens para mulheres gestantes. Trabalhos, serviços que não necessariamente estão no escopo tradicional das organizações e equipamentos, mas que vêm sendo realizados como uma forma de atender essas demandas urgentes, novas e urgentes. Vocês poderiam nos contar um pouco sobre isso?
Victor Andrade – Então, no caso da nossa unidade a gente teve que reinventar, inclusive na sua estrutura. A gente teve que pensar em estratégias para a gente manter aqueles pacientes que precisam da prevenção do dia a dia com essa demanda nova que seria a dos sintomáticos. A gente teve que montar um fluxo para ter atendimento dos sintomáticos num prédio e atendimento das consultas eletivas em outro para não ter esse cruzamento entre eles, para [não] ter essa contaminação cruzada. Foi uma das primeiras coisas que a gente montou até para trazer um pouco mais de segurança para o servidor, pelo menos nessa questão. Inclusive, tanto na questão de profissionais. Como já foi dito antes, nós tivemos que ter o apoio de outras unidades, principalmente na questão da nossa pediatra que está afastada, para dar acesso a todas as crianças da nossa área de abrangência. E também, quando somos solicitados, a gente dá apoio em outros quesitos, em relação a testes, em relação a avaliações médicas. Então, todos os dias a gente está se reinventando. Agora com a demanda da vacina… Então, a cada dia são informações novas, são estratégias novas para a gente tentar solucionar esses problemas e minimizar todas as questões para trazer uma qualidade melhor tanto para os nossos funcionários, como para os próprios pacientes mesmo, para que todos sejam assistidos.
Leonor Rodrigues de Moura – É, você tocou no assunto cesta básica quando você falou. As famílias atendidas pela Pastoral da Criança passaram por momentos muito difíceis mesmo porque até aí elas ganhavam cestas básicas na igreja, aquela coisa toda, e para todo mundo as coisas foram apertando. Aquela pessoa que doava para a cesta básica dez quilos de arroz, passou a doar cinco. Então, tudo isso repetiu muito pesado para as famílias. Aí, volta aquela história que eu falei para vocês da parceria e se unir. Nós temos um pessoal que é a Pastoral Familiar, Pastoral Social. Aí, eles me procuraram. E foi de uma grande ajuda. Grande, mas grande mesmo. Como eu disse, eu e minha equipe coordenamos Guarulhos como um todo, então as doações chegam todas até mim e deu para a gente atender a muitas famílias. Fizemos uma peneira. Algumas famílias estavam recebendo cesta da escola, outras recebiam cesta da igreja e essas que já tinham um vínculo certo ficou assim. Mas tinham muitas que não estavam recebendo nada ou umas que tinham cinco, seis filhos recebiam uma cesta com meia dúzia de itens e aí a gente reforçava. E uma campanha grande com roupinha de bebê, carrinho, tudo o que você imaginar, a gente recebeu e recebe. Ontem mesmo eu recebi uma doação de fralda, de leite. Aí, eu sento, vejo o local que precisa mais. Nós temos um local em Guarulhos chamado Terra Prometida que está passando por um momento muito difícil. E temos lugares de paróquia como a Vila Fátima, graças a Deus, que tem um pessoal digamos que de um poder aquisitivo um pouquinho melhor que já ajuda um pouco mais. Aí, você vai para um fundão da Santos Dumont, aqueles lugares, já é um povo que mais precisa. E não vou te dizer que são só as famílias acompanhadas. Hoje nós temos muitas líderes também passando por essa situação, desempregadas, muitas que são faxineiras não têm faxina. E aí, como eu te disse, a gente se juntando vai conseguindo passar por tudo isso. A gente tem também esse apoio muito forte das UBSs, de todos os agentes de saúde, muitos eu tenho o contato, a gente conversa muito, e eles vão vendo à medida de muita necessidade, um médico, um remédio e assim vamos um ajudando o outro.
Barbara Martins – Agora, para nossa última pergunta, apesar dos desafios e das perdas que a pandemia trouxe e ainda pode trazer, vocês avaliam que ela também trouxe para as equipes e gestão aprendizados que permaneceriam mesmo findado esse momento? Que aprendizados seriam esses?
Leonor Rodrigues de Moura – Eu até me emociono quando eu falo disso porque a gente fala até pela gente mesmo, né? A gente aprendeu. Eu aprendi muita coisa, principalmente dentro da UTI. E assim, graças a Deus, vejo com as minhas lideranças que elas aprenderam a se unir mais. Elas aprenderam que você carregar uma mala sozinha, ela pesa e se pôr duas mãos, o fardo é mais leve. E assim, a se ajudar muito mais uma à outra, a se abrir muito mais, a sentir falta. Porque às vezes fala “nossa, toda hora esse mesmo fulano”, hoje sente falta um do outro. E a Pastoral da Criança, que é o que eu vivo nesse momento, com todas essas líderes, graças a Deus, elas afloraram ainda mais esse amor que elas têm porque a Pastoral da Criança, como eu disse para vocês, é uma pastoral ecumênica, de várias religiões, então faz uma união muito forte. Tem um momento que a gente se reúne Guarulhos inteira. Muitas vezes a gente se reúne todas. Vocês imaginam a quantidade de pessoas. E aí você vê o amor de uma que bem de longe está vendo a outra, mas se identificam como Pastoral da Criança. Quando elas se reúnem com essas famílias, o carinho delas hoje, a preocupação, pedir ao jovem “vai ver aquela família para mim”. E vai unindo umas pessoas. Porque eu acho que é isso que a gente está precisando. E elas são totalmente voluntárias. Mas, gente, é totalmente mesmo. Não tem um almoço, uma coisa, cada uma traz uma coisinha por mais humilde que seja. Mas elas têm amor. E todo trabalho que é feito com amor eu acho que sempre nos deixa aprendizagem. Eu acho que a Pastoral da Criança aprendeu muito, mas ela também ensina muito. Já vi transformação de muitas famílias através da Pastoral da Criança, que cuida de mãe usuária, de pai usuário, daquele que está preso, sem julgar ninguém, mas tentando ajudar e levar vida, e vida em abundância, e vida plena, que é isso que a gente precisa. Então, para nós, que já amávamos, hoje a gente ama muito mais porque é essa lição que ficou para a gente “amai-vos uns aos outros”. E muito obrigada.
Victor Andrade – Então, apesar de tudo, apesar de tudo que está acontecendo, coisas ruins, uma melhora que a gente não está vendo, eu acho que apesar de tudo, a pandemia trouxe uma experiência para a gente que é um conhecimento que a gente não vai perder para o resto das nossas vidas. Eu até acrescentei aqui umas coisinhas: a gente aprendeu a ter mais empatia com o colega, aprendeu a tolerar mais, nesse período a gente aprendeu a se reinventar. Uma outra questão, diariamente a gente vê mudanças, às vezes a gente vê mesmo pela TV: uma cepa nova, uma doença diferente, todo dia tendo mudança… A gente está aprendendo a se adaptar a tudo isso. Às vezes a gente passa uma coisa para a equipe e a equipe fala: “mas a gente vai conseguir fazer isso?”. E a gente frisa naquilo: a gente vai tentar pelo menos. E a gente tenta, e a gente consegue. Então, tem essa união, esse apoio um com o outro, porque sozinhos nós não conseguimos fazer nada. A gente se une por um bem comum que, no nosso caso, é dar assistência para o paciente, é trazer uma qualidade de vida melhor para ele, uma prevenção na saúde. E essa pandemia está trazendo tudo isso para a gente. A gente está tendo que se reinventar, a gente está tendo que se adaptar e apesar de tudo que está acontecendo, a gente está se qualificando nessas questões mesmo e se unindo cada vez mais porque sozinhos a gente não faz nada mesmo.
Barbara Martins – Bom, agora a gente chega àquele espaço para as considerações finais. Vocês gostariam de dizer mais alguma coisa? Podem ficar à vontade.
Leonor Rodrigues de Moura – Eu só queria agradecer muito, mas muito mesmo vocês por esse espaço. Quando a gente fala sobre a Pastoral é o momento da gente, como a Eliana falou, pedir pessoas que nos ajudem, pedir pessoas que nos apoiem, jovens, seja lá como for, mas que nos ajudem porque é uma batalha grande, é muita criança, é muita família precisando. E agradecer muito a Deus também, por ele, com toda essa pandemia, nos ajudar a nos ajudarmos e ajudar ao próximo. E a mensagem que eu queria deixar é isso: juntos somos muito mais, muito mais, e o mundo precisa nesse momento e para sempre que a gente se junte, mas se junte mesmo. E muito obrigada a vocês por nos dar essa oportunidade de mostrar um pouquinho desse trabalho de formiguinha, mas que a gente, aos poucos, eu sei que vamos chegar lá e com muita fé em Deus isso tudo vai passar. Nós temos uma luz no fundo do túnel porque isso vai passar. E muito obrigada a todas vocês pelas palavras, foram muito boas.
Barbara Martins – Muito obrigada, Leonor! Victor, por favor.
Victor Andrade – Primeiramente, eu gostaria de agradecer pelo convite, pela oportunidade de trazer um pouco do nosso trabalho da unidade. Gostaria de agradecer a Pastoral, principalmente a Eliana que sempre está lá nos apoiando na unidade, trazendo algumas necessidades dos usuários e sempre disposta, sempre lá firme e forte, uma voluntária excelente, de parabéns! Agradecer também muito a minha equipe, que faz de tudo, dão o seu melhor todos os dias no seu ambiente de trabalho e o apoio de todos vocês, da Escola SUS, que deu essa oportunidade de a gente passar um pouquinho do nosso conhecimento, do que está acontecendo nesse período para toda população também estar ciente de algumas coisas que acontecem. Porque às vezes muitos ficam com aquela interrogação: “ué, mas por que acontece aquilo?”, “por que estão fazendo isso?”. E são adaptações, são reinvenções que a gente está a cada dia tentando melhorar. São situações novas e a gente está em busca de estratégias novas para melhorar toda essa situação. Muito obrigado.
Barbara Martins – Muito obrigada, Victor! Obrigada pela participação dos dois, Leonor, Victor.
[Encerramento] – Esse foi o terceiro episódio do podcast “Cuidar e Cuidar-se: a atuação de profissionais da saúde de Guarulhos”. Continuem acompanhando nossa série. Na próxima semana lançaremos o quarto e último episódio, e vamos ter como convidada para nossa conversa a Patrícia Paione Grinfeld, psicóloga com pós-graduação em psicoterapia de casal e família e em psicanálise na perinatalidade e parentalidade. Obrigada a todas as ouvintes e todos os ouvintes e até mais!
[Vinheta de Abertura] – Cuidar de Quem Cuida. Está no ar o “Cuidar e Cuidar-se: a atuação de profissionais da saúde de Guarulhos”, podcast vinculado ao “Cuidar de Quem Cuida”, projeto de ação em rede do Sesc São Paulo que propõe reflexões em torno das pessoas vinculadas aos cuidados com bebês e crianças de zero a seis anos.
Barbara Martins – Olá! Sejam todas bem-vindas e todos bem-vindos ao segundo episódio do “Cuidar e Cuidar-se”. Meu nome é Barbara Martins e eu sou educadora de referência do Espaço de Brincar do Sesc Guarulhos. Hoje conversaremos com a Bruna Mascarenhas, a Giselle Viana, a Solange Melo e a Sônia Regina de Lima. Elas são agentes de saúde da UBS Vila Fátima, território vizinho ao Sesc. Olá, Bruna, Giselle, Solange e Sônia. Sejam bem-vindas. Obrigada por estarem conosco hoje nessa conversa.
Como ficou o funcionamento da UBS quando a pandemia começou? E quanto ao trabalho de vocês? Isso foi mudando com o passar do tempo? Como ambos, o funcionamento da UBS e o trabalho de vocês, estão hoje?
Sônia Regina de Lima – Então, a pandemia começou em Março de 2020. E quanto ao nosso trabalho, no início as visitas foram suspensas, as consultas também, exceto as gestantes. Depois a própria Secretaria foi liberando as vagas pelo Diário Oficial, anunciando com a gerência quanto aos limites de atendimento que deveriam ser feitos. Cinquenta por cento, depois foi para setenta e cinco, depois para cem. Aí logo depois, alguns funcionários acabaram ficando afastados. Devido à comorbidade, eu mesma acabei me afastando porque eu tenho asma. Alguns tinham pressão alta, outros têm diabetes. Então, ficou um tempo afastado e acabou tendo mudanças na nossa rotina também porque alguns funcionários acabaram ficando sobrecarregados com isso. Mas acabou tudo dando um jeito. Aqueles que ficaram conseguiram cumprir a função dos outros junto. Com o passar do tempo a gente foi retomando as visitas, só que tomando aqueles cuidados. Usando os EPIs que foi nos fornecido pela prefeitura, como o uso da máscara, a máscara de acrílico que eles mandaram, o álcool gel que era para a gente usar nas visitas. E fazíamos as visitas mantendo o distanciamento, mantendo até hoje. Não é para nós adentrarmos a casa dos cadastrados, fazemos as visitas nos portões, mas também orientando contra a dengue, o COVID. E caso apresentar algum sintoma, eles tiram as dúvidas com a gente e a gente orienta qual a forma correta. Quando houve a redução dos casos, nós voltamos às visitas domiciliares, mas tomando todas as precauções.
Barbara Martins – Como vocês se sentiram com a chegada da pandemia? Houve preocupações relacionadas ao trabalho? Individualmente, dentro da vida pessoal, como vocês se sentiram? E com o passar do tempo, como vêm se sentindo?
Giselle Vianna – Então, todos nós ficamos muito apreensivos, com medo por ser uma doença desconhecida. Até então, a gente tinha uma rotina normal. Do dia para a noite, essa rotina foi totalmente parada. Eu lembro que em torno de quinze dias São Paulo parou por completo. Então, ficamos com medo por causa disso. Aí, houve também as preocupações relacionadas ao trabalho porque a gente também ficou com medo de pegar a doença, de adquirir a COVID. A gente ficou com medo, algumas pessoas se afastaram e aí acabou ficando sobrecarregado também o trabalho da equipe. Também houve cancelamento de férias, de folga, de licenças, por esse motivo. Com o passar do tempo, a gente está se sentindo impotente porque por ser uma doença nova, toda hora mudam as orientações, até mesmo do próprio Ministério da Saúde… A gente não sabe como lidar ainda. No começo eu lembro que se falou que era uma doença que se você pegasse depois você não ia mais pegar e já mudou isso. E a gente também se sente impotente com relação às famílias por outros problemas de saúde que elas têm, porque devido ao COVID tem que parar um pouco as consultas eletivas. Aí teve esse problema.
Barbara Martins – Perfeito, Giselle. Vocês já mencionaram algumas informações relacionadas às adequações nos atendimentos às famílias: o distanciamento, o não adentramento das residências… Houve, ainda, outras adequações com relação aos elementos que vocês tinham como premissa observar nas visitas domiciliares: perguntas, orientações novas que vocês se viram encarregadas de fazer nesse momento?
Giselle Viana – Ah sim, então, a gente teve um formulário de sintomáticos respiratórios. A gente quando voltou às visitas, na verdade, era com esse objetivo: de alcançar essas pessoas que estavam nas suas residências com sintomas de COVID. A gente preenchia o formulário, levava para a UBS e no outro dia essa pessoa já passava com a enfermeira e, se tivesse necessidade, passava com o médico. Se precisasse, também, afastar do serviço, o médico já afastava. Aí, tinha toda essa questão.
Tinha uma pessoa que ficava encarregada de ligar para esse paciente, monitorando ele para ver se ele melhorou, se ele piorou. Qualquer coisa, orientava a ir para o hospital. Aí teve essa parceria. A gente fez esse trabalho na UBS.
Barbara Martins – Por conta da mudança de quadro de funcionários na UBS, como em muitos equipamentos e instituições por conta da pandemia, pacientes infantis vêm precisando ser encaminhados para outras unidades. Vocês observaram alguma redução na procura das famílias por atendimento médico? Sei que já comentaram redução no atendimento por consultas eletivas, mas há ainda alguma informação que vocês acrescentariam? Talvez em relação às vacinas obrigatórias?
Giselle Viana – Ah sim, houve sim. A gente via a apreensão das mães, que tinham medo de levar as crianças na UBS para dar as vacinas, por conta da pandemia. E, também, em questão da pediatria. Elas só estão levando mais em último caso mesmo.
O que acontece [é que] a nossa UBS teve ajuda da pediatra de outra UBS, dependendo da faixa etária. A gente estava com o médico da família, que estava atendendo as crianças de zero a seis meses. As crianças maiorzinhas a UBS Parque Cecap estava dando um apoio para a gente. E crianças maiores de dois anos estavam indo para a UBS Ponte Grande. A gente teve esse apoio dessas UBSs porque a nossa pediatra era grupo de risco e está afastada no período. Ela não voltou ainda.
Mas a gente percebeu, sim, esse medo dos pais. Eles tinham medo de não levar e a criança ficar ruim, ou de levar e a criança ser contaminada. Em visita a gente via essa questão e até orientava assim: se fosse uma coisa só de rotina, se visse que a criança estava bem, para evitar mesmo estar levando de rotina, só se fosse um caso necessário, uma criança que já tivesse uma patologia crônica, alguma coisa que precisasse de um acompanhamento mais específico, para evitar estar indo aos locais, para ficar mais restritos ao lar mesmo.
Barbara Martins – Certo, Giselle. Obrigada! Agora, para a pergunta seguinte, eu gostaria de fazer um direcionamento para a Bruna e para a Solange. Com relação a questões de comportamento e saúde mental e emocional dessas famílias também. A gente tem ouvido uma série de relatos relativos a alterações no comportamento das crianças e sobre sentimentos de ansiedade, estresse, medo, que vêm acometendo as pessoas de forma geral. O que vocês vieram observando nas visitas domiciliares ao longo da pandemia? E, especificamente, no que diz respeito aos estados mentais e emocionais e ao comportamento das crianças, o que as famílias vêm relatando ao longo desse tempo?
Bruna Mascarenhas – Então, nesse período – como, assim, elas ficaram sem ir para a escola também, né? -, as mães se queixavam que elas ficavam muito irritadas, ficavam muito tempo no celular ou assistindo muitos vídeos, não poderiam sair na rua e nem brincar com as outras crianças, então, isso provocava uma irritabilidade nelas. E também, assim, com dificuldade de fazer a lição, porque a rotina mudou totalmente. Então, não é a mesma coisa de a criança fazer a lição na escola e estar em casa o tempo todo, todo dia, ali, fazendo a lição. E, muitas mães, também não conseguiam acompanhar essa tarefa. Então, isso provocava algum medo, angústia nas crianças, também, saudade da escola – muitos ficaram, nesse período – e teve crianças que [essa situação] ocasionou alguns problemas de ansiedade, e outras coisas que não apareciam antes da pandemia. Com a chegada da pandemia, isso aconteceu bastante com algumas crianças.
Teve mães que foram até à UBS atrás de psicólogo – e todas elas foram atendidas – com essas mudanças de comportamento que [as crianças] tiveram nesse período.
Barbara Martins – Certo! Para a gente ramificar essa pergunta, gostaria de perguntar para a Solange. Bruna, você comentou sobre a procura das famílias por atendimento psicoterapêutico, por psicóloga, psicólogo. Gostaria de perguntar: qual é o procedimento para as famílias terem essa demanda atendida na UBS? Como veio sendo, talvez, em função da alta procura, como vocês vieram lidando com essa demanda? Se a Solange puder responder, por favor…
Solange Melo – A demanda era a seguinte: a criança era direcionada para a UBS, lá passava pelo acolhimento com a enfermeira, e depois a possibilidade de passar com o médico – se o médico estivesse no momento – aí o médico encaminhava para um especialista mais competente, que pudesse atendê-lo.
Barbara Martins – Muito obrigada pela participação Bruna, Giselle, Solange e Sônia!
[Encerramento] – Esse foi o segundo episódio do podcast “Cuidar e cuidar-se: a atuação de profissionais da saúde de Guarulhos”. Continuem acompanhando nossa série. Na próxima semana conversaremos com a Leonor Rodrigues de Moura, coordenadora da Pastoral da Criança em Guarulhos, e com o Victor Andrade, coordenador da UBS Vila Fátima. Obrigada todas as ouvintes e todos os ouvintes e até mais!
[Vinheta de abertura] Cuidar de Quem Cuida. Está no ar o “Cuidar e cuidar-se: a atuação de profissionais da saúde de Guarulhos”, podcast vinculado ao “Cuidar de Quem Cuida”, projeto de ação em rede do Sesc São Paulo que propõe reflexões em torno das pessoas vinculadas aos cuidados com bebês e crianças de zero a seis anos.
Barbara Martins – Olá! Sejam todas bem-vindas e todos bem-vindos ao primeiro episódio do “Cuidar e Cuidar-se”. Meu nome é Barbara Martins e eu sou educadora de referência do Espaço de Brincar do Sesc Guarulhos. Hoje conversaremos com a Eliana dos Anjos. A Eliana é líder na Pastoral da Criança há dez anos e há três anos começou a atuar também como coordenadora comunitária e paroquial. Ela atua no território da Vila Fátima, vizinho ao Sesc.
Olá, Eliana! Seja bem-vinda. Obrigada por estar conosco hoje nessa conversa!
Eliana dos Anjos – Olá, Bárbara! Olá, pessoal! Tudo bem? Eu agradeço aqui pelo convite! Estamos aí, à disposição.
Barbara Martins – Nós é que agradecemos a presença, Eliana!
Eliana, como funciona o trabalho da Pastoral da Criança e qual é o seu papel nesta organização?
Eliana dos Anjos – Antes de falar da Pastoral, eu gostaria de fazer uma breve introdução sobre a Pastoral da Criança. Ela foi criada em 1983, em Florestópolis, no Paraná, pela médica sanitarista e pediatra Dra. Zilda Arns, e também pelo então arcebispo de Londrina (PR), o cardeal, que hoje é emérito, dom Geraldo Magella Agnelo. E a Pastoral da Criança está presente em todos os estados brasileiros e em dez países da África, da Ásia, da América Latina e do Caribe.
A Pastoral da Criança trabalha por um mundo sem mortes materno-infantis evitáveis e onde todas as crianças, mesmo as mais vulneráveis, vivam em um ambiente favorável ao seu desenvolvimento. E a missão da Pastoral da Criança é promover o desenvolvimento das crianças, opção [preferencial] pelos pobres, desde o ventre materno até os seis anos de idade, por meio das orientações básicas de saúde, nutrição, educação, cidadania e fundamentadas na mística cristã que une fé e vida, contribuindo para que as famílias e comunidades, sem distinção de raça, cor, credo, profissão, nacionalidade, ou credo religioso e político, realizem sua própria transformação.
A missão da Pastoral da Criança está voltada para essas famílias carentes, como eu acabei de explicar, e para realizar esse trabalho da Pastoral, ela conta com pessoas voluntárias, que passam por uma capacitação, que nós chamamos de “Guia do Líder”. É o material que nós temos que faz com que a gente tenha condições e formações para levar para as famílias que nós acompanhamos e, essas pessoas, depois que passam por uma capacitação, com esse “Guia do Líder”, elas são denominadas “Líder”. Esses líderes atuam na tarefa de acompanhar essas famílias vizinhas, no entorno da sua comunidade, tendo como resultado esperado promover a dignidade humana.
Hoje, o meu papel – essa sua segunda pergunta [sobre] qual é o meu papel nessa organização –, hoje eu estou, como você inicialmente já abriu a conversa falando, como coordenadora de comunidade e como coordenadora paroquial. Eu assumo também atividades de líder, eu acompanho 15 famílias mensalmente, por meio das visitas domiciliares – hoje à distância, com o uso do aplicativo “Visita Domiciliar”, em função da pandemia –, além de participar da Celebração da Vida, que é um encontro com as famílias, que nós fazemos mensalmente, e o RRA, que é uma reunião de análise e reflexão da nossa caminhada, que também é feita mensalmente. Eu tenho uma outra atividade, como capacitadora desse “Guia do Líder”, de oficinas e também desse aplicativo “Visita Domiciliar”.
Barbara Martins – E, Eliana, a Pastoral também tem relação com os equipamentos de saúde do território, como as UBSs [Unidades Básicas de Saúde], não é? Você poderia nos contar um pouco mais sobre essa parceria?
Eliana dos Anjos – Então, a Pastoral da Criança incentiva a criarmos parcerias com diversos órgãos, dentre eles, o serviço de saúde. O contato que estabelecemos com a UBS Vila Fátima hoje é extremamente positivo, porque sabemos que podemos contar com o apoio da equipe sempre que nos deparamos com causas delicadas, urgentes e específicas de alguma família da comunidade, assim como eles nos fornecem as informações concretas e precisas para que possamos compartilhar com outras pessoas com segurança, evitando, assim, hoje que nós temos uma quantidade imensa de fake news. Então, quando a gente vem com a informação ali precisa, nós também passamos com maior segurança, né, e passa também essa transparência para a população. Por outro [lado], sempre que possível, nós procuramos participar das reuniões mensais da UBS com o intuito de nos mantermos atualizados.
Barbara Martins – Agora, Eliana, um pouco sobre você – mais pessoalmente. Como você se sentiu quando a pandemia começou? Havia preocupações com relação ao trabalho? E como foi se sentindo ao longo do tempo?
Eliana dos Anjos – Sim! Então, lá no início do mês de março de 2020, nós estávamos nos preparando para as atividades pertinentes daquele mês, que são as reuniões, as visitas domiciliares – presenciais na ocasião – e a Celebração da Vida, que é esse encontro com as famílias. E, de uma hora para outra, tudo teve que ser interrompido imediatamente por conta da pandemia que estava se aproximando. Aí, claro, não tinha como não ser, foi um tremendo balde de água fria! Foram tantas incertezas e mal sabíamos, nós e o mundo, o que viria pela frente. Até pensamos que seria uma interrupção breve, mas infelizmente isso não se confirmou e estamos convivendo com isso até hoje, né?!
E, como fomos pegos de surpresa e tudo era muito novo, as preocupações foram inevitáveis. Porém, ao longo de um tempo, essas preocupações deram espaço a um leque de oportunidades que permitiu, e permite, nos reinventarmos a cada dia, principalmente com o uso da tecnologia, tudo dentro da metodologia da Pastoral da Criança, e sempre focados nos cuidados para com os mais necessitados.
Barbara Martins – Pegando o gancho dessas reinvenções, eu gostaria de perguntar: por quais adequações o trabalho de atendimento da Pastoral passou com a chegada da pandemia? Você foi mencionando algumas ao longo das suas falas até agora, mas você poderia nos contar mais um pouco mais a respeito?
Eliana dos Anjos – Sim! Então, com um olhar sempre atento aos protocolos das autoridades sanitárias, às orientações da igreja local, à preservação da vida e saúde que envolve as famílias assistidas, e as nossas famílias e também as vidas dos nossos líderes, que estão conosco nessa caminhada, a Pastoral da Criança passou por algumas adequações. Com relação às reuniões, que eu já comentei anteriormente, que é o nosso RRA, nós tivemos que migrar para as plataformas de reunião on-line, que permitiu que as informações necessárias fossem bem colocadas a exemplo do que ocorre presencialmente.
Fizemos uso dos grupos de WhatsApp: intensificamos os avisos, os comunicados, as informações, sugestões, solicitação de ideias da equipe, porque nós precisamos muito de estar envolvendo todo o nosso grupo nessa mudança, nessa transformação, adequando a esse trabalho e, com essas ideias que eles nos deram, que são todas pertinentes, claro, ao nosso trabalho, através de um grupo de WhatsApp, que nós já tínhamos, mas ele se intensificou, como eu falei.
Com relação às nossas famílias assistidas: o WhatsApp foi muito útil também para nos comunicarmos com as famílias, por diversos motivos, e, principalmente, para enviarmos e aguardarmos o retorno das questões referentes à visita mensal de cada criança ou gestante para que possamos inserir no aplicativo “Visita Domiciliar”.
Com relação às visitas presenciais, por motivo de segurança, tanto para nós quanto para as famílias assistidas pela Pastoral da Criança, as visitas presenciais nas residências das famílias acompanhadas ou que querem ser acompanhadas, ocorrem apenas nos casos em que houver de fato a necessidade. No mais, tentamos nos comunicar à distância.
E nós temos também, dentro desse nosso trabalho que eu citei lá em cima, as capacitações, essas capacitações para formar líderes, ou para fazer um reforço de algo que nós já estamos trabalhando. Então, com relação às capacitações, nós tivemos que adequar algumas capacitações por meio da plataforma Google Meet.
Barbara Martins – E sobre o aplicativo da Pastoral, que é essa ferramenta tão inovadora, você poderia nos contar um pouco mais a respeito? Como funciona? Ele surgiu anteriormente à pandemia, correto?
Eliana dos Anjos – Exatamente! Nós fomos beneficiados com esse aplicativo há uns dois anos aproximadamente, aqui a Diocese de Guarulhos – falando aqui desse nosso “mundo”, aqui do nosso território. Então, esse aplicativo é conhecido como “App Visita Domiciliar”. Ele é de criação da própria Pastoral da Criança e tem um conteúdo específico para cada faixa etária ou no caso das gestantes, semanas de gestação, no qual as visitas mensais são realizadas por meio eletrônico, e permite, assim, que o vínculo com as famílias acompanhadas seja mantido. Então, nós não perdemos esse contato. Isso fez com que nós nos aproximássemos, talvez, até mais.
Após a conclusão das visitas, os dados são transmitidos em tempo real para o sistema central da Pastoral da Criança, em Curitiba, que é a sede da pastoral, que fará análise das informações com o propósito de programar novas ações, formações e identificar eventuais deficiências. Esse aplicativo tem por objetivo auxiliar os líderes nas visitas e orientar as famílias através de dicas, de pontos de atenção, ele apresenta vídeos, ele tem uma opção lá de acompanhamento nutricional, ele fornece umas cartinhas de orientação de acordo com o resultado do peso e altura das crianças. E também, essas cartinhas, essas cartelas de orientação, é possível compartilhar por WhatsApp, com o responsável pela família ou por qualquer outra pessoa que esteja ali em volta da criança. Além de ele fornecer também conteúdos interativos como os brinquedos e brincadeiras, alimentações e capacitações. As capacitações, eu disse anteriormente que poderiam ser feitas através de plataformas on-line, mas nós temos também, nesse aplicativo, as capacitações que a gente consegue fazer. Tem perguntas e respostas, então, é um conteúdo, assim, bastante rico.
E, assim, com o uso do aplicativo, houve uma significativa redução de alguns materiais impressos, gerando assim economia de papel, colaboração com o meio ambiente, claro, né, tivemos redução com correios, transporte, combustível, sem contar que o “App Visita Domiciliar” proporciona agilidade na transmissão dos dados, permitindo ter acesso instantaneamente às informações no site da Pastoral da Criança.
O aplicativo não depende de internet para executar algumas funcionalidades, ele pode ser utilizado off-line, principalmente, para fazer as visitas domiciliares. A conexão com a internet somente é necessária para baixar o aplicativo e para sincronizar os dados, que é o que faz com que as informações sejam vistas lá na ponta, pela própria Pastoral da Criança.
Então, assim, nós tivemos esse presente, essa riqueza da Pastoral, né? E tem uma outra informação, esse aplicativo é possível ser baixado gratuitamente por qualquer pessoa. Ele usa no celular, no tablet, hoje ele não tem desktop. Mas, ele está aí à disposição e quem tem interesse em conhecer um pouquinho mais esse aplicativo, pode baixá-lo na lojinha do Google Play. Procure por “App Visita Domiciliar” ou aplicativo da Pastoral da Criança, que vai ter acesso a ele.
Barbara Martins – Eliana, agora com relação às famílias atendidas, como veio sendo esse atendimento? A gente já conversou sobre as estratégias e meios que foram adotados para a manutenção desse atendimento durante a pandemia, mas propriamente sobre a realidade que vocês encontraram nesse momento de distanciamento, isolamento, em que situação estavam essas famílias? E houve alguma dificuldade em acessá-las?
Eliana dos Anjos – Na realidade, a pandemia não foi impeditiva para a gente dar continuidade ao nosso trabalho. Pelo contrário, ela nos desafiou a sermos mais criativos. Como eu falei anteriormente, apesar de algumas preocupações que tivemos no início, conseguimos nos adequar à nova realidade, com todo o suporte que a Pastoral da Criança nos fornece. Nós não tivemos muitas dificuldades para ter acesso às famílias à distância. Uma ou outra nós não conseguimos contactar por conta da realidade delas. Então nós temos que ir ao local colhermos as informações necessárias para lançar no sistema e reduzir o nosso tempo de permanência no local. Então, a gente tem todo esse cuidado sanitário, cuidado conosco e com as famílias. Contudo, nós sentimos muita falta de estarmos presencialmente na casa de todas as famílias acompanhadas ou nos nossos encontros mensais, que são os momentos que nos proporcionam fortalecer os laços e, sem dúvida, fica muito mais fácil trabalhar fazendo essas visitas presenciais. E aí o trabalho da Pastoral da Criança continua sendo realizado durante a pandemia, ele nunca parou, isso porque boa parte das lideranças tem as famílias cadastradas no aplicativo e consegue fazer o contato pelo celular, por meio dos nossos líderes, que se colocam à disposição mesmo nesse momento difícil que estamos passando. E é isso.
Barbara Martins – Agora Eliana, e quanto ao comportamento das crianças e estado emocional das famílias? Além do risco de contaminação pela COVID-19 e das inúmeras vulnerabilidades que a pandemia aprofundou, o bem-estar e a saúde mental da população vêm sendo afetados. A gente tem notícias disso, a gente acompanha isso, a gente vive isso dentro das nossas próprias casas. Que realidade vocês têm encontrado nas visitas domiciliares, ainda que à distância, com relação a esses estados emocionais, ao comportamento das crianças, e mesmo com relação a práticas de cuidado com a saúde que a gente sabe que não é só física, mas é também mental e emocional?
Eliana dos Anjos – Nós temos como parâmetros as questões por faixa etária de cada criança, elaboradas pelo próprio aplicativo da Pastoral, respondidas pelos responsáveis da criança ou pela gestante. Consequentemente eles irão nos remeter às orientações cabíveis. Então, [tomando como] base todo esse material que nós temos à nossa disposição, a gente consegue passar as nossas informações. Então eu vou dar um exemplo. Por exemplo, um desses questionamentos que é feito no nosso aplicativo (são perguntas que são feitas de acordo com a faixa etária da criança) é se a criança foi levada ao serviço de saúde nos últimos trinta dias. Se ela foi, aí surge uma outra pergunta sobre o local do atendimento: se ela foi no posto de saúde, se ela foi na unidade de saúde, na UPA, no hospital particular ou se foi no plano de saúde. Aí depois, ele faz uma outra pergunta: se a consulta foi de rotina ou porque a criança não estava bem. E depois ele vai para um outro passo, para concluir, questionando se a criança foi atendida. Feito isso, nós já temos as informações e caso a criança não tenha sido atendida, entra aí o nosso olhar e a nossa orientação para essa família, para a gente ver porque é que não foi, não foi de repente no serviço de saúde ou se ela foi, o que é que aconteceu para a gente poder trabalhar e, se for o caso, a gente leva para os gestores da UBS.
Nós temos uma outra pergunta sobre as vacinas. Porém, o sistema só questiona se a faixa etária da criança está dentro do calendário de vacinação do Ministério da Saúde. Mas nós temos também as vacinas de campanha. Então, nós questionamos outras vacinas que de repente não aparecem naquele calendário. Caso o responsável da criança não a tenha levado para tomar, o sistema orienta sobre a importância da vacinação e nós reforçamos sobre a necessidade e os riscos da não aplicação da vacina para a família.
E o sistema para todas as crianças, independente da faixa etária, tem um outro olhar com relação ao desenvolvimento da criança. Ele apresenta alguns indicadores, que nós conhecemos como IOCs, que quer dizer indicadores de oportunidades e conquistas e têm a preocupação com o desenvolvimento infantil. Esses indicadores são de extrema importância para observarmos como está acontecendo o cuidado, o carinho e a atenção da família para com a criança, assim como a interação da criança com seus responsáveis. Há alguns indicadores que podemos apenas observar e responder, sem questionar os responsáveis, pois eles são visíveis e estão ligados aos cuidados da família. Por exemplo, nós vamos visitar a família e temos o questionamento: a família ensina sem violência o que a criança não pode fazer? Então, nós que estamos ali na visita, a gente já está acompanhando e consegue responder isso. Ou então, com base nessa informação, eu perceber que está ocorrendo uma violência e a gente tentar abordar a família de uma forma que a gente consiga trazer a paz para aquela família, mostrar a importância da família da criança. Também há questões sobre espaço, se a criança tem espaço que ofereça segurança para ela se desenvolver. Isso tudo dentro da realidade da criança. Tem perguntas que questionam se há troca de olhares entre mãe e bebê durante a amamentação, que são pontos para a gente observar como está o andamento daquela mãe com aquela criança, como está esse vínculo materno, porque isso tudo tem reflexo na vida adulta da criança.
Barbara Martins – Agora a gente gostaria de deixar aqui um espaço para suas considerações finais. Você gostaria de dizer mais alguma coisa? Pode ficar à vontade.
Eliana dos Anjos – Então, primeiramente eu gostaria de agradecer pelo convite, pela oportunidade de expor um pouquinho do trabalho da Pastoral da Criança, sobretudo nesse tempo de pandemia. E gostaria de falar que o nosso desafio é grande: manter esse trabalho, aumentar a nossa capacidade de atendimento. Então, para isso, eu gostaria de fazer um apelo para que mais pessoas se coloquem à disposição como voluntárias e venham fazer a sua parte conosco, unindo forças, se entregando às causas dos mais necessitados, porque nós estamos com o recurso humano bastante limitado, o que nos impede de incluir novas gestantes e crianças carentes que estão distribuídas nas intermediações do nosso bairro. Eu lá no início comentei que eu sou responsável por quatro comunidades, além daqui da Vila Fátima. Aqui na Vila Fátima, nós temos quatro líderes para lidar com em torno de 50 crianças. Nas quatro comunidades nós temos uns 20 líderes para lidar com 110 crianças. A gente gostaria de fazer muito mais, fazer um trabalho bem melhor, atuar em outras frentes para colaborar mais com essa família. Então, é isso, esse apelo para que mais pessoas consigam abraçar essa causa com a gente. Por enquanto, muito obrigada.
Barbara Martins – Obrigada pela participação, Eliana.
[Encerramento] Esse foi o primeiro episódio do podcast “Cuidar e Cuidar-se: a atuação de profissionais da saúde de Guarulhos”. Continuem acompanhando nossa série. Na próxima semana conversaremos com a Bruna Mascarenhas, a Giselle Viana, a Solange Melo e a Sônia Regina de Lima, agentes de saúde da UBS Vila Fátima. Obrigada a todas as ouvintes e todos os ouvintes e até mais!
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.