Cultura HIP HOP:  Resistência e Filosofia das Ruas – os anos 1990

30/08/2022

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Foto: Zé Carlos Barretta

Uma década após a chegada da cultura Hip Hop no Brasil, a partir dos anos 90, grupos de rap, crews de breaking, djs e graffiteires ganham reconhecimento na cena. Muitas músicas rendem sucessos até hoje e diversos grupos dessa época geram recordes de bilheterias em eventos como o “Festival Gangsta Paradise”. 

No início da década, os meios de divulgação do movimento Hip Hop, eram através de impressos como jornais, revistas, cards e fanzines, que informavam nomes, termos e histórias do Hip Hop, fazendo com que o intercâmbio de ideias circulasse pelo país. Nesta época, as rádios – com destaque para as rádios comunitárias – tocavam o rap e falavam um pouco sobre este gênero musical que estava crescendo, era possível ligar na rádio para pedir música, aguardar ser tocada e aproveitar para gravar na fita K7. Muitos grupos usavam a gravação da fita K7 para replicar o looping da instrumental e assim fazer um rap em cima da “base”.  

Foto: Pexels/ Andrea Piacquadio

As informações chegavam, o hip hop tomava corpo e se espalhava pelo Brasil e pelo mundo, nesta época, as mulheres do trio Salt-N-Pepa, Queen Latifah, MC Lyte, Lauryn Hill, Missy Elliott e DaBrat surgem em videoclipes que passavam na TV em programas como YO MTV e manos e Minas da TV Cultura, elas trazem referências de rimas diferenciadas e estilos de roupas e cabelos que influenciariam gerações. Nesta mesma época, o gangsta rap esteve no auge com artistas como Tupac Shakur, The Notorious Big, Snoop Dogg e 50 Cent, assim como o grupo Wu Tang Clan surge com suas próprias excentricidades e Bone Thugs-n-Harmony com speedflow diferenciado. No Brasil, grupos como Racionais MCs, Sistema Negro, RPW, Consciência Humana, Verbo Pesado, Facção Central, Realidade Cruel, GOG, MV Bill, Marechal dentre outros, ganhavam espaço em matérias de jornais e revistas que apontavam o Hip Hop como o novo movimento de expressão musical que manifestava as demandas da periferia. 

Mas, e as mulheres do rap? 

Embora a maioria delas não aparecesse em matérias de jornais, não tinham suas músicas tocadas em rádios e nem mesmo seus nomes apareciam em cards de eventos, elas estavam se profissionalizando e contribuindo com a consolidação e difusão do Hip Hop no Brasil. Dentre elas, a rapper Sharylaine no ano de 1991, lança músicas nas coletâneas “Rap do Brasil” e “Rappers e Irmãos” no qual foi apresentado ao publico o grupo RZO. No mesmo ano, Sweet Lee lança a música “Comandando Multidões” no disco Ritmo Quente ll. No ano seguinte, Rose MC participa da coletânea Elas por Elas da gravadora Kaskatas com as músicas “Exemplo de Mulher” e “Paixão Bandida” além de participar em outros trabalhos com Thaíde e DJ Hum, Doctors MCs e SNJ. 

Cris SNJ e Sharylaine em show no Sesc Campo Limpo. Foto: Zé Carlos Barreta

Na década de 90 muitas mulheres iniciaram suas carreiras em diversos estados, como a pioneira Edd Wheeler com o grupo Damas do Rap (RJ), Vera Veronika (DF), Iza Negratcha (SE), MC Cida (AM), Luciana Miss Black (MG) e Malu Viana com o grupo Flor do Gueto (RS) que veio a falecer em 2021 vítima de infarto pós recuperação da Covid19. 

Já em meados de 1995 o grupo Visão de Rua lança a música “Confidências de uma Presidiária” na coletânea Nosso Som é: Rap is Rap. Em 1998 lança o primeiro álbum intitulado “Herança de um Vício”, o grupo Visão de Rua foi indicado ao prêmio Hutus por 07 vezes, sendo premiadas em 2000 e 2001. Considerada a Rainha do Rap, a vocalista do grupo Dina Di, contraiu uma infecção hospitalar em 2010 e faleceu aos 34 anos deixando 05 CDs gravados e tornando referência de uma grande expressão para o rap nacional. Dina Di foi homenageada no livro “Perifeminas l – Nossa História” em 2013 e ganhou um Doodle do Google em fevereiro de 2022. 

No Breaking, b.boys e b.girls participavam em diversos campeonatos, influenciados por filmes como Flashdance, Style Wars, Wild Style, Beat Street, Breakin’ e Krush Groove, se encontravam na estação São Bento em São Paulo, local que se tornou ponto de encontro e reunia multidões vindas de outras cidades/estados para participar dos festivais.  Crews como BSB B.Girls, Jabaquara Breakers, Back Spin, Crazy Crew, Nação Zulu, Street Warriors, Red Style Crew, dentre outros participavam dessa construção na década de 90 com destaque para a b.girl Miwa que foi a primeira mulher a conquistar títulos no exterior. 

DJs surgiam para comandar os bailes, campeonatos de breaking, tocar para grupos de rap e realizar Turntabilismo. A cultura do DJ surge a partir das expressões vindas dos toca-discos que eram criadas por técnicas como back-to-back, scratch, mixagem e discotecagem. Campeonatos de DJs surgem pelo mundo, como o campeonato Mundial de Djs do DMC (DMC World DJ Championships), que consagra campeões brasileiros em 1989 DJ Marlboro, 1990 DJ Cuca, 1996 e 1997 MC Jack. No Brasil, em 1997 surge o campeonato Hip Hop DJ, idealizado por DJ KL Jay e rapper Xis, o primeiro campeão foi o Dj Fábio Soares (97) seguido de DJ Cia (98/99), o campeonato se estende para as próximas décadas. Diversos Djs se tornaram referências ao discotecarem em campeonatos de breaking como a DJ Nice, DJ Branco, DJ Ninja e DJ Naja, também os DJs que se apresentavam com grupos de rap como DJ Hum, Hadji, Negro Rico, Dj Lu e Dj Zeme (primeira Dj do rapper Sabotage), além dos Djs que se consagraram também por serem produtores musicais como é o caso de Dj Raffa Santoro do DF que lançou mais de 7 álbuns solos com efeitos, scratch, beats, gravou 3 álbuns com Os Magrellos, 5 álbuns com o grupo Baseado nas Ruas e mais de 200 grupos de rap nacional.  

O Graffiti na década de 90 é disseminado pelas ruas, becos, vielas, prédios, postes por pessoas que usavam a arte de grafitar para se expressarem. O graffiti foi o último elemento a entrar no movimento Hip Hop, e que passou a integrar pelo entendimento de que dialogava com a proposta de expressão através da arte, manifestando demandas do dia a dia periférico. Nesta época, nomes como Os gêmeos (Otávio e Gustavo Pandolfo), Nina Pandolfo e Anarkia Boladona (Panmela Castro), ganhavam notoriedade com obras espalhadas pelo mundo, assim como Meduza (Renata Santos) que iniciou no movimento Hip Hop como B.girl, se encontrou no graffiti e o usa para realizar diversos trabalhos sociais.  

Vale ressaltar que a década de 90 foi gerida principalmente por formação, quem vivenciou o Hip Hop nesta década, contou com alguns espaços como o Geledes e CEDECA que contribuía para discussões sobre diversos temas, assim como surgiu diversas “Posses” como a Posse Hausa que realizava a interlocução com movimentos sociais como Movimento Negro, Sindicatos e MST e a Posse RDRN (Ritual Democrático de Rua Negro) fundada por MC Regina que discutia questões sociais e raciais. 

Escrever sobre a década de 90 é resgatar memórias magníficas de um período em que tudo era encontro, busca por identidade e pertencimento, escrevo por experiência própria visto que conheci o breaking em 1994 e treinava na São Bento e em Taipas, em 1996 fundei meu primeiro grupo de rap “Consciência Feminina”, que passou a se chamar “Justiça do RAP” quando se fundiu com outras 4 mulheres. Nesta década surgiram muitos grupos pelo país que é possível encontrar em artigos acadêmicos e em livros que trazem como proposta contar a história do Hip como o livro Perifeminas l, ll e lll e o livro Cultura de Rua, que podem ser encontrados na internet. 

Por: Luana Rabetti 

Lunna Rabetti - Hip Hop
Foto: Zé Carlos Barretta

Historiadora, Escritora, Rapper, Produtora Cultural, Pedagoga, Mestranda na USP e Analista de Sistemas. Esta é a Lunna, mulher multifacetada, em busca por conhecimentos. 

Organizou os livros Perifeminas l, ll e lll. Participou da coletânea “Pelas Periferias do Brasil V e VI”, revista “Mulheres de Palavras”, os filmes “Pelas Margens” e “As 3 do Capão” e o documentário “O Protagonismo das Minas: A Importância das Mulheres no Rap de SP”. Em 2021 lançou a autobiografia intitulada “A vida marginal de Luana Rabetti – Entre linhas, folhas e tintas”.

Canta desde 96, participou dos CDs 12 Revelações da 105 FM, Reviravolta Máfia, Mulheres Guerreiras de Brasília e São Paulo tem a Voz. Premiada no Hutuz/RJ, Hip Hop Top/SP e Jovem em Destaque/2016 e 2021. Fundou o site Mulheres no Hip Hop premiado com o certificado do Cultura Viva comunicação. Fundadora e presidente da coletiva FNMH2, coordena o Quilombo da Parada, integra o Coletivo Esperança Garcia e Casa de HH Centro. É proprietária da empresa “Rabetti Produções”, produziu  Feiras Culturais, Shop Dance Festival, Festival FNMH2 e o Fórum Nacional de Mulheres, ainda levou as vencedoras do We B.Girls para a França e DJ Niely para tour na Europa. Trouxe para o Brasil, a dupla Oshun NY e Sandra Izidore.

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