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Texto: Thereza Venturoli
Houve um tempo, no final dos anos 1980, em que a artista plástica Mônica Nador trabalhou no ateliê do hospital psiquiátrico do Juqueri.Três vezes por semana viajava 40 minutos de trem, de sua casa, no bairro paulistano do Pacaembu, até Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Eram dias em tons sombrios. Os vagões superlotados e abafados, o barulho assustador, o constante cheiro de queimado e a sensação de morte iminente eram enfrentados com ininterruptas preces. Um dia, em meio às orações, a janela mostra “um céu estupendamente azul, um morro estupendamente verde e uma única pequena árvore carregada de estupendas flores vermelhas”. A visão sequestra a passageira assustada, salva-a da angústia para o êxtase e tem um efeito de revelação. “Percebi naquele momento que a beleza faz um bem danado à saúde. Beleza é questão de saúde pública”, diz ela.
Essa beleza transformadora Mônica transportou para uma arte que extravasa os padrões tradicionais, de galerias e museus, para o que ela chama de arte engajada, inseparável da realidade social e de questões como distribuição de renda, acesso aos serviços de saúde e à educação. “Arte, política e vida – é tudo uma coisa só. Se essa relação é fragmentada, vivemos uma esquizofrenia social”, diz.
Em 2003 Mônica faz um desvio radical na vida: muda-se do sofisticado Pacaembu para o Jardim Miriam, bairro popular da periferia paulistana, e funda o Jardim Miriam Arte Clube (Jamac), uma organização não governamental para oferecer oficinas de desenho e pintura. A arte se democratiza – escapa do circuito comercial para o cotidiano das ruas e vilas da comunidade carente. No Jamac, o projeto Paredes Pinturas, desenvolvido 15 anos antes como tese de mestrado, é executado agora por novos artistas – rappers, grafiteiros, dançarinos de rua, homens e mulheres que se organizam em associações e clubes de mães. Os desenhos em estêncil (moldes vazados de acetato) são criados pelos moradores-aprendizes e aplicados nas paredes e nos muros das casas. As cores sobre as fachadas trazem mais do que beleza – aumentam a autoestima e a dignidade do morador e o levam a refletir sobre sua casa e o entorno. “A arte, em si mesma, não é nada além de conhecimento e técnica. O que vale é o homem que faz uso dessa arte”, acredita a artista plástica.
{ ” A arte, em si mesma, não é nada além de conhecimento e técnica. O que vale é o homem que faz uso dessa arte.”
”A beleza faz um bem danado para a saúde. Beleza é questão de saúde pública.”} – Mônica Nador
Em 2012, foi inaugurada a oficina de estamparia em tecido e papelaria. A renda obtida da venda das peças é revertida para a manutenção da ONG. “Sim, a arte pode produzir mercadorias. Mas o artista tem de ir muito além disso”, considera a artista. Resultado dessa filosofia, o Jamac tornou-se mais do que uma escola de técnicas artésticas. É um espaço de cultura, no qual ocorrem encontros para debates e mostras de cinema.
Mônica Nador nasceu em Ribeirão Preto (SP), em 1955. Começou os estudos universitários com um curso de arquitetura, em plena década de ditadura militar, em São José dos Campos. Foi então que teve as primeiras experiências com a população de favelas e vilas, que viriam a definir a personalidade engajada de sua arte. Mônica graduou-se em Artes Plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado, em 1983. No mesmo ano, realizou sua primeira exposição individual no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Sua trajetória inclui dezenas de exposições em galerias e bienais, no Brasil e no exterior.
{ ”Arte, política e vida – é tudo uma coisa só. Se essa relação é fragmentada, vivemos uma esquisofrenia social”} – Mônica Nador
As paredes da fachada e dos quartos dos novos conjuntos de apartamentos do Sesc em Bertioga trazem uma amostra da arte realizada por Mônica e pelos jovens do Jamac: animais e plantas da Mata Atlântica reproduzidos por estêncil, a partir de fotos e ilustrações (essas imagens também foram incorporadas a uma linha de produtos comercializados na lojas Sesc). “Assim como as questões raciais, étnicas e econômicas, as preocupações ambientais também fazem parte do que eu chamo homem integrado”, diz a artista. O desafio ao tradicional sistema de arte e a visão crítica sobre o papel do artista na sociedade torna Mônica uma das artistas mais radicais de sua geração.
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