#DeCurumimParaCurumim

13/06/2020

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Edu e a Protetora das Flores | Fotos: Claudio Eduardo

De Tempos em tempos, aqui no Curumim de Bertioga, visitamos a Aldeia Rio Silveira. É sempre uma experiência rica, diversa e sensorial. Um mergulho em nossa história e na natureza no qual vivenciamos a simplicidade que dá sentido e nos revela o essencial da vida. É a cara do Programa!

Para chegar ao núcleo da Aldeia já é uma caminhada legal e cheia de expectativas. Naquele dia de novembro de 2018, a luz do sol forte ardia os olhos e o cheiro de calor prometia um dia quente. Em geral, as crianças estão repletas de entusiasmo e curiosidade. Misturam concepções e fantasias anteriores sobre o viver indígena e uma aldeia, com o que estão vendo e experimentando. Em meio ao verde com gosto de Mata Atlântica e a terra molhada invadindo os pés desprevenidos, as crianças perguntam curiosas sobre o uso de roupas, camisas de time de futebol ou sobre o costume de assistir televisão. A descoberta é reveladora e desconstrói os estereótipos de alguns livros didáticos e parte da mídia.    

Mas há também quem, inicialmente, destoasse disso. Como o garoto que seguiu todo percurso de camiseta pólo e reclamando… “Eu tô aqui obrigado. Meus primos estão em casa e preferia estar com eles. Mas minha mãe disse que já tinha entregue a autorização e que eu tinha que vir. Não gosto dessas coisas, prefiro ficar em casa“…

Logo de cara, visitamos a casa de reza, onde sentamos, formando um grupo só, para conversarmos e conhecermos um pouco mais da cultura local contata por um de seus anciãos, o pajé que nos contou histórias de marear os olhos.

As crianças gostam de saber das coisas simples do dia a dia. Atentas e tímidas, parecem recuar diante das diferenças, não por medo, mas por não conhecerem mesmo. Vão aos poucos se soltando e ficando mais a vontade, perguntando algumas coisas, conversando mais e já parecem entender melhor o lugar em que estão.    

Depois disso, do lado de fora, nós assistimos e participamos de danças e rituais que os moradores da aldeia apresentaram e compartilharam conosco. Percebemos (e sentimos) o cansaço nas pernas dos guerreiros e guerreiras forasteiros que participaram do desafio do Xondaro. Parecia fácil para quem via de fora (não era). Também comemos alguns de seus alimentos mais comuns.

Para quebrar o gelo, um certo estímulo e a participação de educadoras nas atividades propostas fazem com que as crianças se envolvam mais. A timidez presente no grupo é contrastante com a tranquilidade que algumas crianças locais nos recebem, a exemplo de uma menina, em especial, que gruda no Instrutor Edu com um sorriso farto… como o conhecesse desde todo o tempo do mundo.

Nem tudo sai como o planejado. E que bom que isso acontece, pois assim podemos compartilhar instantes espontâneos, capazes de despertarem novos olhares a todos os atentos e amantes das curiosidades. 

Quando as crianças passaram a interagir com um patinho e com um porco do mato foi um alvoroço! Muitas se agruparam, acariciaram o porco parecia nunca ter ganhado tanta atenção e carinho de uma só vez. As crianças se impressionavam com um bicho manso que não estavam acostumados e seus olhos brilhavam comentando a descoberta que eles acabavam de vivenciar. 

No dia, levamos água e frutas para nosso lanche e algumas crianças da aldeia chegavam e pegavam naturalmente. Talvez por estarem acostumadas a compartilhar entre sua comunidade, mas também por receberem doações de grupos que pessoas que mantém um vínculo e essa relação com eles. Algumas crianças do Programa Curumim comentaram espantadas: “ela roubou minha água”, “ela roubou minha fruta”. Fez-se a oportunidade para conversarmos sobre essa noção de propriedade e bens coletivos e individuais e como era diferente do que estávamos acostumados. Inclusive tínhamos conversado na casa de reza, sobre como as refeições são preparadas e como sabem se a comida é de alguém ou não, e virou um bom exemplo para o momento.    

Depois de uma trilha, chegar e nadar na cachoeira foi muito bom! Naquele momento não parecia mais ter distinção entre quem era ‘criança da cidade’ ou criança da aldeia’, afinal todas estavam brincando, sem roupas de marca ou trajes que revelassem sua classe social ou origem. O frio da água na cachoeira tomada de crianças pulando de um lado pro outro, algumas soltas, entregues, outras agarradas nos educadores, tanto quanto, mergulhados e entregues.

Foi lindo! Além dessa integração social sentida, também a integração com a natureza foi um ponto alto das relações afetivas entre todos que ali estavam. Esse momento sintetiza a visita. A água gelada da cachoeira havia misturado tudo e levara em seu curso natural  algumas de nossas couraças e preconceitos. Sorríamos uns para os outros, mesmo que não falássemos a mesma língua. Estávamos integrados social e culturalmente a um espaço de diversão e lazer privilegiado que simbolizou enorme vínculo e respeito com a natureza. Saímos de lá sem levar lembrancinhas ou pedaços de coisas da natureza, mas sim, afetos que nos oferecem repertório para uma nova visita, para um reencontro.

Ainda somos “nós”, um grupo de crianças e educadores que vamos ao encontro “deles”, a comunidade indígena Rio Silveira. Temos muito carinho pela frente para desatarmos vários nós desses ‘nozes’ em respeito a um Nós mais comunitário, mais Teko Porã*, que integre diferenças e semelhanças.

Estamos no belo caminho.

E no caminho… de volta, sabe aquele menino que não estava muito a fim no início da história?

Chegando na aldeia ele foi, aos poucos, se entregando. Permitiu-se abraçar o momento, conectar-se aos olhares nativos dos curumins de lá. Entrou na mata, caiu no Rio, brincou, se lameou. Na volta, estava ele com as botas nas mãos, abençoado de terra e ainda pulando em todas as poças do trajeto… Andando lentamente para aproveitar ao máximo daquela energia e desse novo olhar para aquele lugar e seus moradores.

Na estrada de terra que caminhamos até o ônibus foi o último… O que “ficou para trás” premeditadamente. “Eu não quero ir embora. Vamos dormir aqui?” No ônibus, sua euforia o adormeceu… Talvez, em sonho, ficasse por ali, mais alguns instantes.

Teko Porã é um termo em Guarani que significa o “belo caminho”, ou o “bem viver”. Caracteriza a filosofia, cosmogonia e espiritualidade refletida na sabedoria popular de povos originários das Américas, que compreende a vida de um ser humano em harmonia consigo mesmo, com o outro e com a natureza.

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