Desafios e incentivos de atletas paralímpicos para chegar a Paris

30/07/2024

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Iniciativas públicas, legislação e redes de apoio alavancam a carreira de milhares de jovens atletas brasileiros em busca do pódio 

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

Leia a edição de AGOSTO/24 da Revista E na íntegra

A maior delegação brasileira convocada para as Paralimpíadas, sem contar a edição Rio-2016, chega neste mês à Cidade Luz. Ao todo, 251 atletas brasileiros preparam-se para entrar em campo, no tatame, nas quadras, nas pistas e em outros espaços esportivos, disputando um lugar no pódio dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, que acontecem entre 28 de agosto e 8 de setembro.  

As convocações incluem o velocista Petrúcio Ferreira, que busca o seu tricampeonato paralímpico; Jerusa Geber dos Santos, medalhista em três Jogos (Pequim 2008, Londres 2012 e Tóquio 2020) que chega a esta edição como a atleta cega mais rápida do mundo; e Alana Maldonado, primeira mulher medalhista de ouro do Brasil no judô, terceira modalidade que mais trouxe medalhas para o país na história paralímpica. Por trás da trajetória de cada atleta, desafios – como a falta de patrocínio e o capacitismo –, mas também a força de suporte e incentivos em diferentes esferas da sociedade.  

Antes de chegar à arena olímpica, no entanto, a trajetória de cada atleta começa em um espaço mais afetivo, onde o contato com os esportes se dá na infância, muitas vezes, na rua, brincando. “Eu sempre gostei de tudo que era atividade física: jogava bolinha de gude, rodava pião, jogava bola, soltava pipa, já lutei taekwondo e andei de skate. A minha aptidão para o atletismo, possivelmente, se deu em função da minha vivência, por meio dessas brincadeiras de criança. Nunca enxerguei a deficiência como algo que me impedisse de fazer atividades. Para mim, o esporte veio para somar”, recorda o medalhista paralímpico de atletismo Yohansson Nascimento, vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Naquela época, ele não imaginava que poderia se tornar um atleta. Não por desconhecer outros meninos que, assim como ele, gostavam de correr, mas porque desconsiderava a possibilidade de dedicar-se a uma rotina de treinos e competições que o levaria a 15 anos de carreira no atletismo.     

REDE DE APOIO 
No caso da judoca paulista Alana Maldonado, foi a avó sua grande incentivadora – e aquela que sempre a acompanha, mesmo que de longe, em todas as competições. Nascida na cidade de Tupã, no noroeste do estado, Alana passava o dia com a avó Marlene, que trabalhava na secretaria de uma academia de judô. “Ela entrava às duas horas da tarde e saía às dez horas da noite. Eu ficava o dia inteiro com minha avó, correndo no tatame e atrapalhando os treinos, porque só podia entrar na academia a partir dos seis anos. De tanto atrapalhar a turma, o professor me deixou praticar. Eu tinha quatro anos”, conta a judoca.  

A judoca Alana 
Maldonado na luta 
final com Ina Kaldani, 
da Geórgia, nos Jogos 
Paralímpicos de 
Tóquio 2020: primeira 
campeã paralímpica 
brasileira de judô.
A judoca Alana Maldonado na luta final com Ina Kaldani, da Geórgia, nos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020:
primeira campeã paralímpica brasileira de judô (foto: Matsui Mikihito/CPB).

Nas primeiras competições, mesmo quando a jovem chorava bastante, Marlene incentivava a neta a persistir. O sonho de ser judoca era algo latente, mas houve um tempo em que Alana deixou o tatame para se dedicar ao futsal. Até que, aos 14 anos, foi diagnosticada com a doença de Stargardt, que provoca a perda da visão, e decidiu seguir no judô, esporte em que se sentia segura e confiante. A carreira na modalidade paralímpica veio depois. Na faculdade de educação física, professores viram as dificuldades que a jovem enfrentava para treinar, e a apresentaram a uma associação de esportes inclusivos.  

“Passados alguns meses, me ligaram da associação e falaram que ia ter uma competição em Campo Grande (MT). Lá, eu fui campeã em 2014. Um mês depois – lembro como se fosse hoje –, quando eu ia entrar no ônibus para ir ao treino, meu celular tocou e eu li um e-mail de convocação para a seleção brasileira. Foi uma surpresa. Vim para São Paulo em 2015, convocada para os jogos mundiais na Coreia do Sul – a garotinha que nunca tinha andado de avião estava embarcando para fora e participando dos jogos”, lembra a judoca. 

INCENTIVO AO ESPORTE 
Uma das poucas iniciativas públicas voltadas à inclusão da pessoa com deficiência na sociedade por meio do esporte, e à visibilidade ao esporte paralímpico, é o Centro Paralímpico Brasileiro (CPB), fundado em 1995. A instituição teve um papel central na promulgação da Lei n° 10.264, em 2001, conhecida como Lei Agnelo/Piva, fundamental para o desenvolvimento do esporte adaptado no Brasil. Ao estabelecer o repasse de parte da arrecadação das loterias federais para os comitês olímpico e paralímpico, a lei permitiu ações permanentes da CPB em todo o país, e ampliou o incentivo à trajetória de atletas.  

Na sede do CPB, onde está o Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, localizada na Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo (SP), também se encontra a Escola Paralímpica de Esportes, com atividades gratuitas, voltada para a iniciação de crianças com deficiência física, visual e intelectual, na faixa etária de 7 a 17 anos, em 14 modalidades. Além da escola, outros programas realizados pelo CPB fomentam o primeiro contato e uma relação contínua com o esporte. É o caso do Meetings, série de competições que acontecem em todos os estados, com modalidades como vôlei sentado, basquete em cadeira de rodas e futebol de cegos. Quem compete e quem assiste amplia seu repertório de modalidades, e pode vislumbrar uma possível carreira como atleta de alto rendimento.  

“Me lembro do depoimento de uma mãe com o filho em uma cadeira de rodas, que não devia ter mais de 10 anos. Ela estava emocionada porque nunca ninguém tinha dado aquela oportunidade para seu filho. Eu sou uma pessoa com deficiência e sei que a população brasileira ainda enxerga, primeiro, a deficiência e, depois – se enxergar –, a potencialidade daquele indivíduo. Eu olhei nos olhos daquela mãe e falei: ‘O seu filho é um campeão. Nunca deixe ninguém falar o contrário. Ele está voltando para casa com uma medalha de ouro no peito’. Para mim, isso é gratificante: ver quantas pessoas mudam a vida por meio de uma competição”, ressalta o vice-presidente do CPB.  

ATRAVESSAR DESAFIOS 
É a soma de redes de apoio e iniciativas de incentivo que movimenta a formação de futuros atletas, mas alguns desafios ainda se impõem como fortes adversários: o capacitismo, a falta de patrocinadores e a pressão, que muitas vezes resulta em quadros de ansiedade e depressão. “É difícil uma grande empresa patrocinar um atleta que acabou de iniciar a sua jornada esportiva. Eu tive que mostrar, primeiro, meu potencial e me destacar cada vez mais no cenário nacional e internacional. Quando eu não tinha material para treinar, tive que fazer uma rifa de um ventilador para comprar uma sapatilha de atletismo. A cidade de Maceió (AL) também não tinha uma pista de atletismo oficial, de borracha, e eu treinava numa pista de barro”, recorda Yohansson Nascimento.  

Atual vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), o medalhista Yohansson 
Nascimento está ao lado de Petrúcio Ferreira (à esquerda) e Washington Jr., 
no Campeonato Mundial de Atletismo em Dubai, nos Emirados Árabes, em 2019. (Crédito:  Daniel Zappe/Exemplus/CPB)
Atual vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), o medalhista Yohansson Nascimento está ao lado de Petrúcio Ferreira (à esquerda) e Washington Jr., no Campeonato Mundial de Atletismo em Dubai, nos Emirados Árabes, em 2019 (foto: Daniel Zappe/Exemplus/CPB).

Medalhista paralímpica e recordista sul-americana, Verônica Hipólito, que aos 14 anos sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) responsável por paralisar todo o lado direito do corpo, reforça a necessidade de a sociedade enxergar a deficiência apenas como uma parte da pessoa, e não como o todo. “Eu tenho uma paralisia, a Rosinha Santos [medalhista paralímpica no arremesso de peso e lançamento de disco], por exemplo, tem uma amputação da perna esquerda. Somos assim, da mesma forma que outras pessoas têm cabelos cacheados, são ruivas, altas ou baixas, gordas ou magras, usam óculos. Não ter uma perna ou um braço, ou ter alguma paralisia no corpo, é apenas uma característica. Tenho certeza de que existem muitas pessoas com deficiência no Brasil que poderiam bater nossos melhores competidores. Só que não as encontramos, porque a maioria é marginalizada, esquecida”, disse Verônica, em entrevista à Revista E, na edição de novembro de 2023. 

Para a judoca Alana Maldonado, também é preciso que se desfaça a crença de que o atleta é um corpo-máquina de alta performance. “Acho que no esporte é mais complicado falar sobre saúde mental, porque há julgamentos, como se o atleta fosse uma máquina para os técnicos, para as comissões, instituições etc. Eu costumo falar que a gente consegue se recuperar das lesões, mas do esgotamento mental é bem complicado. Faço um acompanhamento com a minha psicóloga, que está comigo desde quando eu entrei no judô de alto rendimento, e também gosto de passear com a minha esposa, vou a parques para ficar perto da natureza. Hoje eu dou importância para tudo isso”, conta a judoca.  

Prestes a embarcar para os Jogos Paralímpicos de Paris 2024, Alana deixa um conselho para meninos e meninas que aspiram um lugar no pódio: “Eu sempre falo: a caminhada não é fácil. Mas, se você tem muita determinação, não desanime mesmo quando ouvir algumas coisas que acabam te fazendo desanimar. Você precisa olhar para dentro e ver o que você tem, como você é, do que é capaz. Claro que todos nós temos dificuldades no dia a dia, e a minha é visual, mas precisamos nos adaptar e achar a melhor forma de superar. Acredite e siga de cabeça erguida”, conclui. 

para ver no Sesc
MOVIMENTO ESPORTIVO
Ao longo de agosto, vivências, oficinas e mostra virtual convidam o público a conhecer novas modalidades e atletas, além de entrar no clima dos Jogos de Paris 2024 

No mês em que Paris recebe atletas de diferentes partes do mundo para as Olimpíadas (até 11/8) e Paralimpíadas (entre 28/8 e 8/9), o Sesc São Paulo aproxima o público de vivências, oficinas e outras atividades dedicadas às diversas modalidades em competição. O projeto Se Joga nos Jogos, que começou em julho, segue com o objetivo de incentivar a prática de atividades físicas para todas as idades e níveis de habilidade, trazendo novas perspectivas sobre os diversos esportes.  

Outra ação que destaca os atletas olímpicos e paralímpicos é a reativação da mostra Ser Atleta, de 2021, dessa vez em formato permanente na plataforma Sesc Digital. No acervo, 30 produções audiovisuais, cada qual dedicada à trajetória de um atleta olímpico e paralímpico. Sob curadoria da jornalista e pesquisadora Katia Rubio, e o apoio institucional do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), a mostra abrange a relação entre esporte e questões contemporâneas como: diversidade étnico-racial, de gênero e sexualidade, identidade e pertencimento. 

“O Sesc São Paulo tem um carinho e um cuidado com o esporte e a atividade física, proporcionando cursos para as pessoas que querem aprender uma modalidade e se exercitar nos nossos espaços de prática. Também oferecemos ao público a experiência de estar perto dos atletas, dos nossos ídolos, que representam o país nos Jogos e que só vemos pela televisão. Além disso, a mostra Ser Atleta aproxima o público dos esportistas e de todas as questões que atravessam as modalidades”, explica Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo.   

Destaques da programação:  
POMPEIA 
Esgrima paralímpica  
Apresentação esportiva e vivência de esgrima em cadeira de rodas, modalidade presente nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, com os atletas Monica Santos, primeira brasileira a conquistar um torneio de esgrima internacional, e Vanderson Chaves, que lidera o ranking nacional no sabre e foi o primeiro brasileiro a conquistar medalha no mundial sub-23, em 2014.  
Dia 3/8. Sábado, às 15h.  
GRÁTIS.  

VILA MARIANA 
Vila esportiva – Basquete
em cadeira de rodas 
Vivência da modalidade paralímpica com a participação de atletas da Associação Desportiva para Deficientes (ADD) 
Dias 10 e 11/8. Sábado e domingo, das 14h30 às 16h. GRÁTIS.  

SESC DIGITAL 
Ser Atleta
Curadoria de Katia Rubio. 
Mostra virtual que apresenta a trajetória de 30 atletas olímpicos e paralímpicos, como o lutador de taekwondo Diogo Silva, a judoca Alana Maldonado e o nadador Bruno Fratus.  
Visite em sesc.digital

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