Integrando o acervo do Sesc Memórias, atas do Congresso Brasileiro da Economia (1943) e do Congresso Brasileiro da Indústria (1944), Carta Econômica de Teresópolis (1945) e Carta da Paz Social (1946) revelam os conflitos e ideais que embasaram os serviços sociais autônomos.
Os anos 40 foram de grandes transformações na sociedade brasileira e no contexto internacional. Internamente, a década marcou o auge e o fim do Estado Novo (1937-1946), seguido por um período de abertura democrática. Além disso, o Brasil passava por um processo de urbanização acelerada, com a intensificação dos movimentos migratórios do campo para as cidades. No entanto, a pobreza, a desigualdade social e a baixa escolaridade da população dificultavam a industrialização, limitavam a formação de um mercado consumidor e impediam o desenvolvimento socioeconômico do país. Externamente, o término da segunda-guerra mundial, com a derrota do nazifascismo, foi acompanhado da emergência de duas superpotências – os EUA e a União Soviética –, estabelecendo-se a polarização ideológica entre capitalismo e socialismo que culminou na Guerra Fria.
Em meio a esse cenário de mudanças, o empresariado do comércio, da indústria e da agricultura passou a organizar-se em fóruns de debate para estabelecer as bases sobre as quais deveria assentar-se o futuro do Brasil. Assim, buscando definir planos de ação para o que entendiam como sendo os principais problemas do país, foram realizados o Congresso Brasileiro de Economia (1943), o Congresso Brasileiro da Indústria (1944) e a Conferência Nacional das Classes Produtoras (1945), também conhecida como Conferência de Teresópolis. Desses encontros resultaram análises de conjuntura e proposições que embasaram a criação dos serviços nacionais de aprendizagem e os serviços sociais autônomos, como o Senai, o Senac, o Sesi e o Sesc. As atas das discussões, os relatórios e as legislações deles decorrentes, reunidas no acervo do Sesc Memórias, ajudam a entender os contextos social, político, econômico e ideológico que culminaram na fundação dessas instituições.
“Por um lado, se havia uma percepção geral de que era preciso discutir os temas sociais e econômicos da vida brasileira de forma ampla e aberta, visando encontrar saídas para promover o desenvolvimento do país, por outro, havia também um sentimento presente em muitos setores da sociedade brasileira de que seria necessário evitar certos caminhos – notadamente os caminhos simpáticos ao socialismo”, afirmam os professores do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo Alexandre e Beatriz Saes, que analisaram os documentos a convite do Sesc. Com linguagem acessível, os textos produzidos pelos pesquisadores, também disponíveis para a consulta, procuram estabelecer um diálogo entre história institucional e história econômico-social do país.
O material mostra que a resposta do empresariado nacional aos desafios do momento buscava um “progresso inclusivo”, que articulasse crescimento econômico e justiça social, tendo em vista a “felicidade social” e a “dignidade humana”. Conforme a “Carta da Paz Social”, redigida por representantes das classes produtoras reunidos na Conferência de Teresópolis e publicada em janeiro de 1946.
Não só por motivo de solidariedade social, mas de conveniência econômica, deve ser o mais rapidamente possível aumentado o poder aquisitivo da população, principalmente rural, visando a incrementar a prosperidade do país e fortalecer o mercado consumidor interno.
Acima de tudo, havia uma preocupação das entidades patronais a “harmonia social”. Nesse sentido, era necessário eliminar “incompreensões e mal-entendidos entre empregadores e empregados”. Para tanto, as classes produtoras, com o respaldo do poder público – responsável pelo amparo legal, arrecadação e repasse de verbas –, procuraram oferecer serviços que o Estado não era capaz de prover. “Ao contrário de proposições repressivas ou soluções centralizadoras, a maneira com que o empresariado enfrentou o problema foi marcadamente equilibrada – e, em boa medida, mais democrática, em sintonia com o novo momento político vivido pelo país”, afirmam Alexandre e Beatriz.
No caso do Sesc, criado por meio do Decreto-Lei nº. 9.853, de 13 de setembro de 1946, “com a finalidade de planejar e executar direta ou indiretamente, medidas que contribuam para o bem-estar social e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias”, a ação deveria contemplar, “a assistência em relação aos problemas domésticos, (nutrição, habitação, vestuário, saúde, educação e transporte); providências no sentido da defesa do salário real dos comerciários; incentivo à atividade produtora; realizações educativas e culturais, visando a valorização do homem; pesquisas sociais e econômicas”.
Ainda que, ao longo de seus 75 anos, tenha havido muitas transformações na forma de executar a missão institucional, o trabalho segue a mesma inspiração idealizada por seus fundadores. “As próprias reinvenções do Sesc não deixam dúvidas de que suas concepções de origem, seus fundamentos basilares, foram (e ainda são) sólidos alicerces para sua amplitude de atuação – imprescindível para a vitalidade social brasileira”, concluem os pesquisadores.
DOCUMENTOS:
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.