Leia a edição de outubro/22 da Revista E na íntegra
Por Luna D’Alama
Derivado de gêneros musicais como blues, ragtime e spiritual, o jazz surgiu no fim do século 19, no sul dos Estados Unidos, como canção de trabalho e lamento de negros escravizados em plantações de algodão às margens do rio Mississippi. Em suas raízes mais profundas, estão o protesto contra condições de vida opressoras, o improviso em meio à precariedade e a diversidade de sons, ritmos e influências.
Desde então, quando começou a ser exportado das comunidades de Nova Orleans para outras partes do mundo, o jazz vem ampliando sua liberdade rítmica e fundindo-se a outros estilos, instrumentos e tradições culturais. Reinventa-se, a cada dia, em novos gêneros, subgêneros e sotaques, consolidando-se como uma música afrodiaspórica. O jazz chega ao século 21 com uma infinidade de derivações melódicas e harmônicas – nas quais interagem e se cruzam matrizes, memórias e experimentações –, como o soul jazz, afrojazz, cooljazz, freejaz, jazz latino, samba jazz, swing, bebop, fusion, afrobeat e até a bossa nova.
“Gosto de dizer que o jazz é um veículo globalizado da liberdade afro-americana”, afirma a flautista, cantora e compositora estadunidense Nicole Mitchell, que se apresentará neste mês no Sesc Pompeia, com o grupo Black Earth SWAY, durante a 4ª edição do Sesc Jazz [Leia mais no boxe Sonoridades múltiplas]. Ela prefere dizer, porém, que faz “música criativa”, na qual há possibilidades ilimitadas e se pressupõe uma “aventura musical”. “A maioria dos artistas não gosta mais de ser definida por gênero, pois as influências globais atingiram todas as músicas. Nosso quarteto, por exemplo, celebra as tradições culturais afro-americanas e suas experimentações. Mesclamos o som do blues com funk, jazz experimental e mitologias. Além disso, muito do jazz latino é influenciado por ritmos africanos, então, todos eles são primos”, acredita.
Para a cantora peruana Susana Baca, três vezes ganhadora do prêmio Grammy Latino e ex-ministra da Cultura de seu país, o DNA do jazz está na busca de uma sonoridade rítmica de alforria, de libertação e também de rebelião. “São os sons da liberdade. Seus ritmos são códigos culturais de diferentes povos e suas influências vêm da capacidade que cada um tem de ouvir o outro e de integrar esse outro em si mesmo”, define. Ela acrescenta que o jazz exigiu muita mistura para se tornar universal. “Hoje, é impossível pensar que ele pertence aos afro-americanos: é de todos. Inclusive, há um jazz latino e, creio, também um jazz brasileiro”, avalia a cantora, que já foi presidente da Comissão de Cultura da Organização dos Estados Americanos (OEA).
De acordo com Baca, do alto de seus 78 anos e mais de meio século de carreira, o jazz peruano ainda está na fase embrionária. “Diria que ele acabou de se descobrir. Aqui, ele se apresenta como um misto de pretos, índios e brancos, e a influência do jazz africano, ao contrário de outros países da região (como Colômbia e Brasil), ainda é muito pequena”, analisa.
É em meio a toda essa fusão de referências e sons que as duas artistas – e muitas(os) outras(os), nacionais e estrangeiras(os) – preparam-se para subir aos palcos do Sesc São Paulo e se conectar com seus fãs ao vivo, presencialmente, após um longo período de confinamento e contato remoto. Já o jazz, que sempre foi dinâmico, flexível e aberto a novas misturas, mais uma vez renasce e se reafirma como um gênero interseccional, combativo e sobrevivente por natureza.
Nos últimos dois anos e meio, apesar das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, as artistas Susana Baca e Nicole Mitchell, que se apresentam nesta edição do festival Sesc Jazz, continuaram compondo e produzindo. Baca revela que nesse período, que para ela foi de inquietude e solidão, lançou o disco A Capella: Grabado en Casa Durante la Cuarentena (2020), ao lado do marido e produtor executivo, Ricardo Pereira.
Por esse trabalho, conquistou seu terceiro Grammy Latino. “Fiz o álbum somente com a minha alma e com a tristeza de não poder me reunir com outros músicos. Gravamos os vídeos (de divulgação) com celular, vesti minhas melhores roupas, pela vida de tantos amigos que partiram”, relembra a artista peruana. “Queria sair melhor da pandemia, mais preparada e determinada. E, em 2021, lancei Palabras Urgentes”, conta. O novo disco discute temas como feminismo, liberdade, educação, e pretende ser uma forma de protesto para enfrentar os tempos difíceis da atualidade.
Já a flautista, cantora e compositora Nicole Mitchell dedica-se, desde março de 2020, à criação de música eletrônica e à escrita de um livro que publicará em breve, chamado Cartas de Mandorla. “Nele, peço à humanidade que redefina o paradigma do progresso para que possamos alcançar um mundo onde a tecnologia seja favorável a toda (forma de) vida e onde possamos ter mais empatia uns pelos outros, mesmo com nossas diferenças”, explica.
Mitchell diz que o Black Earth SWAY, que ela integra ao lado de Coco Elysses, JoVia Armstrong e Alexis Lombre, está muito animado com as apresentações em São Paulo. “Será a estreia internacional do grupo, e mal podemos esperar para nos conectar com nossos primos no Brasil. Queremos dançar, rir, compartilhar nossas músicas e ser inspiradas pelo público”, antecipa. “JoVia e Coco são percussionistas muito influenciadas pelos ritmos brasileiros, então desejamos fazer conexões profundas com a plateia. Algo que realmente nos empolga é a diversidade da população brasileira”, ressalta.
A 4ª edição do festival Sesc Jazz será realizada entre os dias 5 e 23/10, em sete unidades do Sesc São Paulo (Pompeia, Guarulhos, São José dos Campos, Jundiaí, Piracicaba, Ribeirão Preto e Presidente Prudente). O evento recebe 20 grupos que sobem ao palco 54 vezes, com uma programação que se abre para múltiplas escolas, tradições e suas poéticas sonoras, conectando Américas, África e Europa por meio de nomes já consolidados no cenário internacional, além de artistas das novas gerações.
Segundo Sérgio Pinto, gerente-adjunto do Sesc Pompeia, unidade responsável pela curadoria desta edição – ao lado da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo –, a programação deste ano é a que reúne mais artistas africanos. “Ela reflete um amadurecimento conceitual de questões que vêm aflorando desde 2018. Também fortalece um movimento, já presente nas edições anteriores, de pensar as manifestações musicais não apenas em seu componente estético, mas também político, considerando a diversidade, as questões de gênero, étnicas e o contexto geopolítico.”
Entre os destaques desta edição, estão a presença feminina, que se apresenta de forma bastante contundente; a tradição da música brasileira, com espetáculos-homenagens a Laércio de Freitas e Airto Moreira; e tributos a álbuns como Lágrima/Sursolide Suíte, de Lelo Nazario, e Quarteto Negro, que completam 40 e 35 anos em 2022, respectivamente.
Outra novidade da 4a edição são os concertos da Orquestra Afrosinfônica e da Orkestra Rumpilezz, ambas da Bahia, em um interessante contraponto aos projetos de Chicago, que também estarão presentes. “A Rumpilezz celebra o legado de seu maestro fundador, Letieres Leite, falecido em 2021 [Leia o Perfil O balé do mestre dos sons, publicado na Revista E nº 311, de setembro de 2022], por meio do universo artístico do pernambucano Moacir Santos, que terá parte de seu álbum de estreia, Coisas (1965), revisitado em arranjos singulares”, evidencia o gerente-adjunto do Sesc Pompeia.
PARA CONFERIR MAIS INFORMAÇÕES SOBRE AS APRESENTAÇÕES, COMO HORÁRIOS, LOCAIS E VENDA DE INGRESSOS, ACESSE: WWW.SESCSP.ORG.BR/SESCJAZZ
SESC GUARULHOS
Exploding Star Orchestra (EUA)
Projeto que reflete uma das muitas faces musicais do compositor e cornetista Rob Mazurek. Paralelamente a seu trabalho solo, Rob criou esse grupo, que conecta ensembles de Chicago e São Paulo, com uma sonoridade mais eletrônica e batidas modernas.
DIA 7/10, às 20h.
SESC POMPEIA
Nicole Mitchell’s Black Earth SWAY (EUA)
Flautista e compositora que emergiu da cena musical de Chicago, nos anos 1990, Nicole é representante da cultura afro-americana experimental. No palco, é acompanhada pela banda composta por Coco Elysses, Alexis Lombre e JoVia Armstrong.
Dias 8 e 9/10. Sábado, às 21h30, e domingo, às 18h30.
Susana Baca (PER)
Cantora e pesquisadora da cultura afro-peruana, Susana representa, por meio de sua obra, um relevante recorte da afrolatinidade. Ganhadora do Grammy Latino e ex-ministra da Cultura do Peru, mostra no palco tradições afro-americanas, como marinera e cumbia.
Dias 15 e 16/10. Sábado, às 21h30, e domingo, às 18h30.
Especial Laércio de Freitas Moderno e Eterno (BRA)
Registro de parte do legado de Laércio de Freitas, um dos mais importantes compositores, pianistas e arranjadores do Brasil, não à toa chamado de “gênio” por Radamés Gnattali e declarado por Cristovão Bastos como seu ídolo.
Dias 22 e 23/10. Sábado, às 21h, e domingo, às 18h.
SESC RIBEIRÃO PRETO
Kokoroko (REU)
Parte da efervescente cena de jazz inglesa, o coletivo londrino apresenta um repertório que destaca a relação entre música e cultura africana. Formam o grupo: Sheila Maurice-Grey, Cassie Kinoshi, Richie Seivwright, Onome Edgeworth, Ayo Salawu, Tobi Adenaike-Johnson, Yohan Kebede e Duane Atherley.
Dia 21/10, às 20h. No Theatro Pedro II, centro de Ribeirão Preto (SP).
A EDIÇÃO DE OUTUBRO/22 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
Neste mês, celebramos as ações solidárias organizadas pela sociedade civil para o combate à fome no país. Na reportagem “Alimentar a mudança”, divulgamos dados alarmantes sobre o cenário de insegurança alimentar no Brasil e indicamos iniciativas e projetos transformadores para enfrentar essa situação, como o Organicamente Rango, a Gastronomia Periférica e o Experimenta!
Além disso, a Revista E de outubro traz outros destaques: uma reportagem que destaca a força do jazz enquanto música afrodiaspórica, diversa e combativa; uma entrevista sobre música, literatura e sociedade com Adriana Calcanhotto; um depoimento de Cassio Scapin sobre a força da comédia e o despertar dos musicais brasileiros; um passeio visual pelas obras da exposição Desvairar 22, em cartaz no Sesc Pinheiros; um perfil de Dias Gomes (1922-1999), nome primordial da dramaturgia brasileira; um encontro com o coordenador da Agência Lupa Chico Marés, que fala sobre checagem de informações; um roteiro por 6 espaços que propõem atividades artísticas para aguçar a sensibilidade das crianças, em outubro; poemas inéditos do escritor Paulo Scott; e dois artigos que destacam a importância da educação midiática para o combate à desinformação.
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