Foto: Ubiratã Ventura de Morais
Por Lucas Rolfsen
A banda El Efecto, apresenta-se no Sesc Campo Limpo, no dia 30 deste mês, com entrada gratuita e sem retirada de ingressos. O show mescla canções de Memórias do Fogo (2018), misturando-se a composições anteriores em retrospectiva à trajetória do grupo, formado há 20 anos no Rio de Janeiro.
Prestes a lançarem o sexto álbum de estúdio, aproveitamos para conversar com Tomás Rosati (percussão, cavaquinho e voz), remanescente da formação original. Na entrevista a seguir, assuntos como o início da estrada, as formas de criação, a busca pela identidade e a visão de mundo que os tornou capazes de contar boas histórias, conquistando seu espaço dentro do cenário independente brasileiro.
Você consegue se lembrar de como foi quando se juntaram e resolveram começar a banda?
Na atual formação, só dois estão desde o início [o entrevistado e Bruno Danton, que toca guitarra, trompete e canta] e já houve muitas mudanças nesses 20 anos, mas a ideia é bem clara, porque a gente se conhecia de outras bandas e aí, de repente, sempre aparecia algo que não cabia, pelo formato especifico de cada uma. Tínhamos um interesse por música muito diverso, e fomos criando esse espaço alternativo aos quais a gente fazia parte, para ser um terreno com pretensões de poder botar tudo para dentro em termos de som, de referências, de influências, e pouco a pouco fomos depositando ali essa nossa inquietação musical estética. Desde o início com a pegada política, foi essa a ideia fundadora: a pretensão de usar a música como uma ferramenta de inquietação, de sensibilização.
Misturando tantos estilos e referências, com um jeito próprio de contar histórias, como foi se unirem nesses anos todos em torno de um objetivo comum?
Justamente porque foi criado como um espaço paralelo em um primeiro momento, permitindo que a gente pusesse na roda coisas que tínhamos interesse, foi se tornando um espaço de liberdade dialogada coletivamente, sobre os limites de cada um. Partia de um interesse comum por música, para além dos gêneros. Na nossa cena, era muito comum os nichos de tipos de público, de gênero, de identidade, de vestimenta, todas essas coisas. Aos pouquinhos a gente foi fazendo aquele espaço através do tempo, e o desafio foi fazer com que essa mistura tivesse um sentido, e não ficasse uma coisa gratuita de um monte de influências soltas. O esforço foi costurar, e a gente encontrou esse mote aos poucos: o sentido da letra e da história que está sendo contada naquela música, contribuir para amarrar e trazer as influências pertinentes a cada música, a cada universo.
Quando lançaram o disco Pedras e Sonhos (2012), a canção O encontro de Lampião com Eike Batista trouxe visibilidade ao trabalho de vocês. Foi um momento importante em que sentido?
Inegavelmente foi um divisor de águas, a coisa que circulou mais, e na sequência, o próprio disco Pedras e Sonhos foi um marco no sentido de a gente começar a ter mais retorno do público, inclusive, de movimentos sociais, de ver que esse lugar da arte estava fazendo sentido para as pessoas. Foi um gás importante para seguir acreditando no projeto. Veio junto também com um enraizamento e uma consolidação das redes sociais. Antes disso, a gente tinha um pouco menos de inserção. Dependia ainda mais do boca-a-boca, que era ainda mais difícil de ser rastreado. A partir dali uma coisa alimentou a outra, acho que não dá para negar que foi um marco para a gente.
Ao longo da trajetória, é possível enxergar um amadurecimento da sonoridade?
Sim, naturalmente. No momento em que você sai da adolescência, da experiência escolar para agora, todo mundo chegando aos 40, espera-se que algumas coisas caminhem [risos]. Acho interessante que isso acontece, mas é um aprofundamento de um projeto que é o mesmo desde o início. Talvez o amadurecimento seja pelos conteúdos políticos, o aprendizado contínuo das questões que a gente vai tentando aprimorar, uma postura, uma leitura do mundo e musicalmente, também. A amarração, encontrar um formato, uma linguagem, uma maneira de conciliar música e letra. A gente está tentando trilhar uns caminhos um pouco diferentes para essas novas músicas, esperamos que dê para perceber um aprofundamento e, até, uma radicalização das ideias.
Como acontece a criação das músicas e das letras?
A letra em geral, até hoje, é puxada um pouco mais por mim e pelo Bruno Danton, os remanescentes lá do primeiro momento. Mas para essa gravação atual, que vai ser a primeira com esses integrantes, já está bem mais compartilhado [o processo]. Até o Memórias do Fogo, traz bastante participações, que representaram uma ampliação muito grande. Isso passou a ser uma coisa a perseguir: expandir a criação para além dos integrantes fixos da banda. É a nossa meta, chamar gente para fazer arranjo, pensar junto.
Como ter uma identidade definida e seguir buscando novidades?
A gente tem essa preocupação em dois lados. Um lado, é o lado mais fácil, que vem do nosso interesse por música, esses mergulhos de composição são os mergulhos de estudo, de pesquisa, encontrar linguagens e tradições musicais de outros lugares e tentar fazer a nossa síntese a partir do nosso lugar. Nesse aspecto, diria que é até mais natural, é sempre um caldeirão de muitas possibilidades. Agora, no lado das letras, da construção, acho que há um grande desafio: fazer a música política de maneira que a gente encontre um olhar minimamente renovado, no sentido de não banalizar esse lugar, com cuidado ao desconstruir um discurso e ao manipular essas bandeiras políticas.
Vocês poderiam ir pelo caminho mais fácil e optam por não fazer. Então, isso demanda mais tempo. Como é esse dia a dia do grupo?
Tem tantas demandas, cada vez mais, para qualquer trabalho, ainda mais em artes: as redes, produzir conteúdo, compor e estar sempre com um produto novo na mão e, de fato, a gente acaba tendo um tempo meio diferente, que é o que nos dificulta. Você acaba remando contra o ritmo que é cobrado para conseguir estar sempre com uma coisa nova, alimentando as redes. Temos feito um esforço para não ficar muito para trás nesse sentido, mas o nosso projeto passa por um lugar de militância, e de alimentá-lo da forma que possa fazer mais sentido. Isso muitas vezes passa por cozinhar as coisas em um fogo mais lento.
As ideias que pretendem passar, com a identidade que o público enxerga na banda, é exatamente o que vocês imaginaram no início?
A vinculação é muito espontânea, no sentido de identificação, seja com a proposta estética, mas principalmente, a combinação do estético com o político, eu acho que vem muito amarrado. E como até hoje a gente não teve nenhum outro grande impulso, que não o próprio trabalho circulando pela contribuição das pessoas que passam adiante, a vinculação nos parece muito genuína. Isso é bastante interessante, porque é inclusive um dos fatores que fazem com que a gente siga acreditando firme, tendo gás de tocar esse projeto com todas as dificuldades que se têm ao longo de 20 anos, em um cenário independente.
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