Eliana Monteiro busca reconexão com o meio ambiente e com a ancestralidade em “Florestania”, instalação presente no MIRADA

14/09/2024

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Florestania: instalação de Eliana Monteiro conta com 13 redes confeccionadas por mulheres de cinco etnias indígenas da Amazônia. Foto: Alba Reis

A imagem do dia virando noite em São Paulo, no dia 19 de agosto de 2019, nunca mais saiu da cabeça da dramaturga Eliana Monteiro. O breu — resultado de incêndios de grande porte na Amazônia e de uma frente fria — a inspirou na criação da instalação sinestésica “Florestania”, aberta durante o MIRADA 2024 e em exposição no Sesc Santos até o dia 3 de novembro. 

“Isso me pegou muito profundamente, porque eu sou descendente indígena. Eu fiquei pensando: ‘eu preciso fazer alguma coisa com isso’. Minha primeira sensação era que a floresta estava pedindo socorro”, diz Eliana que, com o tempo, se deu conta que o grito de alerta era outro. “Me aprofundei na questão, o que mudou radicalmente minha percepção. Na verdade, a floresta estava mostrando que nós é que vamos pedir socorro”, completa a encenadora, que é mestra em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Teatro da Vertigem desde 1998.  

“Florestania” é composta por um conjunto de 13 redes, confeccionadas em fibras de buriti por mulheres de quatro etnias indígenas da Amazônia brasileira (Mehinako, Warao, Kalapalo e Tapirapé) e uma da Amazônia peruana (Bora). Ao se deitar na rede, basta colocar os fones de ouvido para ouvir sons de um dia na floresta amazônica.

Como um convite para que o público rompa com a lógica do cotidiano de centros urbanos, “Florestania” tem como base o conceito de mesmo nome cunhado pelo cronista Antonio Alves. A primeira versão do projeto foi apresentada na 15ª Quadrienal de Praga, em 2023.  

Durante seu trabalho de pesquisa, Eliana percebeu que uma desconexão tem atrapalhado a conscientização sobre a questão ambiental. “Eu acredito muito em ouvir palestras, em estudar, em ler livros e artigos sobre o assunto. Mas isso não pode ficar só na cabeça. A grande viagem é deixar tudo isso descer para o corpo, ter sensações, porque a gente segura muito o que a gente sente. Com isso, começaram a me vir algumas questões. Se eu estivesse no meio da floresta numa queimada, o que ia acontecer? Eu ia tentar me salvar?” 

A instalação convida o público a romper com a lógica do cotidiano de centros urbanos. Foto: Alba Reis

“A nossa reconexão não é nem com a floresta, mas com a gente mesmo, porque fazemos parte da floresta, fazemos parte do todo. Mas como estamos desconectados, tudo parece fragmentado”, completa. 

No percurso que Eliana imaginou, o som tem protagonismo: “gravamos os sons da floresta e pegamos também arquivos, pensando em qual animal aparece em cada hora do período de 24 horas. A última coisa foi buscar povos indígenas cantando uma música, que ficou sendo a dos indígenas xavantes, que produziram o som na forma binaural (ouvido por ambas orelhas).  

Nessa viagem sinestésica, o olfato também é aguçado. “Quando você deita na rede, tem um cheiro muito forte de buriti. Algumas pessoas chegam a se cobrir com a rede, parecendo um casulo. O que me fazia desejar: tomara que vire borboleta, que a reconexão aconteça de verdade”, conta Eliana, lembrando do período que a instalação foi exibida em Praga. 

Cada rede da instalação precisou de três meses para ser confeccionada pelas mulheres indígenas. O número que compõe a instalação não é aleatório. “São 13 redes porque em 2019 foram devastados 13.450 quilômetros de floresta”, explica. 

Em “Florestania”, o público coloca fones de ouvido para ouvir sons de um dia na floresta amazônica. Foto: Alba Reis

ANCESTRALIDADE 

O projeto “Florestania” reforçou a conexão de Eliana com a própria ancestralidade, que tem um marco em 2004, quando ela e colegas do Teatro da Vertigem viajaram por 40 dias até o Acre no processo de construção da peça “BR-3”. 

“Foi uma experiência forte. Eu tomei ayahuasca pela primeira vez, lá no Mestre Irineu.  Eu nunca tinha ouvido falar sobre ayahuasca, apesar de a minha avó paterna ser indígena e o meu fenótipo ser muito parecido com o dela”, rememora. 

Até então, Eliana não tinha a sensação de pertencimento ao povo indígena forte. “Como a minha mãe era branca, eu vivia o embranquecimento”, pontua. “Eu tenho muito cuidado ainda, porque eu sou muito colonizada. Mas estou cada vez mais tentando me apropriar mais dessa ancestralidade, deixar ela brotar muito mais, para até falar com mais propriedade”, acrescenta.

Confeccionadas com a fibra de buriti, as redes precisaram de três meses para ficarem prontas. Foto: Alba Reis

Revelando ainda ter mais três projetos relacionados à “Florestania”, Eliana busca ver a floresta e a ancestralidade cada vez mais fortes dentro dela.

“‘Florestania’ é a floresta invadindo a cidade. É a minha tradução desse conceito do Antônio Alves. Eu gostaria muito, em algum momento da vida, nessa existência, de conseguir deixar florescer. A floresta de verdade brotar em mim. É o maior projeto que eu tenho, no qual eu mais mergulho. Porque eu preciso descobrir quem eu sou”, conclui a artista.

SERVIÇO:

Florestania” (BRA)
Grátis
Local: Espaço de Convivência Sesc Santos
Data e horários:
Até 3/11, de terça a sexta, das 10h30 às 21h; 
sábado e domingo, das 10h30 às 18h.

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