Por Paulina Chamorro
É em busca do desconhecido que Flávia Miranda toca sua vida. Ela olha para a natureza, observa os animais e acredita que eles têm muito a ensinar. Flávia é médica veterinária, professora da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus/BA, e fundadora e presidente do Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás do Brasil. Sempre em movimento, explora novos terrenos, estuda, pesquisa, cataloga e sempre volta para compartilhar com o mundo suas descobertas.
Tendo crescido em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, sua infância foi cercada por natureza. “Tinha mesmo uma diversidade biológica no meio da cidade. Morava em uma casa que passava tamanduá, tatu… eu brincava com os lagartos. Sempre tive esse amor enorme, esse contato com a natureza”, conta.
Quando chegou na adolescência, ao contrário do que se possa imaginar, todo esse interesse só aumentou. Para surpresa da mãe, que é pedagoga, e do pai, publicitário, decidiu cursar o Ensino Médio em um colégio agrícola. Após passar no processo seletivo, fez uma lista do que precisava: enxada, cutelo, facão. “Estava super feliz comprando aquilo e eu uso até hoje. Fazem parte da minha vida”, ela revela.
Na hora de escolher a profissão, titubeou. Veterinária, Biologia e Engenharia Florestal eram possibilidades. Mas a verdade é que ela já dava indícios do que viria a ser desde os cinco, seis anos de idade, quando enfaixava, suturava e até fazia cirurgia no boneco Snoopy. No primeiro ano de faculdade em Veterinária estagiou no zoológico de Bauru e cuidou do seu primeiro tamanduá. Hoje ela é referência mundial em estudos e conservação de animais da superordem xenarthras: tatus, tamanduás e preguiças.
Referência mundial nos estudos do xenarthras, ordem que abriga os tatus, preguiças e tamanduás, Flávia Miranda é ainda a responsável pela descoberta de novas espécies destes mamíferos. Sua alma de naturalista e exploradora revela que entender a história antiga destes animais pode ajudar a compreender o futuro da biodiversidade.
#PraCegoVer Imagem retangular e colorida de uma mulher de caminhando por um ambiente de pequenos arbustos, cactos e vegetação rasteira. Ela veste um uniforme marrom e verde e analisa algo no chão.
É com a experiência em tais animais que, junto a uma equipe multidisciplinar, catalogou sete espécies diferentes de tamanduaí (Cyclopes didactylus) – um pequeno animal que cabe na palma da mão. Até então, apenas uma espécie havia sido descrita em 1758, pelo naturalista sueco Carl Nilsson Linnaeus – ninguém menos que o pai da taxonomia.
A equipe de Flávia é a primeira do mundo a trabalhar exclusivamente com a espécie Cyclopes didactylus, o que é feito por meio do projeto Em Busca do Desconhecido. O trabalho é realizado no Delta do Parnaíba, localizado entre os estados do Maranhão e Piauí, um litoral especial, de ambientes que unem a Amazônia, a Mata Atlântica e a Caatinga. Exploradora clássica, com mais de 20 expedições pelos rincões da Amazônia, Flávia Miranda também se sente à vontade entre os arbustos e cactos da região do Delta do Parnaíba.
“Aqui é um berçário da biodiversidade marinha. Uma área riquíssima, com mais de 90 ilhas. É nessa região que a gente quer atuar. O tamanduaí está de mãos dadas em termos de preservação do mangue. A gente quer usá-lo como um símbolo, uma espécie que vem mostrar a importância da manutenção desse mangue. A ideia é que a gente consiga manter o ambiente preservado para todas as espécies e também para as comunidades que vivem aqui”, explica Flávia. O projeto que o Instituto mantém para estudo e recuperação de manguezais dentro da Área de Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba é uma área que protege uma extensão de 307 mil hectares.
A nova etapa do projeto está subindo para os Lençóis Maranhenses e pequenas comunidades próximas, trabalhando com turismo comunitário, preguiças, tamanduás e tatus, e também no reflorestamento de manguezais nesta região.
O Instituto Tamanduá, fundado por Flávia em 2005, chega a 2024 com novidades: uma nova sede, em Aquidauana/MS, onde são realizadas e desenvolvidas pesquisas e o monitoramento dos tamanduás-bandeira e tamanduá-mirim, além de ter sido instalada nesta região a base do projeto Órfãos do fogo, que recupera filhotes vítimas de incêndios no Pantanal e os prepara para a reintrodução na natureza.
Os tamanduás estão no planeta há 33 milhões de anos, muito diferente da espécie humana. Por isso, para Flávia, o grande ensinamento é o respeito, como comenta neste trecho da entrevista:
“Eu tenho respeito por quem chegou antes de mim no espaço. Tenho respeito por esses animais, pela idade que eles têm aqui, pela função ecológica. Eles passaram por várias extinções, todas em massa. Eles se mantiveram e são os animais que, no mínimo, têm para nos ensinar, porque a gente não está conseguindo ficar mais de dez mil anos aqui. Um tamanduá não acaba com um formigueiro. Ele come um tanto e vai para outro. Isso para mim é respeito. Então é a gente que tem que aprender”
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