Realidade Visceral: instalação simula uma prisão superlotada no Sesc 24 de Maio
Você já parou pra pensar…
… que a maioria da população carcerária é negra, pobre, jovem e com baixa escolaridade?
…se quem se encontra hoje em presídios lotados e vivendo em circunstâncias precárias deveria estar mesmo nesta situação?
… que 40% das pessoas que se encontram encarceradas ainda nem foram julgadas?
O Brasil não para de subir no ranking de países com maior número de pessoas presas no mundo. Hoje ocupamos a terceira posição. Os dados mais recentes apresentados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça – Infopen são de 2016 e mostram que o encarceramento em massa, atrelado à política de guerra às drogas, tem cumprido sua função no Brasil: prender uma camada específica da população, mesmo não havendo lugar para alocar essas pessoas.
Em junho de 2016 existiam mais de 700 mil pessoas privadas de liberdade. O número é ainda mais chocante quando lembramos que quase a metade da população carcerária do Brasil ainda não foi condenada e aguarda, na prisão, o seu julgamento.
A maior parte das pessoas que se encontra nessas condições não é composta, necessariamente, de assassinos perigosos, mas de pessoas sem antecedentes criminais, mantidas no cárcere por crimes não violentos ou de baixo impacto social, relacionados, geralmente, ao tráfico de drogas.
Em relação às mulheres, a situação fica ainda mais complicada, pois 62% delas estão presas por crimes relacionados a drogas e 72% têm filhos. A maioria dessas mulheres é responsável pelo sustento dos seus lares no momento de sua prisão, e muitas não têm com quem dividir o cuidado deles.
Ao mesmo tempo em que o número de pessoas presas não para de crescer, os índices de violência continuam altos. De acordo com uma pesquisa do ano passado, publicada pela revista Carta Capital, a taxa de homicídio aumentou 125% entre 2005 e 2014 mas o percentual de pessoas condenadas ou acusadas de homicídios nas prisões manteve-se na taxa de 10%. A maioria dos crimes contra a vida, cerca de 90%, permanece, portanto, sem conclusão.
Mas… a prisão não é um lugar em que a pessoa pode refletir sobre o que fez, aprende a não errar mais e quando ela estiver pronta pode voltar a reintegrar à sociedade?
Quando se fala que a maior parte das pessoas que estão privadas de sua liberdade é negra, pobre, jovem e com baixa escolaridade podemos entender que elas já se encontravam numa situação de exclusão social e então quando voltam a reintegrar a sociedade, em sua maioria, sofrem ainda mais preconceitos sendo tratados pra sempre como ex-encarcerados ou se tornam mão de obra extremamente barata.
Diante dos dados, é preciso criar alternativas ao encarceramento e promover políticas efetivas para lidar com as demandas de segurança pública de maneira responsável e não imediatista.
Pensando nisso, o Sesc 24 de Maio, em conjunto com a Rede Justiça Criminal promoveram. no ano de 2018, reflexões sobre a transversalidade do tema a fim de provocar estímulos para o debate acerca do encarceramento no Brasil.
Realidade Visceral foi uma instalação que propôs uma experiência de realidade virtual na qual o público foi convidado a entrar em contato com a encenação da realidade de uma prisão superlotada. Já em Escambo Poético: Corpo, Gênero e Encarceramento, mulheres foram convidadas para uma troca de correspondências com outras que estavam na Penitenciária Feminina da Capital (PFC) – materiais como cartas, ilustrações e pequenos cadernos promoveram o intercâmbio de experiências entre elas.
Espetáculo Rés | Foto: Gal Oppido
Na área artística, outras atividades abordaram o tema: o espetáculo de dança Rés, da Cia Corpórea de Corpos, trouxe como tema central o universo do encarceramento feminino e a vulnerabilidade desse corpo no Brasil. Há 20 anos, no extinto presídio do Carandiru, na zona norte Paulistana, Claudio Cruz (Kric MC), Flavio Sousa (FW) e Washington Paz (WO) se uniram para formar o grupo de rap Comunidade Carcerária, que também conta com Emylin e DJ Wsul. Também na música, Nduduzo Siba, artista sul-africana de raízes Zulu, fez mais um show na capital paulista – ela, que se apresenta na cidade desde 2017, no momento luta pelo direito de permanência no Brasil, por conta de um decreto de expulsão do Ministério da Justiça. Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos foi um ato-espetáculo-musical baseado num conto de Plínio Marcos, que em 1977 escreveu sobre a morte de detentos que se rebelaram em uma cadeia em Osasco. Na montagem, o texto foi transformado em música, cantado por 19 artistas, acompanhados por violinistas. As trajetórias de homens e mulheres que vivem ou viveram no cárcere são narradas, além do coro e suas canções, através de cenas, depoimentos, solos de dança e personagens.
Comunidade Carceraria | Roberto Lajolo
Na literatura, cinco Conversaraus levaram diversos participantes que abordaram temas específicos, como Adolescentes em conflito com a lei e encarceramento de massa, Encarceramento feminino e gênero no sistema de justiça, Racismo e o sistema de justiça, Estrangeiras(os) presas(os) no Brasil e Política de drogas e encarceramento no Brasil. E nas telonas, cinco obras documentais nacionais ganharam exibição ao longo do projeto: Sem pena, MulhereSemPrisão + C(elas), O filho dos outros e Trilogia do Cárcere: O pátio / A fábrica / A gente.
Nduduzo Siba | Sergio Silva
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