Através de palestras, mesas de conversa e vivências, o ciclo Liga dos Caminhantes será movido pelo desejo de modularmos uma topografia de memórias coletivas mirando horizontes futuros, impulsionados pelo ato de caminhar – ação humana atávica que atravessa o arco da história.
Pensar sobre a experiência do deslocamento humano nos territórios – urbanos, rurais, naturais – acorda a sensibilidade dos nossos corpos atravessando todos os campos do conhecimento: dos saberes tradicionais às tecnologias contemporâneas, presentes nas Artes, nas Ciências Humanas e Exatas.
Caminhar recupera as medidas do corpo, desacelera o tempo, esbarra em questões emergentes de nossa vida contemporânea: mobilidade social; fluxos migratórios; desafio do reconhecimento das alteridades. Caminhar é travessia, percurso, deslocamento territorial – práticas presentes no nosso percurso civilizatório promovendo encontros entre saberes e sabores daquilo que nos difere. Urge o intuito de iluminarmos os atuais deslocamentos históricos – dos percursos cotidianos aos nomadismos sócio culturais -, friccionando as representações já instituídas sobre território, mapa, paisagem, natureza, urbanidade e florestania.
A encruzilhada contemporânea solicita mudanças perceptivas convocando outras modalidades de existência. A necessidade vital de desaceleração dos tempos crônicos reitera um corpo presente, acordando o desejo pelo inesperado e desconhecido numa época tão legendada. Em tempos turbulentos, tais como os que estamos imersos em nossa história recente, atravessando questões cruciais à nossa sobrevivência material e espiritual, vivificar o ato de caminhar como dispositivo para a construção de sensibilidades cognitivas se reveste de múltiplas camadas de sentidos nascentes dada a extrema necessidade de retomarmos as medidas dos nossos corpos e as extensões perceptivas espaço-temporais, ativando percepções e conceitos filosóficos, estéticos, antropológicos, etnográficos como modalidades de interpretação de mundos desejáveis.
CRONOGRAMA E CONTEÚDOS
Cada NÚCLEO TEMÁTICO contemplará uma palestra, uma mesa de conversa com dois ou três profissionais convidados e uma oficina. Todas as mediações serão conduzidas pela artista e pesquisadora Edith Derdyk, que concebe o projeto, alinhavando os conteúdos.
Núcleo 1 – Caminhada e os saberes da Ciência
17/01
10h às 12h – Palestra: “Além da arte e da ciência: como caminhar em um mundo possível”
A ciência prospera com certeza e previsibilidade, a arte com incerteza e surpresa. Um mundo de vida, no entanto, não é certo nem incerto, nem previsível nem surpreendente. Ao contrário, abre- se para a pura possibilidade. Para chegar a tal possibilidade, porém, temos que ir além da arte, da ciência e da oposição entre elas. Não há melhor maneira de fazer isso do que dar um passeio.
Com Tim Ingold (Inglaterra).
19/1
10h às 12h30 – Mesa: “Da construção da ideia de paisagem e natureza“
Caminhar é ato inaugural na constituição da espécie humana decodificando a natureza, reinventando paisagens. Gabriela Leirias enuncia ”Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”, Karina Dias assopra versos do poeta Guillévic: “Há alguém no vento” e Gustavo Caboco indaga Aqui desloca? Quais pontos de vista que acordam inéditas paisagens?
Convidados: Gabriela Leirias, Karina Dias (Brasília) e Gustavo Caboco (Roraima).
Mediação: Edith Derdyk.
“Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar” por Gabriela Leirias.
Caminhadas, trajetos, derivas, deslocamentos diversos compõem práticas artísticas que problematizam possíveis entendimentos sobre natureza e paisagem. São corpografias e contra- cartografias, outras visualidades sobre a experiência do/no espaço. Elaboram uma geografia experimental que questionam e desconstroem pensamentos/práticas hegemônicos, como também, constroem espaços, constroem mundos.
“Há alguém no vento” por Karina Dias.
A paisagem é ponto de vista e ponto de contato, uma experiência sensível do espaço. É o sufixo agem que vem inscrever no país/território a sensibilidade de um olhar. Dessa relação profunda com o espaço, a paisagem está à espera daquela que chegará. Viemos sempre de uma paisagem e ela indaga: qual o nosso lugar na extensão que nos circunda?
“Aqui desloca?” por Gustavo Caboco
Nessa conversa, vamos debater a ideia do aqui. Onde é aqui? Pensando nos deslocamentos territoriais, os deslocamentos da terra e suas multiplicidades memoriais. De que modo nossa caminhada nos desloca no tempo presente? A que se deslocam nossos movimentos, desenhos e artes nas lutas dos povos indígenas?
21/1
10h às 13h – Oficina “Jogo urbano – criações poético-espaciais“
Prática que convida a uma experiência coletiva na cidade. Desenvolvido por Gabriela Leirias, o Jogo urbano compõe ações e práticas artísticas que propõem experiências diretas do corpo na cidade e envolvem investigações poéticas por meio de derivas, caminhadas, deslocamentos e diferentes modos de se relacionar com o espaço urbano e seus fluxos materiais e imateriais.
Convidada: Gabriela Leirias.
Núcleo 2 – Caminhada e a História do Corpo – do funcional ao poético e suas derivações
24/1
10h às 12h – Palestra: “Caminhando por tudo o que puder funcionar como chão”
Na relação do corpo com o ambiente, o que permite e o que atrapalha o ficar de pé importa muito porque favorece ou impede se poder olhar longe. O convite é para explorar poeticamente essas relações.
Convidada: com Helena Katz.
26/1
10h às 12h – Mesa: “Do corpo funcional e do corpo poético”
O corpo caminhante se desloca no tempo, percebe espaços, investiga limites, atravessa fronteiras, atua nos territórios, projeta margens – seja de modo funcional ou poético. Aqui tomaremos o partido do corpo sensível, presente nos relatos de Laila Padovan ao corpo atento na observação de Virgina Kastrup. Como ativar o corpo como expressão poética?
Convidadas: Laila Padovan e Virginia Kastrup (Rio de Janeiro).
Mediação: Edith Derdyk.
“Corpo sensível – Cidade invisível” por Laila Padovan
A partir do relato de experiências artísticas na cidade, discutiremos como um corpo sensível, que transita entre o cotidiano e o poético, pode perceber, habitar e criar paisagens urbanas nos dias de hoje. Que relações podemos traçar entre os movimentos do corpo e a rua? Como viver a cidade em suas entrelinhas?
“O corpo atento” por Virgínia Kastrup
A atenção é muitas vezes entendida como um processo mental, cuja explicação se encontra no funcionamento cerebral. Numa outra direção, propomos o entendimento de um corpo atento, multissensorial e aberto aos afetos, que pode ser cultivado no caminhar.
28/1
10h às 13h – Oficina: “A presença do corpo na caminhada – uma caligrafia corpo-topográfica única”
Investigaremos a caminhada como uma memória ancestral, pessoal, emocional até chegar no coletivo. partiremos da evolução da espécie humana e dos mecanismos corporais que nos possibilitaram caminhar até a identificação de nossa caminhada como uma caligrafia corpo- topográfica. Uma vivência prática com sequências, movimento livre e registros gráficos.
Materiais necessários: sala para oficina prática, projetor, som, rolo de papel e material para desenhar (lápis, caneta)
Convidada: com Lua Tatit.
Núcleo 3 – Caminhada e seus percursos históricos
31/1
10h às 12h Palestra: “Curso de Artes Cívicas“
Desde 2006 vem experimentando uma abordagem diferente de ensino através do Curso de Artes Cívicas, um curso com estrutura peripatética que se realiza inteiramente a pé. Propõe uma leitura fenomenológica através de uma abordagem artística, relacional e transdisciplinar, que pretende caminhar tanto como modalidade de ensino quanto de pesquisa. Aprende-se a atravessar fronteiras e a surpreender a cidade, de forma indireta, lateral, lúdica, não funcional, percorrendo territórios inexplorados em busca de novas questões. As regras a seguir são simples: não ande nas calçadas ou no asfalto; você nunca pode voltar; propriedade privada é tabu; quem perde tempo ganha espaço. (http://articiviche.blogspot.com/)
Convidado: Francesco Careri (Itália).
2/2
10h às 12h – Mesa: “Das modalidades, relatos e enunciados do ato de caminhar na cena contemporânea”.
Como capturar a poética de uma ação efêmera e performativa como caminhar? Os registros sempre se fizeram presentes, em toda e qualquer experiência humana. Aqui, na perspectiva do caminhar como dispositivo poético, são fundamentos: o espaço do relato na ótica de Jacopo Crivelli conjugando com o antes e depois do caminhar, sob as lentes de Verônica Veloso.
Convidados: Jacopo Crivelli e Verônica veloso. Mediação: Edith Derdyk
“O espaço do relato” por Jacopo Crivelli
O ato de andar, que na maioria das vezes não visa nenhum objetivo prático, exige alguma forma de explicação: cria, por assim dizer, o espaço e a necessidade de um relato. Os vários meios que os artistas podem utilizar para transmitir a ação realizada – fotos, vídeos, anotações, objetos encontrados ou uma combinação disso tudo, são relatos, ou versões atualizadas de tópoi literário como o conto de viagem ou de investigação.
“Antes e depois do caminhar: enunciados, vestígios e desdobramentos da prática performativa”
por Verônica Veloso
O ato de caminhar como prática estética e política envolve planejamento e documentação. Antes de caminhar, organizar o programa é um modo de definir táticas para a ação, um ajuste delicado entre o desejo e o acaso. Diante da invisibilidade da ação artística fundada no caminhar, busca- se produzir vestígios em diferentes materialidades, além de observar seus desdobramentos, possíveis “efeitos colaterais”.
4/2
10h às 16h – Oficina: “Escavar tempos, imaginar mundos – uma prática de deriva dodecafônica”
Caminhar como quem escava tempos e revolve camadas históricas, presentes ou apagadas no corpo da cidade. Por meio da prática de derivas individuais e coletivas organizadas a partir de programas de ação, caminhar produz outros modos de existência, de conectar tempos e vislumbrar futuros, repovoar a imaginação e imaginar mundos.
Convidado: Coletivo Teatro Dodecafônico.
Núcleo 4 – Caminhada na Literatura e Filosofia
7/2
10h às 12h – Palestra: “Pensamento nômade”
O pensamento contemporâneo não pode mais fechar-se à complexidade do mundo, às suas vertigens, reviravoltas, paradoxos, imprevistos. Cabe, pois, alçar o pensamento à altura desse presente movediço.
Convidado: Peter Pál Pelbart.
9/2
10h às 12h30 – Mesa redonda: “Caminhar para escrever e escrever para caminhar”
A palavra que percorre e o corpo que escreve: dos livros-viagens que Noemi Jaffe nos brinda com palavras-guias à cidade pelos olhos dos escritores caminhantes que Mauro Calliari persegue, passo a passo até a Serra do Mar ou a ambivalência de uma caminhada onto-musico escritural contada por Marcelo Ariel: até onde e quando a palavra é caminhante?
Convidados: Noemi Jaffe, Mauro Calliari e Marcelo Ariel. Mediação: Edith Derdyk.
“Livros-viagens” por Noemi Jaffe
Pretendo abordar a ideia das histórias e das palavras como vias que levam a lugares imaginários, conhecidos e desconhecidos, que vão sendo preenchidos de subjetividade na mesma medida em que preenchem de objetividade o sujeito que viaja por eles.
“Cidade, literatura e caminhadas” por Mauro Calliari
A cidade vista pelos olhos dos escritores caminhantes: de Baudelaire a Virginia Woolf, de Carolina Maria de Jesus a Emicida – o flâneur e a flaneuse do cotidiano da cidade contemporânea. Como serão os passos que moldam cidades e inspiram a escrita?
“Serra do mar ou a ambivalência de uma caminhada onto-músico-escritural” por Marcelo Ariel
Depoimento sobre a construção do libreto inacabado SERRA DO MAR para uma ópera não realizada por Gilberto Mendes, processo que se deu através de caminhadas dentro do Parque Estadual da Serra do Mar , o libreto será retomado neste ano por mim, como um longo poema- ensaio sobre a ambivalência ontológica do caminhar.
11/2
10h às 16h – Oficina: “O Calendário de Areia”
A atividade consiste em criar, a partir de subsídios apresentados pelos participantes, um percurso pela cidade de São Paulo. A caminhada será pontuada pela apropriação efêmera de espaços simbólicos que criarão uma narrativa coletiva ao final da expedição
Convidado: Renato Hofer
Núcleo 5 – Caminhada na paisagem urbana e natural
14/2
10h às 12h – Palestra: “Caminhando contra o vento: errâncias urbanas tropicalistas”
1967 é considerado o começo do movimento tropicalista, com a Tropicália de Hélio Oiticica no MAM-RJ; as canções Alegria, alegria (“caminhando contra o vento/ sem lenço, sem documento/ eu vou…”) de Caetano Veloso e Domingo no Parque de Gilberto Gil no festival da TV Record; e a peça O Rei da Vela no Teatro Oficina, texto do antropófago Oswald de Andrade, montada por Zé Celso Martinez Corrêa. Em 1978 Oiticica conceituou o tipo de errância experimentada em diferentes cidades: o Delirium Ambulatorium. Discutiremos diferentes narrativas dessas experiências urbanas errantes no período (1967/78).
Convidada: Paola Berenstein.
16/2
10h às 12h – Mesa redonda: “Das travessias urbanas como agenciamento da cidadania”.
O deslocamento humano pendula entre o desejo de refúgio e a pulsão da evasão, entre a necessidade de pouso e o espírito nômade: Da aldeia neolítica à pós-cidade (Guilherme Wisnik) aos Vagalumes caminham na cidade: as coletas do Trapeiro e outras formas de viver a (hiper)modernização urbana (Ricardo Silva): como habitar e caminhar no espaço urbano?
Convidados: Ricardo Luis Silva e Guilherme Wisnik. Mediação: Edith Derdyk.
“Os vagalumes caminham na cidade: as coletas do Trapeiro e outras formas de viver a
(hiper)modernização urbana” por Ricardo Luis Silva.
Eis um homem, ele é descendente de Abel, o nômade. Faz da Cidade sua morada, mas o único habitat real é seu corpo em movimento, perambulando. Ele faz da perambulação seu trabalho e encontra no trabalho sua subversão.
Eis um homem, ele é um colecionador em sofrimento, de sofrimentos. Ele recolhe, coleta e cataloga as coisas encontradas na Cidade, no trabalho. Coisas esquecidas, coisas dos Outros.
“Da aldeia neolítica à pós-cidade” por Guilherme Wisnik.
Os primeiros aldeamentos neolíticos, surgidos em torno de 8 mil a. C., tinham formas circulares e abrigavam sociedades comunais. Com o desenvolvimento da técnica, as cidades surgem separando cada vez mais as instâncias do público e do privado. Hoje, com as cidades feitas cada vez mais para o automóvel, e com o crescimento do cyberespaço, assistimos a um eclipsamento do lugar do corpo e da subjetividade no espaço urbano. Como nos posicionar diante desse quadro?
17/2
10h às 13h – Oficina: “As modalidades do caminhar: flanar derivar deambular atravessar”
Como será caminhar a partir de enunciados?
Iremos investigar, num primeiro momento, a construção de formulações textuais derivadas dos verbos flanar, derivar, deambular e atravessar, verbos estes oriundos de experiências e relatos praticados por Charles Baudelaire, Walter Benjamin, pelas excursões dos Surrealistas e do Movimento Situacionista, bem como pelas práticas de travessias urbanas embasadas nas noções de travessia desenvolvidas por Francesco Careri. A partir destas formulações, quais serão as experiências e seus relatos das conjugações entre o corpo e o território?
Convidada: Edith Derdyk.
O ciclo conta com a concepção e curadoria da artista visual, educadora, escritora Edith Derdyk, e as inscrições podem ser feitas através do site do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo.
Confira o cronograma completo:
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