Entrevista com Rafael Grohmann*

11/10/2019

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CPF: A criatividade como capital humano e gerador de propriedade intelectual pode ser desafiada pela dissociação que a inteligência artificial (IA) produz entre a criatividade e a ação humana? Quais os possíveis efeitos disso para o que entendemos como “trabalho”?

Rafael Grohmann: “Vou tentar responder de uma maneira que dê conta das questões de como a IA afeta tanto a criatividade quanto o trabalho. Para mim, trabalho é sempre uma atividade humana, portanto, máquinas não trabalham. Máquinas podem ter efeitos sobre o real, mas são programadas por seres humanos. A IA se apropria do trabalho humano. Isso está tanto na obra do brasileiro Álvaro Vieira Pinto, O Conceito de Tecnologia, escrita nos anos 1970, quanto em livros mais recentes, como The Eye of the Master, de Matteo Pasquinelli, que aborda como a IA se abastece da expropriação do conhecimento coletivo humano. Então, a criatividade pode ser vista como um atributo humano.
Uma máquina não faz algo que seja exatamente criativo porque ela está sempre se baseando em algo que foi feito antes; ela não cria algo muito fora do comum. Ela segue padrões, inclusive estéticos, como ocorre, por exemplo, com o Midjourney. Conseguimos reconhecer a estética de algo que foi feito por essa IA. Claro que outras ferramentas podem não parecer ter um padrão, mas a IA confunde os aspectos da substituição da classe trabalhadora por ela. Isso é algo que a literatura sobre IA e trabalho tem tratado mais na ordem da substituição ou do deployment e menos em torno de quem são as pessoas que trabalham para alimentar e treinar o sistema de inteligência artificial.
Um segundo ponto é: será que estamos sendo mesmo substituídos ou tem acontecido um processo que chamamos de heteromação? O que é “heteromação”? Em vez de uma automação, estamos vivendo um contínuo processo de seres humanos envolvidos com a IA, com uma precarização ainda maior da classe trabalhadora. Mas não é que o humano vai ser substituído. A ideia de substituição é interessante porque achávamos que a IA poderia automatizar trabalhos que não gostaríamos de fazer para liberar a ação humana para aquilo que seria mais criativo. No entanto, estamos vendo exatamente o contrário. Em vez de ser substituído por máquinas, o ser humano está tendo de treiná-las. Então, o que a disseminação da IA faz é mais confundir as pessoas sobre o conceito de criatividade do que exatamente retirar ou dissociar essa criatividade da ação humana.
A criatividade continua sendo a ação humana. Para mim, essa diferenciação de trabalhadores criativos é uma segmentação do capital. Claro que existe a divisão do trabalho, mas essa divisão do que seria criativo e do que não seria criativo é algo que é uma ideologia em si mesma”.

(…)

*Professor de Estudos de Mídia na Universidade de Toronto, no Canadá. E-mail: rafael.grohmann@utoronto.ca

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