Cozinhar é uma prática aliada da saúde, capaz de estreitar laços e valorizar a cultura alimentar
Foto: Pixabay
Na última década, o número de programas de culinária na TV e a quantidade de imagens de comida nas redes sociais apontaram um crescente interesse pela alimentação. Movidos por uma curiosidade misturada à admiração por quem sabe orquestrar facas, panelas e ingredientes, homens, mulheres e também crianças – eles aprendem enquanto observam e ajudam os adultos na cozinha – foram convocados a sair do papel de espectadores. Até mesmo porque cozinhar é uma atividade que “estabelece a diferença entre os animais e as pessoas”, explica o antropólogo Lévi-Strauss, em O Cru e o Cozido (1964).
Basta lembrar que muito da nossa memória afetiva tem a ver com essa prática. Como aquele bolo feito somente em dias de festa pela sua avó. Ou a carne assada pelo seu pai, na churrasqueira, num domingo de sol. Cozinhar é uma forma de transmitir tradições, histórias e habilidades para futuras gerações. “Quase todo mundo conserva lembranças felizes de quando via a mãe na cozinha, fazendo proezas que às vezes mais pareciam feitiçaria e que costumavam resultar em iguarias saborosas”, descreve o pesquisador Michael Pollan em Cozinhar – Uma História Natural da Transformação (Ed. Intríseca, 2013).
Isso só é possível porque compartilhar uma refeição à mesa é um ato capaz de aproximar as pessoas e reforçar laços. “A refeição compartilhada não é algo insignificante. Trata-se de um dos fundamentos da vida em família, o lugar onde as crianças aprendem a arte da conversação e adquirem os hábitos que caracterizam a civilização: repartir, ouvir, ceder a vez, administrar diferenças, discutir sem ofender”, descreve Pollan.
Dessa forma, cozinhar vai além do preparo de uma refeição. Segundo a professora do Instituto de Nutrição da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Inês Rugani, essa prática reverbera outros comportamentos. “Envolve o cuidado com o que você está querendo preparar, a receita que vai fazer, o momento de partilhar com os outros e arrumar a cozinha, todos juntos, depois. Tudo isso faz a gente posicionar a comida de uma forma diferente na nossa vida.”
Mudança de hábito
Se por um lado o best-seller Cozinhar e outras publicações do gênero somam-se a programas de televisão, páginas da internet, redes sociais, aplicativos e revistas que acompanham essa tendência de comportamento, por outro, o ritmo intenso de trabalho, a falta de tempo para cozinhar durante a semana, entre outros fatores externos, ainda são entraves.
Números divulgados no primeiro semestre, pelo Ministério da Saúde, apontam que a obesidade cresceu 60% nos últimos dez anos no país. Isso significa que, atualmente, um em cada cinco brasileiros está acima do peso. Mesmo assim, há uma maior divulgação e consciência sobre uma alimentação saudável. Estudos citados no Guia Alimentar para a População Brasileira indicam que uma alimentação variada a partir de grãos, hortaliças, carnes, leites e queijos é uma aliada contra problemas cardíacos, por exemplo.
Nesse embate entre comida “pronta” e comida caseira, comprar verduras, legumes e frutas frescas diretamente de produtores locais na feira do bairro, por exemplo, já seria o primeiro passo. Dessa forma, além de assegurar ingredientes frescos no preparo das refeições, haveria um estímulo à produção da agricultura familiar, que, segundo a Secretaria Especial de Agricultura Familiar (Sead), é responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.
“Quando a gente cozinha, e opta por produtos in natura e minimamente processados, buscamos este lado do sistema alimentar que é mais sustentável. Geramos menos resíduos, menos embalagem. Cozinhar nos permite contato com um aspecto da natureza, que é a comida”, acrescenta Inês Rugani.
PANC – Plantas Alimentícias Não Convencionais | Foto: Divulgação
Primeira edição do Experimenta! Comida, Saúde e Cultura reúne Bela Gil e outros convidados numa programação com mais de 250 atividades
Durante o mês de outubro, todas as unidades do Sesc São Paulo receberão oficinas, bate-papos, feiras e outras ações que refletem sobre questões culturais, sociais, econômicas, políticas, ambientais e nutricionais ligadas à alimentação. “O evento convida o público a refletir sobre a comida e suas interfaces associadas à saúde e à cultura, buscando promover a alimentação adequada e saudável, ao fomentar a cultura culinária regional; a discussão sobre o sistema alimentar na sua integralidade; e a valorização das interações e significados que compõem o comportamento alimentar”, explica Mariana Meirelles Ruocco, assistente técnica da Gerência de Saúde e Alimentação do Sesc. Confira abaixo alguns destaques da programação.
Comer é Panc | Sesc Pompeia
As Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs) fazem parte de um grande universo de hortaliças, com imenso potencial para a alimentação, apesar de serem desconhecidas do grande público. Por isso, neste ciclo de palestras que acontece de 5/10 a 1º/11, pesquisadores discutirão o cenário das Pancs, formas de identificação, cultivo e preparo. Entre os especialistas estão: Neide Rigo, Mara Salles, Ana Luiza Trajano, Valdely Kinupp e Nuno Madeira.
Compartilhando o Pão | Sesc Santana
O pão é um dos alimentos mais simbólicos da civilização. Por isso, neste ciclo de atividades, que começa dia 4 e segue até 27/10, sob curadoria do consultor gastronômico Luiz Américo Camargo, padeiros de São Paulo vão compartilhar técnicas, receitas e dicas para o preparo do pão caseiro.
Festival O Gosto | Sesc Pinheiros
A formação do gosto e do paladar, além de nossas raízes culinárias e agrícolas, ganham debate neste festival que acontece dias 20, 21 e 22/10. A partir de uma perspectiva holística – gastronomia, arte, literatura e filosofia –, pesquisadores irão refletir sobre o alimento e a forma como nos alimentamos. Entre os convidados, destaque para o filósofo italiano Nicola Perullo.
Quem escolhe o que você come? | Sesc Bauru
No dia 20/10, a chef e apresentadora Bela Gil se junta à jornalista Helena Jacob em uma conversa sobre a influência da mídia nas escolhas alimentares da população e nas dietas da moda. Elas também vão refletir sobre como a “gourmetização” afeta o conceito de alimentação saudável.
Saberes Tradicionais, Sabores do Dia a Dia | Sesc Carmo
De 1º a 30/10, serão realizadas palestras, oficinas e intervenções que valorizam o diálogo entre o comer, o cozinhar e o resgate da importância dos alimentos frescos, nativos e tradicionais em nossa alimentação. Com diversos profissionais como a nutricionista Fernanda Timerman, Hans Temp, da ONG Cidade Sem Fome, e os chefs Bel Coelho (foto) e Marcelo Corrêa Bastos.
Feiras de alimentos agroecológicos ou orgânicos | Várias unidades
De 1º a 30/10, diversas unidades do Sesc São Paulo promoverão uma feira de alimentos orgânicos – local de encontro e de variedade de alimentos frescos e da estação. O objetivo é divulgar estas feiras, a fim de estimular o acesso à alimentação saudável e diversificada, bem como valorizar o contato dos consumidores com os produtores da agricultura familiar.
Conheça a programação competa do Experimenta! em sescsp.org.br/experimenta
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