Volnei Garrafa, coordenador da Cátedra da Unesco de Bioética na Universidade de Brasília, em artigo publicado na Folha de São Paulo em 2002.
Se você precisasse contar para outra pessoa quem é você, por onde começaria?
O que somos é uma mistura das nossas experiências de vida, dos nossos valores, dos nossos ideais, das nossas preferências e, claro, do momento em que estamos.
Mas não é tão simples conseguir fazer essa descrição pessoal de forma realista e fiel. Além da dificuldade natural de enxergar nossas características com clareza, existe uma crescente desconexão do ser humano com sua essência no modo de vida atual.
Um dos jeitos mais fáceis de conhecer uma pessoa é a partir do que ela gosta e do que não gosta, ou seja, do que lhe dá prazer. Mas o prazer, que é tão importante para nosso bem-estar, felicidade e autoconhecimento, muitas vezes¿ é condenado e vem acompanhado de um sentimento de culpa. Não raro quem se entrega ao prazer é chamado de hedonista, pecador ou fora da lei – tudo depende de quem está julgando.
Mário Sergio Cortella, filósofo, em entrevista ao documentário Eu Maior.
Por outro lado, nas últimas décadas a ciência vem estudando as funções do prazer e seu papel estratégico¿no equilíbrio de uma vida mais saudável. Sabemos que a capacidade de sentir prazer está associada a um neurotransmissor chamado dopamina. Quando suprimido, faz com que as pessoas percam essa habilidade. Isso ocorre, por exemplo, em casos de depressão e outros transtornos psiquiátricos.
Para descobrir o que nos desperta sensações boas, precisamos primeiro entender de onde vêm essas preferências. Em entrevista para a rede britânica BBC, David Linden, professor de Neurociência na Universidade Johns Hopkins de Baltimore, nos Estados Unidos, e autor de A Origem do Prazer, explicou que “há algumas coisas que gostamos porque somos programados para gostar, como consumir alimentos e tomar água e manter relações sexuais”. Já outras são aprendidas culturalmente, mas todas têm algo em comum: seja a música, a beleza, a comida ou uma boa risada com os amigos, todas provocam impulsos elétricos nos mesmos pontos do cérebro.
Ao mesmo tempo, esse mecanismo que desperta a dopamina pode – e deve – estar presente em atividades cotidianas e corriqueiras, isto é, perfazer momentos do nosso dia sem estar ligado a ocasiões especiais. Em outras palavras, inserir o prazer na rotina. Por isso, identificar o que nos traz essa sensação é crucial, seja na escolha da atividade física, da comida, do trabalho, dos amigos ou do que fazer nas horas livres. Tal descoberta é um dos caminhos para se colocar em sintonia completa consigo.
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