Exposição celebra o centenário de Darcy Ribeiro no Sesc 24 de Maio

15/12/2022

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Pioneiro, visionário e atuante em um projeto de nação. Assim era Darcy Ribeiro, um importante personagem da história do país que deixou contribuições em diversas áreas de conhecimento. Para celebrar seu centenário e evocar a atualidade de seu pensamento, está em cartaz no Sesc 24 de Maio até junho de 2023 a exposição Utopia brasileira – Darcy Ribeiro 100 anos. Com curadoria de Isa Grinspum Ferraz, colaboradora de Darcy Ribeiro por mais de 10 anos, a mostra propõe um diálogo entre uma coleção de objetos e documentos originais da coleção do homenageado, obras de arte contemporânea, fotos e aparatos multimídia, com vídeos diversos e uma grande instalação audiovisual. A exposição integra a ação em rede “Diversos 22: Projetos, Memórias, Conexões”, desenvolvida pelo Sesc São Paulo no contexto do centenário da Semana de Arte Moderna e do bicentenário da independência do país.

No vão central do Sesc 24 de Maio, área com pé direito mais alto, os visitantes adentram uma experiência audiovisual imersiva, projetada em 360 graus, que apresenta o kuarup realizado em homenagem a Darcy Ribeiro em 2012, na reserva indígena do Xingu. Já no perímetro do espaço expositivo, a potência da sua reflexão e de sua obra é apresentada a partir de quatro facetas que traduzem o seu legado: o antropólogo, o educador, o político e o ensaísta e pensador do Brasil. Esses núcleos são compostos de vídeos, plumárias indígenas coletadas por Darcy, fotografias, objetos, documentos, obras literárias, cartas originais inéditas e linha do tempo.

Vão central da exposição com instalação audiovisual. Foto: Alberto S. Cerri

Em um momento de grande fragilidade social, o pensamento de Darcy Ribeiro se mostra valioso. Por isso, a curadora Isa Grinspum destaca que a contemporaneidade do estudioso é um aspecto importante para a mostra: “Mais do que uma homenagem aos cem anos do Darcy, mais do que algo memorialístico, eu quis trazer a potência e a atualidade de muitas das coisas que ele falou, sobretudo se pensarmos no que estamos vivendo hoje no Brasil. Para mim, ele não está morto. Não é a celebração de um pensador do século XX. Darcy Ribeiro é extremamente atual, e essa é uma exposição sobre o Brasil”.

Além da curadoria principal, Utopia brasileira contou com a contribuição do curador assistente Marcelo Macca, do cineasta Eryk Rocha e dos consultores José Miguel Wisnik e Mércio Gomes. O projeto expográfico é de Marcelo Ferraz. A identidade visual, trabalhada a partir do conceito de constelação, explora imagens de intelectuais e artistas que influenciaram a trajetória de Darcy Ribeiro e é assinada por Gustavo Piqueira.

Reconhecido como homem de pensamento e ação, Darcy se destacou na defesa pelos povos indígenas do Xingu; na militância a favor da educação pública e de qualidade, criando universidades inovadoras, como a UNB; foi escritor de romances e ensaios de antropologia e sociologia, entre os quais se destaca O povo brasileiro (1995), e de romances, como Maíra (1976), além de atuar em várias frentes políticas.

KUARUP MULTIMÍDIA

A instalação audiovisual que promove uma imersão no kuarup de Darcy Ribeiro – cerimônia fúnebre póstuma ocorrida no território indígena do Xingu em 2012 – é um dos destaques da exposição. O kuarup é um ritual em homenagem aos mortos ilustres organizados por diversos povos indígenas no Alto Xingu, em uma celebração de importante função socializante e pacificadora, que culmina em festejos, danças e um torneio de luta entre guerreiros.

Instalação audiovisual do ritual kuarup de Darcy Ribeiro.
Foto: Helô Goes
Povos indígenas no ritual de abertura da exposição.
Foto: Alberto S. Cerri

No caso de Darcy Ribeiro, essa celebração simbolizou mais um gesto de reconhecimento da parte dos povos originários em relação à contribuição e ao envolvimento do antropólogo na causa indígena. Na ocasião, o ritual foi documentado em vídeo. O material bruto de registro foi trabalhado pelo cineasta Eryk Rocha, que concebeu a montagem apresentada na exposição.

Além dessa grande oca circular, com projeção do chão ao teto, e dos setores que apresentam as variadas atuações de Darcy, há ainda diálogos artísticos estabelecidos por meio da presença de algumas obras. Duas canções de Tom Zé, desenvolvidas para a peça Língua brasileira, de Felipe Hirsch, e muito conectadas com o pensamento do antropólogo, serão apresentadas em um nicho. Estarão expostas ainda obras de Regina Silveira, Anna Bella Geiger, Bob Wolfenson e do recém-falecido Emanoel Araújo.

EDUCATIVO E ACESSIBILIDADE

Como parte do compromisso do Sesc São Paulo com a educação e a acessibilidade, Utopia Brasileira – Darcy Ribeiro 100 anos chega com um programa composto de atividades que visam promover a mediação cultural e potencializar a experiência do público com os temas presentes na exposição.

A ação educativa prevê a realização de visitas agendadas para grupos; visitas para públicos espontâneos aos finais de semana; programações educativas; material educativo voltado para profissionais da área de educação, saúde e assistência social; e materiais acessíveis dispostos na exposição para utilização autônoma. Coordenada por Marcio Farias, a equipe é composta por profissionais da área de mediação com formações em Artes Visuais, Artes Cênicas, Ciências Sociais, História, Letras e Pedagogia.

A exposição conta com os seguintes recursos de acessibilidade: mobiliário acessível; audioguia geral e audiodescrição de objetos táteis; videoguia em Libras com Legendagem para Surdos e Ensurdecidos (LSE) e vibroblaster para obras sonoras; réplica, maquete e mapa táteis; piso podotátil e impressão dos textos em dupla leitura (português ampliado e Braile). Há também textos traduzidos para os idiomas: espanhol, francês e inglês. O Sesc 24 de Maio é acessível a cadeiras de rodas por rampas e elevadores. 

SOBRE DARCY RIBEIRO

Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 26 de outubro de 1922. Em 1939, mudou-se para Belo Horizonte e ingressou na Faculdade de Medicina. Adiante, em 1942, abandonou o curso de Medicina e se mudou para São Paulo, onde passou a cursar Ciências Sociais na USP. O intelectual se formou em Antropologia pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo em 1946.

Darcy Ribeiro com grafismos indígenas Kadiwéu_Acervo Fundação Darcy Ribeiro

No ano seguinte, iniciou seu trabalho como etnólogo no Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Sua colaboração na instituição seguiu até 1956, atuando junto ao Marechal Rondon com indígenas do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia. Foi nesse intervalo que começou a planejar o Museu do Índio, inaugurado em 1953. O museu, localizado no Rio de Janeiro, é reconhecido pela Unesco como o primeiro no mundo a difundir a cultura indígena de forma a combater o preconceito.

Entre 1955 e 1956, o pioneiro Darcy Ribeiro atuou como professor de etnologia da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Na sequência, em 1957, foi nomeado por Anísio Teixeira diretor da Divisão de Estudos Sociais do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, órgão do Inep. O trabalho do antropólogo no âmbito das instituições públicas continuaria até o fim de sua vida. Ainda em 1959, Darcy foi encarregado pelo presidente Juscelino Kubitschek de planejar a Universidade de Brasília, onde exerceu a função de primeiro Reitor em 1961.

Passou então, em 1962, ao cargo de Ministro da Educação do Gabinete parlamentarista presidido por Hermes Lima na gestão do Presidente João Goulart; e, em 1963, foi nomeado Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República de Jango. Após o golpe militar, no ano seguinte, Darcy Ribeiro se exilou no Uruguai e teve os direitos políticos cassados pelo AI-1. Seus gestos de contribuição social e institucional, nesse momento, se estenderam a outros países da América Latina. No Uruguai, atuou como professor da Universidad de la Republica e participou da reforma e da fundação de universidades locais.

Após ter sido absolvido pelo STF das condenações militares que pesavam sobre ele, em 1968, Darcy regressou ao Brasil, porém acabou sendo preso e indiciado em processo por infração à Lei de Segurança Nacional após a edição do AI-5 em 13 de dezembro. Desse modo, partiu novamente para o exílio em 1969. Foi convidado pelo presidente Salvador Allende para assessorá-lo, em 1971, e atuou como professor da Universidad de Chile. Mudou-se para o Peru em 1972, onde trabalhou de assistente do presidente Juan Velasco Alvarado na organização do Centro de Participação Social, patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Também elaborou estudos para universidades do México e da Costa Rica.

O reconhecimento mundial da contribuição de Darcy Ribeiro é contínuo, permanente. Em 1978, foi laureado doutor honoris causa na Sorbonne, França. Posteriormente, já em 1979, foi anistiado, retornou ao Brasil e tornou-se professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. No contexto da redemocratização, elegeu-se vice-governador do Estado do Rio de Janeiro na chapa de Leonel Brizola (PDT). Entre 1983 e 1986, como vice-governador, respondeu pela Secretaria de Ciência e Cultura e coordena o Projeto Especial de Educação, responsável pelo programa das escolas de horário integral – os Cieps. Além disso, inaugurou em sua gestão o Sambódromo.

Darcy Ribeiro com indígenas do povo Kadiwéu, em 1947. Acervo do Museu do Índio / FUNAI Brasil

Mais tarde, em 1990, Darcy Ribeiro se elegeu Senador pelo PDT do Rio de Janeiro. No entanto, licenciou-se em 1991 para assumir a Secretaria Extraordinária de Programas Especiais do Estado do Rio de Janeiro, no governo Leonel Brizola. Durante essa década, deu prosseguimento aos seus feitos intelectuais e políticos em diversas ações, como a fundação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (1994), a relatoria do Projeto da Lei de Diretrizes Bases da Educação (1995) e a idealização da Universidade Aberta do Brasil e da Escola Normal Superior (1996).

Ingressou na Academia Brasileira de Letras em 1992, autor de diversas publicações como Uirá sai à procura de Deus (1957), obra de ficção baseada na vida indígena, La universidad necessaria (1967), Configurações histórico-culturais dos povos americanos (1962), UnB: invenção e descaminho (1978), Nossa escola é uma calamidade (1984) e O povo brasileiro (1995).

Darcy morreu em Brasília no dia 17 de fevereiro de 1997. Seu corpo foi sepultado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro.

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