Mostra celebra a cultura amefricana inspirada na produção intelectual de Lélia Gonzalez e no livro Festas populares no Brasil
A partir de 27 de junho, o Sesc Vila Mariana recebe a exposição Lélia em nós: festas populares e amefricanidade, inspirada no pensamento da antropóloga, historiadora e filósofa brasileira Lélia Gonzalez (1935 – 1994), um dos nomes mais importantes do pensamento antirracista brasileiro. A mostra acompanha o relançamento do livro Festas populares no Brasil pela Editora Boitempo, 30 anos após a morte da pensadora, e revela uma faceta menos conhecida do trabalho da pesquisadora.
Para a curadoria, foram convidadas Glaucea Britto e Raquel Barreto que, por meio de um recorte que traz destaque para as festas e tradições afro-brasileiras, selecionaram artistas e obras históricas e contemporâneas, em diálogo com o pensamento da autora, que cunhou o termo ‘amefricanidade’. A expressão, que compõe o nome da mostra, busca uma compreensão mais ampla sobre as influências da cultura de povos africanos sobre o povo brasileiro.
As curadoras também reforçam a ideia de Lélia de que as festas e tradições são vistas como dispositivos essenciais para discussões e reflexões de aspectos fundantes da cultura brasileira:
“As festas são espaços privilegiados de afirmação de existências, em narrativas múltiplas, complexas, poéticas e potencialmente subversivas. Espaço de ritualização da vida e da morte, (…) de conexão entre as comunidades e com a própria ancestralidade. A festa nos alimenta e nos ensina, a festa nos preserva e nos continua.” – Glaucea Helena de Britto e Raquel Barreto
Por meio de um repertório artístico, que vai da música às artes plásticas, a exposição traz produções contemporâneas e de diferentes períodos, reunindo trabalhos de artistas renomados, como Alberto Pitta, Heitor dos Prazeres, Januário Garcia, Maria Auxiliadora, Nelson Sargento, e Walter Firmo – além de 12 trabalhos inéditos, como Coletivo Lentes Malungas, Eneida Sanches, Lidia Lisboa, Lita Cerqueira, Manuela Navas, Maurício Pazz, Rafael Galante e Rainha Favelada.
Há ainda um recorte de sonoridades e musicalidades, tanto do universo das festas e festejos brasileiros, quanto das intervenções do DJ Machintown e do trombonista Allan Abbadia, além de registros fonográficos da discoteca pessoal de Lélia.
A abertura da exposição ocorre em 26 de abril, quarta-feira, no Sesc Vila Mariana, com o lançamento oficial do livro Festas populares no Brasil. A programação especial contará com as performances “Lavagem com Flores e Perfumes”, com Samba de Roda Nega Duda e “Gorée: onde o velho e o novo se encontram”, com Guinho Nascimento, além da discotecagem “acervo sonoro de Lélia Gonzalez”, com DJ Machintal. Já a visitação abre ao público geral em 27 de junho e segue em cartaz até 24 de novembro de 2024.
FESTAS POPULARES NO BRASIL
Premiada internacionalmente na época de sua publicação, a obra continua pouco citada e pouco conhecida no Brasil. Isso porque Festas populares no Brasil é o único título publicado em vida pela intelectual exclusivamente como autora. Lançada em 1987 com tiragem de 3 mil exemplares, a obra não foi oficialmente lançada no mercado, tendo sido patrocinada por uma empresa multinacional e distribuída como presente de fim de ano.
Após mais de três décadas de sua produção original, o livro ganha nova edição da Boitempo, a primeira voltada à circulação no mercado editorial. A obra apresenta registros fotográficos de festas populares do Brasil de norte a sul com textos informativos que apresentam as marcas da herança africana na cultura brasileira, a integração entre o profano e o sagrado e a reinvenção das tradições religiosas na formação do imaginário cultural brasileiro.
Com textos da acadêmica que evidenciam laços indissociáveis entre Brasil e África por meio de manifestações populares como o Carnaval, o Bumba-Meu-Boi, as Cavalhadas e festas afro-brasileiras como as Congadas e o Maracatu, a obra reúne mais de cem imagens de cinco fotógrafos: Leila Jinkings, Marcel Gautherot, Maureen Bisilliat, Januário Garcia e Walter Firmo (os dois últimos, integrando a exposição).
A nova edição inclui também materiais inéditos, textos de apoio, fac-símiles, prólogo de Leci Brandão, prefácio de Raquel Marreto, posfácio de Leda Maria Martins, texto de orelha de Sueli Carneiro e quarta capa de Angela Davis e Zezé Motta.
ARTISTAS E EIXOS TEMÁTICOS
Reunindo obras de acervos pessoais, públicos e institucionais, além dos doze trabalhos inéditos, a exposição Lélia em nós: festas populares e amefricanidade desenvolve-se a partir dos cinco eixos temáticos listados a seguir:
1) Festas populares: o livro
Espaço expositivo que reafirma Lélia Gonzalez como uma intérprete do Brasil por meio de excertos textuais de Festas populares no Brasil e reproduções fac-similares de artigos publicados na imprensa e documentos históricos, como os extraídos do pioneiro curso Cultura Negra, ministrado pela intelectual em 1976, na EAV – Escola de Artes Visuais do Parque Laje (RJ). Nesse mesmo núcleo também estão presentes obras de, entre outros, Ivan da Silva Morais, Simba, José Luiz Soares e Kevin da Silva, além de fotografias de Walter Firmo e Adenor Godim.
2) Racismo e sexismo na cultura brasileira. Cumé que a gente fica?
Nesse eixo temático, cinco artistas, mulheres negras, são convidadas para, por meio de obras inéditas, darem uma expressão artística visual ao texto mais icônico e significativo de Lélia Gonzalez, “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, ensaio publicado em 1984 na Revista Ciências Sociais Hoje. Com essa intervenção, Lidia Lisboa, Eneida Sanchez, Manuela Navas, Hariel Revignet e Rainha Favelada realizam uma interpretação contemporânea e vibrante da mensagem atemporal de Lélia, enquanto também homenageiam sua influência e legado.
3) Pele Negra, máscaras negras
O título desse núcleo dialoga com um dos livros mais importantes e influentes para a ascensão dos movimentos da luta antirracista, Pele negra, máscaras brancas, publicado em 1952 pelo psiquiatra martiniquense Frantz Fanon, um autor fundamental para o pensamento de Lélia e a construção de perspectivas para as reflexões sobre os efeitos subjetivos do racismo na gênese do indivíduo. Na proposta das curadoras, esse eixo temático é uma celebração à presença das máscaras e dos mascarados em inúmeras festas populares do Brasil, estabelecendo uma relação ancestral com as máscaras da cultura africana em festividades e rituais. O núcleo reúne: fotografias de Carlos Humberto TDC, Jandir Gonçalves, Ismael Silva e Márcio Vasconcelos; obras de Simba, Bea Machado, Uberê Guelê; e uma instalação e performance comissionadas de Guinho Nascimento.
4) Beleza Negra, ou: ora-yê-yê-ô
Nesse eixo, a exposição evidencia a beleza e a dimensão política de afoxés, cortejos conduzidos por reis e rainhas – como Badauê, Filhas d’Oxum, Korin Efan, Ataojá, Ilê Oyá, Monte Negro e Filhas de Ghandy – que agregam multidões e que possuem estreita relação de origem com os terreiros de candomblé de Salvador. No espaço expositivo estão reunidos: objetos pessoais de Lélia; fotografias de Januário Garcia, Antônio Terra, Bauer Sá, Lita Cerqueira, Bruno Jungmann, Arquivo Zumvi (Lazaro Roberto e Jonatas) e Mônica Cardim; obras de J Cunha, Alberto Pitta, Maria Auxiliadora e Isa do Rosário de Maria; e trabalhos comissionados de Nádia Taquary e do Coletivo Lentes Malungas.
5) De Palmares às escolas de samba, tamo aí!
Exaltando o papel das mulheres negras como perpetuadoras dos valores culturais afro-brasileiros, o núcleo estrutura-se a partir da consideração de Lélia de que Palmares forjou uma nacionalidade brasileira baseada na igualdade. Nesse sentido, a contribuição das mulheres negras estaria presente desde a criação de Palmares, passando por todas as experiências socioculturais do povo brasileiro, com destaque para a experiência na criação de instituições negras, como as escolas de samba, e de instituições religiosas, como os terreiros de candomblé. No espaço expositivo estão reunidas: fotografias de Eustáquio Neves, Letícia Mercier, Januário Garcia, Walter Firmo e Lita Cerqueira; e pinturas de Sergio Vidal, Raquel Trindade, Heitor dos Prazeres, Maria Auxiliadora, Nelson Sargento, Wallace Pato, Mulambö e Bea Machado. O núcleo reúne ainda Escolas de Samba de São Paulo, vídeo de Rafael Galante e Maurício Pazz, comissionado para a exposição.
SOBRE LÉLIA GONZALEZ
“Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês jamais aprenderão comigo”
Angela Davis
Lélia Gonzalez (1935-1994) foi uma das mais importantes intelectuais brasileiras do século 20. É uma referência nos estudos e debates de gênero, raça e classe no Brasil, na América Latina e pelo mundo, sendo considerada uma das principais autoras do feminismo negro no país. Foi cofundadora do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras do Rio de Janeiro (IPCN-RJ) e do Movimento Negro Unificado (MNU). Autora de Festas populares no Brasil (Boitempo, 2024), coautora de Lugar do Negro (1982), livro escrito com o sociólogo Carlos Hasenbalg, e de artigos de grande relevância sociopolítica para a disseminação do debate acadêmico sobre as intersecções entre raça e gênero, como “A importância da organização de mulheres negras no processo de transformação Social” (1980), “Racismo e sexismo na sociedade brasileira” (1984) e “Por um feminismo afrolatinoamericano” (1988).
SOBRE AS CURADORAS
Glaucea Helena de Britto
Mestra em Artes e licenciada em Educação Artística pela Universidade de São Paulo (USP). Possui certificado em Estudos Afro-Latino-Americanos pela Universidade de Harvard. É former fellow em Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU), gestora do Terreirão Cultural, coordenadora de espaços educativos do Akoma Institute e curadora-assistente do MASP.
Raquel Barreto
É curadora-chefe do Museu de Arte Moderna do Rio. Especialista nas autoras Angela Y. Davis (1944) e Lélia Gonzalez (1935-1994),realizou a primeira dissertação de mestrado sobre as autoras no país em 2005. Na pesquisa do doutorado escreve uma tese a respeito do Partido dos Panteras Negras (1966-1974) e as relações entre fotografia, política e poder. Foi cocuradora das exposições Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros e Heitor dos Prazeres é meu nome. Prefaciou a edição brasileira do livro de Angela Davis, Uma autobiografia (Boitempo) e dividiu mesas com a própria Angela Davis e Patricia Hill Collins, em 2019. Participou do projeto de publicação independente dos livros de Lélia González e Beatriz Nascimento, produzidos pela UCPA (União dos Coletivos Pan Afrikanos), em 2018. Integrou o projeto Hospedando Lélia Gonzalez (1935-1994) na Escola de artes visuais do Parque Lage.
FICHA TÉCNICA – LÉLIA EM NÓS: FESTAS POPULARES E AMEFRICANIDADE
Idealização: Boitempo
Curadoria: Glaucea Helena de Britto e Raquel Barreto
Assistentes de Curadoria: Roger Gaspar e Vinicius Sena Mendes
Equipe Sesc: Adriana Lazarini Sales, Aline Tafner, Allison Lopes Rocha, Carlos Gustavo Curado, Carolina Barmell, Carolina Paes de Andrade, Claudia Garcia, Cintia Masil, Estevão Silveira, Fabiana Tardelli, Fabio Luis Vasconcelos, Humberto Vieira Mota, Juliana Okuda Campaneli, Karina Camargo, Laise Ferreira Guedes, Livia Lima da Silva, Lourdes Aparecida, Mariana Lins Prado, Marina Reis, Maurício Rodrigues, Melina Barbosa da Silva, Mirtes Miki, Natália dos Reis, Nathalia Quarz Magalhães, Octavio Weber Neto, Priscila Lourenção, Rachel Sciré, Rafael Nicolas, Ricardo Herculano, Rodney Hermenegildo, Silvia Eri Hirao, Silvio Basílio.
Assessoria Técnica: David Ribeiro
Produção Executiva: Pink Pineapple
Coordenação de Produção: Adelaide Witzler D’Esposito
Produção: Waléria Dias
Assistente de Produção: Aurize Ribeiro Produtora
Projeto de Arquitetura: Carmela Rocha e Sofia Gava
Assistente de Arquitetura: Gabryella Roque
Colaboração: Mirella Schena
Projeto Audiovisual: Mitarte
Desenho de Luz: Danielle Meireles
Assistente de Desenho de Luz: Cristiane Bueno
Identidade Visual: Daó (Giovani Castelucci e Guilherme Vieira) e Laryssa Ramos
Coordenação Editorial: Rafael Zacca
Revisão de Textos: Diana de Abreu Dobránszky
Projeto de Acessibilidade: Mais Diferenças
Plataforma Digital de Acessibilidade: Musea Projetos de Estrutura
Segurança e Elétrica: Murilo Jarreta
Montagem: Fina Gala
Coordenação Educativa: Giselda Perê
Equipe Educativa: Ali Martins, Daniela Rezende, Hellen Nicolau, Henry Castelli, Igor Gervásio, Josefa Rouse, Letícia Castro, Lívia Anjos, Marcella Victória, Mireille Antunes, Ossaiê, Ramo
Assessoria de Imprensa: Baobá Comunicação e Buriti Comunicação
Execução de Cenografia: Cenografia Catanduva
Equipamentos de Iluminação: MLC
Equipamentos de Audiovisual e Multimídia: MTECX Transporte e Seguro de Obras ARTQuality
Registro Fotográfico para Catálogo: Everton Ballardin e Fabio Souza Conservação Adson Carvalho, Alex Costa, Alice Gontijo, Ana Frade, Camilla Ayla, Gil Chaves, Priscilla Moret e Simone Trindade
Tratamento de Imagem: Estúdio 321
Impressão Fine Art: Estúdio 321
Adesivagem e Molduras: Artfactory
Impressão em Grande Formato: Fotosfera
Impressão de Comunicação Visual: 2RJ Comunicações e InSign
BOITEMPO
Diretora-Geral: Ivana Jinkings
Gerente de Comunicação: Kim Doria
Equipe: Ana Slade, Artur Renzo, Davi Oliveira, Elaine Ramos, Frank de Oliveira, Frederico Indiani, Higor Alves, Isabella de Oliveira, Isabella Meucci, Ivam Oliveira, Letícia Akutsu, Livia Campos, Livia Viganó, Luciana Capelli, Marcela Sayuri, Marina Valeriano, Mateus Rodrigues, Maurício Barbosa, Pedro Davoglio, Raí Alves, Renata Carnajal, Thais Rimkus e Tulio Candiotto
SERVIÇO
Exposição Lélia em nós: festas populares e amefricanidade
Sesc Vila Mariana
Rua Pelotas, 141 – Vila Mariana – São Paulo
Abertura da exposição e lançamento do livro em 26 de junho, quarta-feira, às 19h
Horário de visitação: de 27 de junho de 2024 a 9 de fevereiro de 2025; terça a sexta, das 10h às 21h; aos sábados, das 10h às 21h; domingos e feriados, das 10h às 18h.
Entrada gratuita
Visita mediada com o Educativo “Lélia em Nós”: a partir de 18/8, aos sábados, domingos e feriados, às 11h e às 16h30. Capacidade máxima: 15 pessoas.
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