Exposição ‘Retratistas do Morro’: 50 anos de memórias do Aglomerado da Serra em conjunto inédito de fotografias de João Mendes e Afonso Pimenta no Sesc Pinheiros 

15/06/2023

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Mostra, com curadoria do pesquisador Guilherme Cunha, aberta ao público a partir de 20 de junho, reúne cerca de 340 imagens que revelam o aspecto sociopolítico e cultural da região

O acervo fotográfico do projeto Retratistas do Morro data parte de uma vida do Aglomerado da Serra, região Sul de Belo Horizonte, em Minas Gerais, tendo como foco o cotidiano de moradores. São momentos intimistas e, ao mesmo tempo, tão comuns que representam parte importante da narrativa brasileira: a forma de existir e resistir em meio à invisibilidade social presente nas comunidades das grandes metrópoles.

As imagens captadas de 1960 a 1990 pelos fotógrafos João Mendes e Afonso Pimenta são objeto da pesquisa conduzida pelo curador e artista visual Guilherme Cunha desde 2015 e que reverbera como projeto de preservação dessa historicidade com base no olhar de retratistas que atuaram nas comunidades.

A partir da catalogação, restauração e digitalização de 250 mil negativos do acervo, Cunha mergulhou no passado local para compor um recorte de 33 mil imagens. Destas, quase 340 fazem parte do corpo da Exposição Retratistas do Morro, abrigada no Sesc Pinheiros de 20 de junho a 28 de janeiro.  

Para o curador, a exibição atravessa as fronteiras de Minas Gerais expandindo-se à realidade de todas as favelas do país.

“As imagens produzidas por Afonso e João nos revelam outras versões da história das cidades e das populações de favela no Brasil, contadas a partir das experiências, da realidade familiar, de acontecimentos, como casamentos, nascimentos, batizados, jogos de futebol, velórios, formaturas, bailes, construções de barracos, e da visão de mundo de seus moradores.”

Até hoje, a loja de João Mendes, a Foto Mendes, está aberta na Serra, prestando serviços à população. São aproximadamente quatro gerações fotografadas em fotos 3×4 preto e branco, a especialidade dele. O portfólio ainda se estende a uma coleção de fotografias de becas e formaturas de crianças e jovens da comunidade.

Inspirado pelos registros do amigo, Afonso Pimenta foi assistente de Mendes e com ele aprendeu o ofício. Em 1967, resolveu fazer da nova paixão o seu trabalho: comprou uma câmera e passou a acompanhar os bastidores dos bailes e concursos que originaram o movimento “Black” na periferia mineira.

Aglomerado da Serra (MG): o maior conjunto de comunidades de Belo Horizonte

O Aglomerado da Serra, com aproximadamente 50 mil habitantes, é o maior conjunto de comunidades da capital mineira e teve sua formação distribuída ao longo de várias décadas, com a maioria dos ocupantes vindos do interior do Estado.

As vilas Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora Aparecida, Santana do Cafezal, Novo São Lucas, Fazendinha, Chácara e Marçola representam essa expansão populacional e territorial desde 1914.

Foi nesse cenário que João Mendes e Afonso Pimenta se tornaram parte das memórias e vivências afetivas da Serra, além de registrá-las, dando nomes e rostos às famílias que escreveram a história do Aglomerado ao longo de cinco décadas.

Pelas lentes de João Mendes e Afonso Pimenta

Sem propósito biográfico na época, Afonso Pimenta e João Mendes registraram o que hoje se torna patrimônio de uma população pouco representada. Além da memória visual, cerca de 80 áudios com depoimentos dos dois fotógrafos, a percepção momentânea dos fotografados e de agentes culturais compõem a exposição.

Uma playlist feita por Misael Avelino, fundador da Rádio Favela, acompanha a trilha sonora. Essa experiência auditiva traz a marca musical do Aglomerado da década de 70, o black soul, que entoava os bailes retratados por Afonso.

Assinada por Ricardo Amado, a expografia se divide em três temáticas: Retratos, Bailes e Espaço das Becas.


Retratos

Fotos domésticas feitas por João Mendes, como as de estúdio (3 x 4) usadas para documentos e registros, revelam a rotina de moradores e eternizam celebrações. Aparecem na mostra impressas em papel de algodão em diversos tamanhos.

Nesta imagem, João conta um pouco sobre a figura de “Zé Repolho”, cujo nome é desconhecido pelo fotógrafo, mas a alegria e a pose de galã marcaram a história desse retrato.

Foto Mendes. Belo Horizonte, MG • 1970

“Esse aqui é o Zé Repolho. Não sei o nome certo. Só sei que, desde 1969 – em 68 cheguei na Serra – ele já era chamado assim […] Essa foto era para dar para parentes, namorada… na época, os cantores Jerry Adriani, Roberto Carlos, Paulo Sérgio, da Jovem Guarda, todas as fotos deles – de disco – eram de lado, assim. Então, muita gente copiava.” 

João Mendes

Ouça este depoimento na íntegra:

Bailes

Registros dos bailes black soul, eventos e encontros culturais pelas lentes de Afonso Pimenta, ganharam uma série de imagens em grandes proporções.

O autor das fotografias detalha o momento em que bateu a foto de Adailson Pereira da Silva, frequentador do Soul, um dos bailes da região. Pimenta também reflete sobre o preparo que tinha para tirar as fotos, que diferem da praticidade e tecnologia dos dias atuais.

Baile Soul do DCE (Diretório Central dos Estudantes). Belo Horizonte, MG • 1985

“O nome desse rapaz é Adailson, uma personalidade muito para cima, amigo de todo mundo lá no ‘Soul’, graças a Deus. Nesse dia, eu cheguei lá cedo, o som nem estava funcionando; eles estavam fazendo um teste. E aí ele chegou cedo, exatamente para tirar uma foto do jeito que ele queria tirar. ‘Eu vim com esse chapeuzinho aqui e vou tirar uma foto que vai ser muito bonita’ […] Eu estava entregando uma foto, mas tinha um cartão de visita porque daquela foto vieram outras e outras.”

Afonso Pimenta

Ouça:

Espaço das Becas

Fotografias de João Mendes mostram as formaturas escolares de crianças e jovens do Aglomerado da Serra, vestidas com becas e exibindo diplomas nas mãos. Impressão em papel de algodão.

Mendes conta da alegria de fotografar crianças e as lembranças que só elas poderiam proporcionar. Sobre esse retrato, ele cita a semelhança entre dois garotos na escola, com a beca, em que seu olhar apurado conseguiu distinguir a foto de uma para outra, quando nem as mães e a professora sabiam quem era quem. Apesar de ser um momento especial para muitas famílias, algumas não tinham condições de arcar com os custos dos retratos, e João conta o que fazia nestes casos.

João Mendes “Série Becas”, Belo Horizonte, 1987

“Eu cheguei a fotografar, em um ano, 105 crianças. Muitas vezes, tinham algumas que não tinham condições (de pagar), e eu liberava a foto. Quando você dá um chocolate para um e não dá para o outro, é chato. Então, eu acho que a criança sente. Por mais nova que ela seja, vai lembrar por muitos anos […]. A melhor coisa que tem é você fazer o bem.”

João Mendes

Ouça:

Diante da desigualdade social, ainda muito forte em nosso país, os retratistas encontraram espaço para fotografar toda uma população que teve sua imagem invisibilizada por séculos, com um olhar interno, subjetivo, de quem viveu aquela realidade.

É preciso que o espaço da narrativa histórica seja melhor compartilhado, para que diferentes visões de mundo façam parte dessa noção de realidade.”

Guilherme Cunha, curador da exposição


*Para agendamento de visitas mediadas com a equipe educativa da exposição Retratistas do Morro, envie um e-mail para agendamento.pinheiros@sescsp.org.br.

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