“Eu não gostei tanto do filme, mas eu adorei a fotografia”. Todo mundo já deve ter ouvido isso de um espectador, alguém que não teve uma experiência tão impactante com uma obra, porém quer fazer concessões aos seus apelos artísticos. É curioso que esse bordão tenha ficado popular entre cinéfilas e cinéfilos destacando a fotografia do cinema, e não outro departamento técnico igualmente essencial a um projeto audiovisual, como é o caso da montagem. Mas o que é exatamente gostar da fotografia de um filme?
A intenção deste artigo não é apontar o que deve ser aprovado ou não, visto que essa é uma relação de ordem particular: a de quem assiste com o filme que é projetado. É mais uma provocação, uma tentativa de compreender onde reside o cerne da avaliação positiva da imagem. Em outras palavras, se é uma questão puramente estética, como a admiração a um conjunto de belas imagens (“gosto da fotografia porque as cenas são bonitas”) ou se o público estabelece vínculo do trabalho de fotografia com a história narrada, o que não necessariamente salta aos olhos pela sua exuberância, mas cumpre uma função narrativa.
O trabalho de construção visual de um filme, de traduzir um roteiro textual em imagens, requer habilidades e diálogo entre os profissionais envolvidos. É um esforço em coletividade para produzir, antes de tudo, sentido ao que está sendo contado, além de garantir a imersão do espectador naquele universo.
Na premiação do 50º Festival Sesc Melhores Filmes, o público escolheu “O Sequestro do Voo 375”, de Marcus Baldini, como a Melhor Fotografia entre os lançamentos do cinema nacional de 2023. Rhebling Junior, que assina a direção de fotografia do longa, afirma que foram utilizadas técnicas específicas para a assertividade de iluminar um filme do gênero ação. “O importante é ser fiel à narrativa, e poder pintar o shooting com a luz perfeita. Com a fotografia, podemos intensificar a ação ou só dar o clima no momento exato do roteiro, seguindo o que exatamente o diretor quer causar no público”, explica.
Para contribuir com a discussão, convidamos alguns jornalistas votantes que fizeram parte do júri da crítica no Festival Sesc Melhores Filmes.
O pesquisador e crítico de cinema Diego Benevides, sócio-fundador da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine), enumera uma série de recursos que devem estar articulados para sedimentar a passagem do roteiro escrito para o campo imagético, como enquadramentos, movimentos de câmera, cores e luzes, contrastes, perspectivas, tempos e encenação. “Precisamos entender a fotografia como um trabalho tanto estético quanto intelectual que interfere e luta pela totalidade do filme em si. A fotografia é importante porque ela é um elemento central para a interpretação do filme e aponta por quais vias os criadores revelam seus desejos e intenções com aquela história”, declara.
Benevides atribuiu o seu voto de Melhor Fotografia a “Mato Seco em Chamas”, de Adirley Queirós e Joana Pimenta, esta última responsável pela fotografia da obra. O filme foi consagrado vencedor na categoria pelos votos dos críticos. Para ele, é na fotografia de “Mato Seco em Chamas” que se encontra a força central que agencia os discursos sociais e políticos da trama. “É fascinante como Joana Pimenta capta, revela, adivinha e performa a vida e o corpo de suas personagens femininas diante da câmera, o que resulta em uma experiência sensorial e imersiva muito particular da safra recente de produções brasileiras”, opina.
Integrante da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), a jornalista Barbara Demerov destaca algumas particularidades que resultam em um trabalho de fotografia eficaz no cinema. “Um bom filme necessita de um olhar personalizado no que diz respeito às paletas de cores selecionadas, aos ângulos e enquadramentos, às lentes de câmera e, claro, como a câmera vai se comportar diante da história. Quando tudo isso está em sinergia, ou pelo menos a maior parte desses elementos, com certeza o resultado será positivo.”
A crítica diz prezar pela riqueza e complexidade da fotografia, uma vez que é por meio das imagens que os realizadores narram suas histórias. “Quando o diretor de fotografia e o diretor do filme estão alinhados no set, o resultado é basicamente algo único e mágico”, complementa.
Já a crítica de cinema Clarissa Kuschnir, que escreve para o portal Vertentes do Cinema, é categórica ao afirmar que o cinema não existiria sem a fotografia, e que essas duas artes caminham de mãos dadas. “Uma das coisas que mais considero nas minhas avaliações, seja como júri, curadora e até como jornalista é o trabalho da composição da fotografia. Eu acho que muitas vezes o filme pode até pecar em algumas questões, mas com uma equipe de fotografia bem dirigida, bons enquadramentos e iluminação, o filme consegue trazer o público para mais próximo da história”, comenta Clarissa.
Os vencedores desta edição na categoria Melhor Fotografia, “O Sequestro do Voo 375” e “Mato Seco em Chamas”, compõem a programação do Festival Sesc Melhores Filmes. Para conferir os dias e horários da exibição, acesse aqui.
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