Leia a edição de agosto/22 da Revista E na íntegra
Por Luna D’Alama
Todo ser humano é mamífero, mas o ato de amamentar não é instintivo. Para que ele dê certo, é preciso que haja a colaboração de uma série de fatores físicos, emocionais, familiares, sociais e mercadológicos, entre outros. Por isso, o aleitamento materno deve ser orientado, promovido e apoiado por diferentes setores da sociedade, alertam especialistas. E é neste mês que a amamentação conquista seu protagonismo no Brasil e no exterior, com iniciativas como a Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM) e o Agosto Dourado [Leia mais em Educação e apoio].
“Quando uma mãe não consegue amamentar, é necessário oferecer acolhimento, escuta, e mostrar que a responsabilidade nao é somente dela, pois há toda uma cascata envolvendo vários atores sociais. Apenas uma minoria (em torno de 5%) das mães têm problemas físicos ou fisiológicos reais que inviabilizam esse processo. De forma geral, a ausência do aleitamento acontece por má orientação, falta de apoio ou de estrutura”, explica a nutricionista Viviane Laudelino Vieira, mestre e doutora em nutrição infantil pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), pesquisadora e defensora da amamentação e da saúde materno-infantil desde que se tornou mãe de Manuela.
Apesar dos obstáculos, o Brasil tem evoluído nesse quesito: nos anos 1980, o país chegou a registrar taxas de aleitamento materno de 3%. Hoje, cerca de 45% dos bebês são amamentados até os 6 meses de vida, seguindo a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para aleitamento exclusivo nesse período e de complemento à alimentação até os 2 anos de idade ou mais. Comparado a outros países, afirma Viviane, o Brasil tem um arcabouço de políticas públicas atuando em diferentes instâncias (maternidades, unidades básicas de saúde e legislação em direitos trabalhistas) que, de certa forma, favorece a realização da amamentação.
“Mas existe uma influência cultural negativa, visto que nossas mães, em geral, pouco amamentaram ou não tiveram uma experiência positiva. Portanto, a rede de apoio familiar – sobretudo, da avó materna – pode não ser pró-aleitamento, razão pela qual essa recém-mãe precisa ser bem apoiada por profissionais da saúde”, ressalta Viviane, que atua como supervisora no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, da FSP/USP, onde atende gestantes, puérperas (mães no pós-parto) e crianças, promovendo cursos de introdução alimentar.
Contudo, não são apenas os palpites de avós e de outros parentes que podem interferir na amamentação. De acordo com a nutricionista Viviane Vieira, entre os maiores desafios atuais está “uma influência negativa por parte da indústria de produtos que competem diretamente com o aleitamento, como fórmulas infantis, compostos lácteos, mamadeiras, chupetas e outros bicos”. Essa indústria, complementa Viviane, “é muito poderosa e tem crescido demais em lucro, quantidade de produtos e no assédio feito às mães, de diferentes formas: via profissionais da saúde, patrocínio de congressos médicos, redes sociais e influenciadoras(es)”. Assim, na visão da especialista, fica difícil filtrar as informações e conter notícias falsas que circulam em ambiente online, seja nas redes sociais ou em aplicativos de trocas de mensagens instantâneas.
A médica sanitarista Marina Rea, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, da IBFAN (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar, em tradução livre) e da WABA (Aliança Mundial para Ação em Aleitamento Materno, em tradução livre), acrescenta que, por mais de três décadas, mais precisamente desde 1988, não se tinha no Brasil propaganda de fórmulas infantis. “Por todo esse tempo, a indústria obedeceu, mas já faz uns quatro anos que houve um retrocesso. Agora, está cheio de publicidade na internet, nas redes sociais e no e-commerce de grandes varejistas. Não era para ter isso, é proibido por lei”, enfatiza Marina, em referência à Lei nº 11.265, de 2006, que, entre outras orientações, regulamenta a comercialização de alimentos para lactentes e crianças na primeira infância.
No caso das(os) influenciadoras(es) digitais, as publicações são feitas muitas vezes como relatos pessoais, mas é importante lembrar que essas(es) profissionais têm, muitas vezes, milhares ou até milhões de seguidores – e o impacto de cada fala é proporcional ao seu alcance. “Não é possível saber se as(os) influenciadoras(es) estão sendo financiadas(os), muitas(os) não deixam claro. Algumas práticas a gente sabe que acontecem, como o envio de brindes e caixas de produtos [por parte das empresas]. As mídias sociais e a internet como um todo são um grande desafio hoje; outro é o patamar de industrialização que atingimos, com uma imensa variedade de alimentos ultraprocessados”, avalia Marina Rea.
Segundo a médica sanitarista, a OMS, inclusive, já reconhece que as mídias digitais cresceram tanto que é preciso discuti-las e controlá-las – assunto que começou a ser ventilado na Assembleia Mundial de Saúde, realizada em Genebra, em maio passado. “Mas, isso é muito difícil. Nos perguntamos se a regulamentação e as propostas que fizemos até hoje são suficientes, com esse excesso de produtos novos, diferentes e cada vez mais sofisticados”, questiona.
A nutricionista Viviane Vieira completa: “A rede social e a mídia entram em sua casa, então você, ao usar o celular, pode receber uma informação, uma reportagem, uma propaganda capaz de interferir – positiva ou negativamente – na sua escolha de amamentação, na compra de algum produto. Nossa grande missão é pensar nesse meio virtual, que é muito potente e pode estimular o aleitamento [com influenciadoras(es) e celebridades democratizando saberes sobre amamentação, parto normal e criação neurocompatível, que respeita o tempo e o desenvolvimento de cada criança], mas também desestimulá-lo”.
As especialistas lembram que, num país desigual como o nosso, há um forte componente socioeconômico que dificulta a realização e a extensão da amamentação. Só em 2020, primeiro ano da pandemia, dos 480 mil postos com carteira assinada fechados no Brasil, 462 mil (96%) eram ocupados por mulheres, segundo reportagem do Jornal Nacional de dezembro de 2021 citando dados do Ministério do Trabalho. “Vivemos um momento de crise econômica mundial, que prejudica muito mais o gênero feminino, sobretudo as mães. Muitas são chefes de família [em 45% dos lares do país, de acordo com dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE], têm trabalhos informais, com rendas inadequadas, e muitas vezes vão optar pelo desmame para garantir a própria sobrevivência e a de seu(s) filho(s)”, aponta a nutricionista Viviane Vieira.
Mesmo as empregadas registradas pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) têm direito a apenas quatro meses de licença-maternidade – empresas cidadãs, que oferecem seis meses de licença em troca de benefícios fiscais assegurados pela Lei nº 11.770/2008, ainda são exceção. “A conta não fecha. Uma licença-maternidade ampliada é algo fundamental a ser discutido, além de temas como auxílio-creche e a oferta, pelas empresas, de um local adequado para ordenha e congelamento do leite”, diz Viviane. No caso das trabalhadoras informais, há mulheres que voltam à ativa quando seus bebês têm apenas algumas semanas de vida. “Dados da cidade de São Paulo revelam que creches municipais chegam a receber crianças a partir de 1 ou 2 meses”, afirma a especialista.
Essa múltipla jornada das mães, portanto, dificulta muito a manutenção da amamentação. Isso porque o cuidado – com os filhos, marido, idosos, animais de estimação e com a organização e gestão da casa – ainda é atribuído como inato ao sexo feminino. “E aí a criança, muitas vezes, será alvo de desmame precoce, porque essa mulher não dá conta de cumprir todas as tarefas que a sociedade lhe demanda. Por isso, o local de trabalho e o espaço onde seu filho vai ficar precisam ser apoiadores do aleitamento”, conclui Viviane. Desde 2017, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo promove a campanha CEI Amigo do Peito para incentivar “ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno na rede municipal de ensino”, buscando “garantir o direito dos bebês e das crianças à especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social”, o que beneficia famílias, a sociedade e o planeta como um todo. Em 2020, um em cada cinco Centros de Educação Infantil (CEIs) da capital ofertou leite materno congelado de mães a seus bebês, enquanto 57% receberam mulheres para amamentar em suas dependências.
As propriedades do leite materno são comprovadas cientificamente há décadas. Sob o aspecto nutricional, ele é um alimento completo, com quantidades adequadas de proteínas, gorduras, cálcio e outros nutrientes essenciais para o bebê. “Esse é o único momento da nossa existência em que apenas um alimento não só é suficiente, como o mais adequado para garantir o desenvolvimento integral da criança. Aquilo que lhe é oferecido nos seus primeiros meses terá um impacto ao longo de toda a sua vida”, destaca a nutricionista Viviane Vieira. A médica Marina Rea lembra ainda: “Os anticorpos do filho serão desenvolvidos com base no que ele recebeu da mãe, por meio da amamentação. O leite humano contém aminoácidos e proteínas relacionados à proteção contra infecções, o que o leite artificial não tem”, compara.
Há vários estudos que mostram os benefícios do leite materno para a redução de doenças, de hospitalizações e da mortalidade infantil. “Amamentar previne problemas como déficit de crescimento ou de peso, diarreias, doenças respiratórias, contagiosas e crônicas, alergias e até diabetes tipo 2. Também ajuda na respiração, na fala, no crescimento dos dentes e na introdução alimentar”, cita Viviane. “E, para além da saúde física, crianças amamentadas apresentam um melhor desenvolvimento cognitivo e se tornam adultos que tendem a ter maior escolaridade e renda, segundo pesquisas.”
Foto: Mariana Krauss
Além disso, já há trabalhos científicos comprovando que mães vacinadas contra a Covid-19 transmitem anticorpos aos bebês pelo leite materno, embora ainda seja cedo para dizer que eles são suficientes para proteger a criança contra o coronavírus, afirma o pesquisador Cristiano Boccolini, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Um desses estudos, publicado no fim de 2021 na revista JAMA Pediatrics, foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Rochester e da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos.
A amamentação também é uma forma de estimular o vínculo entre mãe e filho. “É um estímulo grande para a conexão entre eles e para o bem-estar de ambos. O bebê sente o calor da mulher, a respiração, os batimentos cardíacos e demais barulhos que já conhecia do período intrauterino. Isso tudo ajuda a acalmá-lo, assim como a sucção”, explica Viviane. E, como a amamentação é uma via de mão dupla, a mulher também se beneficia desse ato. “Há uma redução do risco de alguns cânceres, como o de ovário e o de mama.” Isso sem falar que o aleitamento favorece o bolso e o meio ambiente: não tem custo, não gera lixo nem necessita de insumos e recursos para a sua produção.
A Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM), criada há 30 anos pela OMS em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), é promovida anualmente em mais de 100 países e reforça a importância da amamentação para o desenvolvimento dos bebês. É coordenada pela rede WABA e comemorada sempre na primeira semana de agosto, com um tema diferente a cada edição.
O tema da SMAM este ano é Fortalecer a amamentação: educando e apoiando. “Foi uma ideia pensada pela WABA em função do que a gente viveu na pandemia, quando a ciência foi muito contestada, mas também teve bastante protagonismo. Precisamos educar profissionais de saúde, pediatras, entrar nas escolas”, analisa Marina Rea.
No Brasil, desde 2017, foi instituída também a campanha Agosto Dourado, pela Lei nº 13.435. Seu objetivo é conscientizar e esclarecer a população sobre os benefícios do aleitamento, e a cor dourada representa o leite materno, conhecido como alimento “padrão ouro de qualidade”. “É um mês para celebrar, apoiar, defender e desenvolver iniciativas relacionadas à amamentação. Despertamos o interesse e promovemos sensibilização em locais de trabalho, serviços de saúde, faculdades, escolas e creches. É um mês para potencializar ações, mas não adianta fazermos isso em uma semana ou um mês inteiro se, depois, isso não se sustentar ao longo dos 11 meses seguintes”, observa a nutricionista Viviane Vieira.
QUARTA EDIÇÃO DO PROJETO DO PEITO AO PRATO SERÁ REALIZADA DE 1º A 7 DE AGOSTO, EM 24 UNIDADES DO SESC SÃO PAULO
Na esteira da Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM), o Sesc São Paulo realiza, de 1º a 7 de agosto, a quarta edição do projeto Do Peito ao Prato. Neste ano, uma programação online e presencial reúne atividades em 24 unidades na capital, no interior e litoral. As ações abordam a importância de uma alimentação adequada e saudável nos dois primeiros anos dos bebês, reconhecendo-a como decisiva para a saúde nessa faixa etária e com reflexos por toda a vida.
“É fundamental realizarmos um projeto como esse e compartilharmos conhecimentos com base no saber científico e em vivências pessoais enriquecedoras. Assim, contribuímos com a saúde e a qualidade de vida desde os primeiros anos das crianças, fortalecendo também a missão do Sesc de atender seus públicos em cada etapa de sua existência. Além disso, empoderamos mães, pais e a sociedade em geral, difundindo informações necessárias às melhores escolhas alimentares”, destaca Marcia Bonetti Sumares, gerente da Gerência de Alimentação e Segurança Alimentar do Sesc São Paulo. Saiba mais: www.sescsp.org.br/dopeitoaoprato
Presencial
Documentário De Peito Aberto
Exibição de filme seguida de bate-papo com a diretora Graziela Mantoanelli e a obstetriz Flavia Estevan (do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde), sob mediação de Daniela Castelan.
Quando: Dia 1º/08 (segunda), das 19h30 às 21h30.
Local: CineSesc.
Grátis (retirada de ingressos 1h antes).
Online
Bate-papo – Os desafios do aleitamento materno e a importância da escolha do pediatra
Com a médica Ana Paula Moraes Figueiredo e a fonoaudióloga Isa Crivellaro, sob mediação da nutricionista Ariane Feltrin Pasuld, pela plataforma Zoom.
Quando: 3/08 (quarta), das 10h30 às 11h30.
Inscrições: inscricoes.sescsp.org.br/
Grátis.
Bate-papo – Mulher negra e aleitamento materno
Com a enfermeira Isabel Cruz, pela plataforma Zoom.
Quando: 4/08 (quinta), das 16h às 17h30.
Inscrições: inscricoes.sescsp.org.br/
Grátis.
Live – Quem não dá leite, dá apoio
Com os médicos Corintio Mariani Neto, Leonardo Wigg Perfeto e Keiko Teruya, e a enfermeira Renata Oliveira Giesta, pelo canal do Sesc Belenzinho no YouTube.
Quando: 6/08 (sábado), das 15h às 16h30.
Grátis.
Conheça também:
A história da amamentação no Brasil:
www.sescsp.org.br/historia-amamentacao/
Curso EAD gratuito Construindo o futuro: Introdução alimentar para bebês até 2 anos, com a nutricionista Rachel Francischi:
bit.ly/EAD-introducaoalimentar
Foto: Reprodução
A EDIÇÃO DE AGOSTO/22 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
Neste mês, quando o mundo comemora o Dia Internacional da Juventude (12/08), o Sesc São Paulo promove mais uma edição da Juventudes: Arte e Território, ação que segue até dezembro discutindo e incentivando a potência das produções culturais das diferentes juventudes. Em reportagem desta edição, damos voz a iniciativas artísticas, em todo o estado de São Paulo, que provam que a arte, em suas diferentes linguagens, dá vazão à expressão e ao potencial criativos dos jovens, impactando os territórios que habitam.
Além dessa reportagem, a Revista E de agosto/22 traz outros conteúdos: um texto sobre os desafios e a importância da amamentação para a saúde dos bebês e o vínculo entre mães e filhos; uma entrevista em que a escritora portuguesa Isabel Lucas, que esteve presente na 26ª Bienal do Livro, defende a literatura como um mapa para se conhecer um país; um depoimento de Davi Kopenawa sobre a defesa da cultura indígena e a preservação da floresta; um passeio fotográfico pelos trabalhos de Eustáquio Neves, artista que reflete sobre o lugar histórico dos afrodescendentes e cuja obra será celebrada em exposição no Sesc Ipiranga, a partir de setembro; um perfil que mergulha no legado plural de Flávio de Carvalho (1899-1973), multiartista que protagoniza uma exposição no Sesc Pompeia, a partir do fim de agosto; um encontro com Renato Maluf, pesquisador que aponta os rostos da fome no Brasil; um roteiro por lugares, atividades e intervenções que espalham poesia pela cidade de São Paulo; um conto inédito da escritora Ieda Magri, intitulado “Vida e amores da senhorita X”; e dois artigos que relacionam língua, discursos e diversidade: Gabriel Nascimento escreve sobre racismo linguístico e Dri Azevedo, sobre linguagem neutra.
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