Gravidade, com o Núcleo Pausa

04/04/2025

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Inspirado no livro Gravidade, do bailarino Steve Paxton, espetáculo chega ao Sesc Pinheiros e propõe uma imersão sensorial e coreográfica em torno das relações entre corpo e gravidade, explorando um ambiente de densidades, repetições e ações reversas, com trilha sonora executada ao vivo ao piano.

Entre os dias 15 e 24/4 o Sesc Pinheiros recebe o espetáculo Gravidade, que trata de questões que emergem da presença da força gravitacional em nossas vidas e do estado de atenção necessário para o desvelar da relação entre corpo e gravidade. O processo de pesquisa para sua elaboração foi iniciado em 2019 com a tradução do livro Gravidade do bailarino estadunidense Steve Paxton (1939-2024), cuja leitura motivou uma reflexão sobre as maneiras possíveis de se perceber as interações constantes da gravidade em nossas vidas. Inspirado nas percepções do autor, o trabalho explora um roteiro visual e um arranjo complexo de eventos que sugerem as qualidades das relações dos corpos com a força gravitacional. Os sentidos do corpo são usados como ferramentas de sobrevivência e composição coreográfica. O tempo proposto altera as relações normais do pensamento e convida a mente a experimentar os instantes de transição do movimento. A composição musical dialoga tanto com a densidade dos corpos, ao buscar o movimento audível e as paisagens sonoras, quanto com a Ária das Variações Goldberg, de J.S. Bach. A trilha ao piano é tocada ao vivo.


NÚCLEO PAUSA, concebido por Beth Bastos em 2014, é composto atualmente por sete integrantes, contando com seis dançarinos e um pianista que dança. O grupo investiga a abordagem da percepção dos sentidos do corpo na construção do gesto. Estratégias e partituras de sintonização do movimento, tais como reverso, repetição, lentidão e pausa, conduzem esta pesquisa na busca pelo refinamento e expansão da observação e da percepção do corpo por meio da atenção em níveis sutis. Trata-se de uma proposta de composição que busca mover e sustentar sensações e provocar a imaginação, demarcando o tempo e a relação sinestésica com a gravidade na composição e na construção da imagem. O Núcleo Pausa possui em seu currículo uma série de Performances-Observatório, realizadas em praças e museus da cidade de São Paulo, o espetáculo de improviso Sala de Jogos com artistas convidados, o documentário O que te move – O que vemos quando olhamos dança, sobre a construção de 32 solos de dança com artistas de diferentes realidades, dois curtas, Performances-Observatório e Gravidade – Estudos, sendo este último parte do longo processo que gerou este espetáculo juntamente com a tradução para o português do livro Gravidade de Steve Paxton.

BETH BASTOS é artista da dança, cujo trabalho existe no cruzamento entre percepção, visão, imaginação, fotografia, composição coreográfica, artes visuais e arquitetura. Mineira, veio para São Paulo em 1986 a convite de Klaus Vianna, com quem trabalhou e colaborou por 8 anos. Sua atuação na dança revela um trabalho técnico e sensível do funcionamento da percepção e da organização do corpo. Sua pesquisa é direcionada ao estudo da composição, tendo os sentidos como norteadores da ação. Entre as ferramentas trazidas para a cena por Beth, estão a extensão do tempo, a pausa e o fechar dos olhos – estratégias de sobrevivência para a atenção e a imaginação. Beth participa desde 2020, junto a bailarina estadunidense Lisa Nelson e mais 7 artistas, da pesquisa online, Tuning Zoom Observavatory, um novo ambiente que explora a prática de dança Tuning Score e sua possibilidade de adaptação ao ambiente virtual. Tuning Score é a prática de dança que investiga elementos da observação norteada pela pergunta “o que vemos quando olhamos dança?”, e “como os nossos sentidos colaboram para dar sentido ao movimento.”


Em tempos turbulentos, um agrupamento de artistas se reúne em um Núcleo intitulado Pausa. Pausa nomeando justamente quem vai dançar? Sim, é isso mesmo. Esse nome instaura algo que vem se tornando cada vez mais rarefeito. Quem tem pausado nessa tempestade de mensagens que nos treina no rapidinho e no superficial que passou a regular o comportamento nas redes?

A atenção e o foco foram encolhendo porque precisam de um pouco mais de tempo do que o do passar de dedo que deleta, cancela, silencia, curte, ou somente reenvia instantaneamente o que vai recebendo. E como tudo aquilo que o corpo treina muito se torna um hábito, o comportamento nas redes não escaparia do papel de nos regular também fora delas, já que o corpo é um só.

Estamos mais impacientes e intolerantes, andamos destreinando o diálogo presencial (que implica em um tempo de escuta que não é possível controlar/acelerar porque depende do modo do outro se comunicar). Acostumada a deslizar pela superfície das telas, a percepção tem dificuldade em se deixar deter, desativar os seus pilotos automáticos, acordar a curiosidade, e admitir que dizer “não sei” não é o que encerra, mas o que abre o caminho para chegar mais perto.

Não é de se estranhar que Beth Bastos tenha dado esse nome para o Núcleo que fundou há dez anos, pois se interessava em demonstrar a importância do menos, a qualificação do detalhe, a necessidade de dar visibilidade para o que o olho não identifica de imediato no que o outro corpo está fazendo. Com estes entendimentos, fica até parecendo natural a sua aproximação com a proposta de Steve Paxton (1939-2024) em desautomatizar o corpo, em compreender que um corpo precisa de um outro corpo para não ficar somente repetindo movimentos a partir de si mesmo. 

A lealdade de Beth Bastos ao que Steve Paxton se dedicou e Lisa Nelson continua a se dedicar, também deve ser destacada. Destoa da dificuldade em manter vínculos que hoje se tornou uma prática que impede a formação, porque formação só acontece ao longo de um tempo muito mais dilatado que não é o das redes.

Foi esse tipo de tempo que pautou o percurso dele, de ginasta aos três anos passados com Merce Cunningham, a mais um ano com José Limón, a ter sido um dos fundadores do Judson Dance Theater e do Grand Union, ao desenvolvimento, junto com Lisa Nelson, do Contact Improvisation (Contato por Improvisação), a explorar a relação que a gravidade impõe aos corpos.

Gravidade, o espetáculo, tem o mesmo título do livro que a editora n-1 lançou, em 2021, na Galeria Metrópole, em São Paulo, capital, traduzido para o português por Rodrigo Vasconcelos e Núcleo Pausa.

São todos esses sentidos e relações, e outros e outras que vocês podem agregar, que precisam estar presentes para lidar com esta criação como uma continuidade da gravidade à que Paxton se dedicou.

Temos a oportunidade de acompanhar um saber que não depende mais do seu enunciador para continuar vivo porque encontrou outros corpos. Essa continuidade traz esperança em um mundo povoado por indivíduos que têm se isolado enquanto simulam não precisar de nada, apenas de se relacionar digitalmente. Helena Katz


Memórias da gravidade nos corpos

Improvisadores, como eu mesmo, recorrem menos a espelhos. Foi-se a época dos ensaios em que se compara o ideal coreográfico com o movimento que se está fazendo (Steve Paxton).

A contribuição do pensamento/movimento de Steve Paxton para a Dança contemporânea reverbera em cada gesto impresso em suas obras e que na continuidade do trabalho desenvolvido ao longo de sua trajetória que se reflete em outros corpos.

Com sua generosidade possibilitou entendimentos sobre tessituras delicadas e tecidos das relações que trazem a leitura de contornos e transparências do corpo que é agora, que é imaginado e imaginativo, do corpo que produz imagens e se desloca em seus desdobramentos na percepção que se capta e potencializa por meio de suas reflexões e aprofundamento do sentido e significado do termo gravidade, para práticas de improvisação e de estar no mundo.

Perceber conscientemente a leveza, o peso e os detalhes que ampliam o olhar sobre a grandeza da pequena dança nesse contexto de mundo, que exige lucidez e clareza para se inserir com a elegância da sabedoria de se conhecer e reconhecer os encontros, os contatos capazes de se fazer em cenas e na cena que evidencia a permanente troca e transformação desses mesmos corpos e ambientes que ao se refletirem seguem se despindo dos espelhos.
Silvana Santos


A última imagem que tenho de Steve Paxton é de um gesto de reverência em uma manhã de sol em frente ao mar no jardim da casa de Picinguaba. Ele agradecia ao universo e pontuava sua existência no mundo. Uma despedida absurdamente linda e presente em minha memória. 

Quando o conheci, pensei: o Klauss Vianna está neste corpo – uma comunhão de saberes, mundos e coincidências.

A missão e a oportunidade de traduzir seu livro Gravidade, junto ao Núcleo Pausa nos aproximou e fortaleceu uma compreensão vital do seu trabalho.

Steve alimentou o pensamento e a prática de conceber o desconhecido. Criou uma novasintaxe para organizar o movimento e nos deixa esta grande pergunta: Pode ser menor? Beth Bastos


Agradecimentos | Lisa Nelson, Helena Katz, Flávia Aranha, Ricardo Muniz, Sala Crisantempo.


Gravidade
> 15 a 24/4
> Palco Teatro Paulo Autran | 20h
Ingressos no app, site ou bilheterias das unidades Sesc

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